Nesta quarta-feira, dia 13, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva depôs pela segunda vez para o juiz federal Sergio Moro, em Curitiba. O novo depoimento, que durou cerca de duas horas, ocorreu quatro meses após o primeiro, em maio. Naquela ocasião, juiz e réu ficaram frente a frente por quatro horas e meia. Mas, desta vez, o objetivo foi diferente.
No primeiro depoimento, Lula foi ouvido como réu no âmbito de uma ação penal em que era acusado de ser beneficiário de um apartamento tríplex no Guarujá, litoral de São Paulo. O imóvel seria fruto de um acerto de corrupção com a empreiteira OAS. A sentença saiu em julho: o ex-presidente foi condenado por Moro a nove anos e meio de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Já desta vez, Lula depôs como réu em uma segunda ação penal. Ela trata da compra de um terreno em São Paulo, supostamente destinado ao Instituto Lula, e de um apartamento em São Bernardo do Campo, vizinho à residência do petista e que seria usado por sua família.
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), a aquisição desses dois imóveis teria sido feita por outra empreiteira, a Odebrecht, como pagamento de propina ao ex-presidente. A acusação, novamente, é de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A defesa diz que Lula é inocente e que os imóveis não pertencem a ele.
Lula ainda deve ser convocado para dar um terceiro depoimento a Sergio Moro, em outra ação penal, relacionada a obras em um sítio em Atibaia, interior de São Paulo. Ainda não há previsão de quando isto deve ocorrer. O MPF diz que a OAS e a Odebrecht fizeram reformas no imóvel para beneficiar ilegalmente o ex-presidente. Neste caso, Lula nega as acusações e diz que os processos são parte de uma perseguição dos procuradores para inviabilizar a candidatura presidencial do petista em 2018.
Por que Moro não ouviu Lula de uma só vez? O fatiamento dos depoimentos ocorre porque o MPF ofereceu diferentes denúncias, em separado, o que foi aceito por Moro, para evitar o “agigantamento” do processo.
“Apesar da existência de um contexto geral de fatos, a formulação de uma única denúncia, com dezenas de fatos delitivos e acusados, dificultaria a tramitação e julgamento, violando o direito da sociedade e dos acusados à razoável duração do processo”, afirmou Moro, ao receber a denúncia pela qual Lula será ouvido nesta semana.
A divisão das acusações, inclusive, esteve no centro de uma longa discussão entre Moro e a defesa do petista. Durante o primeiro depoimento, o magistrado chegou a questionar Lula sobre o sítio de Atibaia. Mas, segundo os advogados de Lula, cada ação penal deveria focar no seu objeto específico.
“Esse é outro processo, doutor” (…) “Eu quero resolver o problema do tríplex…” (…) “Do sítio de Atibaia eu responderei tudo, doutor Moro, com o maior prazer quando tiver aqui o processo de Atibaia”, respondeu Lula.
Terreno e apartamento
No depoimento desta quarta-feira, está em jogo a acusação do MPF segundo a qual Lula teria recebido vantagens financeiras indevidas da Odebrecht, com a participação do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, além de ter supostamente atuado em favor dos interesses da empreiteira.
O MPF cita oito contratos da Odebrecht com a Petrobras, dos quais R$ 75 milhões teriam sido desviados. Parte do valor teria sido repassada a partidos e agentes políticos que apoiavam o governo Lula, principalmente PP, PT e PMDB.
Outra parte do dinheiro teria sido usada para comprar o terreno em São Paulo onde futuramente seria instalada uma sede do Instituto Lula, por R$ 12,4 milhões, e o apartamento em São Bernardo do Campo, por R$ 504 mil.
Marcelo Odebrecht, em novo depoimento para Moro, no início deste mês, afirmou que foi procurado por intermediários de Lula para viabilizar a compra do terreno para o Instituto. Segundo o empreiteiro, que também é réu nesta ação, o valor teria sido debitado de uma conta de propinas de R$ 300 milhões, destinada pela Odebrecht ao ex-presidente.
“[Eu falei que] esse valor vai sair do valor provisionado que eu tenho com Palocci para Lula”, afirmou Marcelo Odebrecht, que está preso desde junho de 2015 e fez delação premiada.
Já Palocci, em depoimento prestado a Moro na semana passada, disse que a transação oferecia um risco muito grande: “No conjunto, considerando a pessoa do presidente Lula, o governo, a Odebrecht, o Instituto Lula, aquilo era um ilícito grave, uma fratura exposta. Era um convite à investigação”.
Palocci afirmou ainda que Emílio Odebrecht procurou Lula, no final de 2010, para fazer um “pacto de sangue”. “Envolvia um presente pessoal, que era um sítio, envolvia um prédio de um museu [para o Instituto Lula] pago pela empresa, envolvia palestras pagas a R$ 200 mil, fora impostos, combinadas com a Odebrecht para o próximo ano, várias palestras, envolvia uma reserva de 300 milhões de reais”.
