Ouro verde”. Era esse o apelido carinhoso dado ao mogno, árvore nativa da Amazônia, até o final do século. Com alto valor de mercado e aceitação internacional, houve uma corrida em meio à mata em busca da madeira a partir da década de 70. Pelo menos 5,7 milhões de metros cúbicos de mogno foram extraídos da Amazônia brasileira, com um valor de cerca de US$ 3,9 bilhões.
A festa durou pouco. Hoje, a espécie é encontrada somente nos cantos de mais difícil acesso da Amazônia: a exploração, o transporte e a comercialização do mogno estão suspensos no Brasil desde outubro de 2001. A quase extinção da árvore fez com que as motosserras ganhassem um novo alvo preferido, o ipê.
Olhando do alto, é fácil identificar um ipê amarelo em meio à floresta. Com floração exuberante, cuja coloração lhe atribui o nome, e distribuição natural de um exemplar a cada dez hectares, formam ilhas amarelas em meio ao mar verde da floresta. Seu preço, que chega a US$ 2,5 mil por metro cúbico depois de processado, faz com que valha a pena rasgar a floresta com estradas ilegais em busca da árvore.
A saída foi regulamentar o manejo florestal. Para iniciar a exploração de madeira na Amazônia brasileira, é preciso apresentar um inventário florestal com a estimativa de cálculo do volume aproveitável de madeira das árvores que irão receber autorização para corte.
Com base nessa estimativa, os órgãos competentes dos estados emitem créditos de movimentação de madeira para o transporte e comercialização do produto. O objetivo é definir quais árvores podem ser cortadas e quais devem permanecer em pé para preservar a floresta para o futuro e garantir um novo ciclo de corte daqui a 25 ou 30 anos.
Tudo muito bonito, o problema é que não funciona. As empresas madeireiras podem cortar 90% das espécies adultas, com um segundo corte permitido após 25 anos. No entanto, estima-se que, após uma colheita inicial de 90%, a densidade de uma espécie de ipê levaria pelo menos 60 anos para recuperar os níveis pré-colheita. Isso significa que a exploração de ipê, mesmo sob diretrizes oficiais, está longe de ser sustentável.
Mas o problema vai além. Um estudo realizado pelo Greenpeace mostra que dois terços dos planos de manejo florestal do Pará têm indícios de fraudes em relação ao ipê. Quantidade e volume da árvore vêm sendo superestimados para permitir a “lavagem” e a venda de madeira roubada da Amazônia.
Um levantamento realizado sobre 586 planos de manejo florestais do Pará, no período de 2013-2017, aponta que 76,68% dos inventários para exploração de ipê no estado apresentam densidade (quantidade de metros cúbicos por hectare) superior ao que a literatura científica diz ser possível ocorrer na natureza. Em alguns casos, esse “superfaturamento” de árvores pode chegar a até mais de 10 vezes o que a ciência diz ser possível.
Assim, em uma só tacada, as madeireiras conseguem permissão para cortar mais árvores do que poderiam originalmente e conseguem “esquentar” a madeira retirada de forma ilegal, vinda de reservas indígenas ou unidades de conservação, por exemplo.
“Este tipo de fraude é o que chamamos de árvores imaginárias, pois são árvores que só existem no papel, para gerar créditos de movimentação de madeira. Essas informações iniciais não são checadas com rigor e esses dados acabam sendo inseridos no sistema e contaminando toda a cadeia, até o ponto que não podemos mais separar o que é legal do que é ilegal”, afirma Rômulo Batista, especialista do Greenpeace em Amazônia.
De acordo com a entidade ambientalista, a madeira retirada das áreas em que foram encontradas as “árvores imaginárias” são exportadas majoritariamente para os Estados Unidos, que receberam mais de 10 mil metros cúbicos de ipês entre março de 2016 e setembro de 2017, enquanto 9,7 mil metros cúbicos foram para os países da União Européia.
“O Brasil precisa com urgência de um sistema de licenciamento e controle da cadeia produtiva da madeira que seja integrado, transparente, acessível e que bloqueie de forma automática as principais fraudes”, defende o estudo. “Também é necessária a aplicação da lei capaz de assegurar que a madeira da Amazônia seja realmente extraída de modo legal e com pleno respeito aos direitos de seus povos tradicionais”.
Enquanto cobra providências do poder público, o Greenpeace tenta estimular o controle cidadão por meio da campanha “Chega de Madeira Ilegal”. Por meio do site da iniciativa, qualquer cidadão poderá analisar indícios de fraudes em planos de manejo florestal, por meio de dados e imagens de satélite, e alertar os órgãos oficiais.
Fonte: Revista Galileu