O ex-ministro está preso desde setembro de 2016 e tenta negociar uma delação premiada.
Primeira sentença
A primeira sentença de Moro contra Lula, sobre o tríplex, sinaliza como o juiz federal pode decidir a respeito das demais ações penais em curso que têm o líder petista entre os réus.
No caso do tríplex, um dos principais argumentos da defesa era que o imóvel estava registrado como propriedade da OAS e, portanto, jamais pertenceu ao ex-presidente.
Porém, Moro avaliou que não seria necessário que o apartamento tivesse sido transferido para o nome de Lula para configurar vantagem indevida. A manutenção do imóvel em nome da empresa teria o objetivo de ocultar e dissimular o ilícito, avaliou o magistrado.
A situação das outras duas ações penais é semelhante. O Instituto Lula não chegou a ser instalado no terreno a que estaria destinado. De acordo com o MPF, a área foi adquirida por uma empresa chamada Dag Construtora, que teria atuado em nome da Odebrecht, a real pagadora do imóvel. Já no caso do sítio de Atibaia, a propriedade não é do ex-presidente, mas do empresário Fernando Bittar.
Moro também considerou que não era preciso provar a existência de uma contrapartida oferecida por Lula (ato de ofício) em favor das empreiteiras.
“Uma empresa não pode realizar pagamentos a agentes públicos, quer ela tenha ou não presente uma contrapartida específica naquele momento. (…) Basta para a configuração que os pagamentos sejam realizados em razão do cargo [ocupado pelo agente público], ainda que em troca de atos de ofício indeterminados, a serem praticados assim que as oportunidades apareçam”, sentenciou Moro.
Além disso, o magistrado considerou que era suficiente estabelecer que os contratos analisados naquela ação – no caso, o consórcio de construção da Refinaria Abreu e Lima – tivessem sido uma das fontes de crédito na “conta geral de propinas”. “Não importa que a conta geral de propinas tenha sido formada por créditos de acertos de corrupção em outros contratos do governo federal”.
Conheça, abaixo, as diferentes ações penais contra Lula nas mãos de Moro:
– Terreno em São Paulo
O que está em julgamento: suposta compra pela Odebrecht, com dinheiro de propina, de um terreno em São Paulo para o Instituto Lula, e de um apartamento em São Bernardo do Campo, para uso da família do petista. Lula é acusado pelo MPF de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Quando começou: a denúncia do MPF foi aceita por Moro em 19 de dezembro de 2017.
Status: ação penal está na fase de interrogatório dos réus. Já foram ouvidos Marcelo Odebrecht e Antonio Palocci, entre outros. Lula foi ouvido nesta quarta, às 14h.
O que diz a defesa: Lula jamais recebeu a propriedade ou a posse de qualquer dos imóveis indicados pelo MPF, muito menos em contrapartida de qualquer atuação em contratos firmados pela Petrobras.
– Sítio de Atibaia
O que está em julgamento: reformas em um sítio em Atibaia, que supostamente pertenceria ao ex-presidente Lula, realizadas por Odebrecht e OAS com dinheiro de propina. Lula é acusado pelo MPF de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Quando começou: a denúncia do MPF foi aceita por Moro em 1º de agosto de 2017.
Status: esta semana terminou o prazo para a apresentação da defesa prévia dos réus. Em seguida, as testemunhas devem começar a ser ouvidas.
O que diz a defesa: também nessa ação penal não existe qualquer elemento mínimo que permita cogitar que Lula praticou qualquer dos crimes indicados pelo órgão acusador, não havendo justa causa para o seu prosseguimento.
– Tríplex do Guarujá
O que foi julgado: compra e reforma de apartamento tríplex em Guarujá, litoral de São Paulo, pela construtora OAS, que seria destinado a Lula, e armazenamento de acervo presidencial. Lula foi acusado pelo MPF de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Quando começou: denúncia do MPF foi aceita por Moro em 20 de setembro 2016.
Status: sentença foi proferida em 12 de julho de 2017 e encaminhada para a 2ª instância – não há previsão para julgamento.
O que diz a sentença: Moro considerou que Lula ocultava a propriedade do tríplex no Guarujá, o que caracteriza o crime de lavagem de dinheiro. O imóvel e sua reforma teriam sido concedidos pelo grupo OAS ao ex-presidente como um “acerto de corrupção decorrente em parte dos contratos com a Petrobras”. Por outro lado, Lula foi inocentado da acusação relativa ao armazenamento de acervo presidencial.
O que diz a defesa: Lula é inocente. Por mais de três anos, Lula tem sido objeto de uma investigação politicamente motivada. Nenhuma evidência crível de culpa foi produzida, enquanto provas esmagadoras de sua inocência são descaradamente ignoradas. Este julgamento politicamente motivado ataca o Estado de Direito do Brasil, a democracia e os direitos humanos básicos de Lula.
* Matéria atualizada às 16h50.
Fonte: BBC