O Brasil passa por um período especial, com denúncias de corrupção que põem em risco o sistema político partidário. Ao mesmo tempo, há consenso a respeito da importância de algumas reformas que dependem do Executivo e do Congresso Nacional.
O governo Michel Temer (PMDB) empenha todo o seu capital político para a realização dessa agenda, mas deve haver um limite ético nas negociações entre Executivo e Legislativo.
Em outras palavras, questões ambientais e relativas aos direitos indígenas, dentre outras, não podem se transformar em moeda de troca para atender a interesses numericamente bem representados na Câmara dos Deputados.
A tramitação de um projeto que se autodenomina Lei Geral de Licenciamento Ambiental é o exemplo mais bem acabado de como se pretende, na prática, esvaziar um importante e democrático dispositivo constitucional.
A Constituição Federal de 1988 consagrou a obrigatoriedade do licenciamento ambiental de empreendimentos com significativo impacto, assegurando transparência no processo decisório.
É bom assinalar que essa prática é adotada por mais de uma centena de países e encontra-se presente nos mais importantes tratados internacionais, constituindo-se em exigência indispensável na concessão de financiamento pelas agências multilaterais. Assim como a certificação, transformou-se em um requisito essencial no comércio internacional de bens e serviços.
Nestes últimos dias, o foco da discussão está no substitutivo do deputado federal Mauro Pereira (PMDB-RS). Este tem como objetivo principal dispensar vários setores do licenciamento ambiental, buscando limitar a participação pública em todo o processo. Propõe uma legislação confusa e detalhista que deveria ser, no máximo, tratada por decreto -ou mesmo por instrução normativa.
Desse modo, uma vez aprovado o substitutivo, o Brasil perderia a oportunidade de ter um licenciamento ágil, eficiente e desburocratizado. Para tanto, uma nova legislação deveria criar mecanismos que evitassem a judicialização, a exemplo do engajamento de atores estratégicos em todo o processo, especialmente o Ministério Público. Quanto maior o engajamento, menor o risco de questionamentos futuros.
Ainda que o presidente Michel Temer seja um constitucionalista renomado, o projeto está contaminado por evidentes inconstitucionalidades, o que indica, inexoravelmente, o caminho da judicialização perante o Supremo Tribunal Federal.
O quadro torna-se ainda mais nebuloso pelo fato de que a proposta do deputado está sendo escrita nos subterrâneos da Casa Civil, por funcionários de terceiro escalão, a pretexto de cortejar a maioria parlamentar governista ou mesmo servir a senhores ocultos.
O Ministério do Meio Ambiente, infelizmente, perdeu protagonismo nessa discussão e se vê obrigado a fazer concessões que comprometem o legado do governo Temer em matéria de tal magnitude.
O Brasil, com isso, se alinha ideologicamente à onda representada pelo governo Donald Trump, que nega o aquecimento global e investe contra as mais importantes instituições ambientais norte-americanas, a exemplo da tentativa de desmonte do EPA (a agência de proteção ambiental dos EUA).
É isso que queremos do governo?
FABIO FELDMANN é vice-presidente da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável. Foi deputado federal (1986-1998) e secretário estadual de Meio Ambiente de São Paulo
(gestão Mário Covas)
Fonte: Folha de São Paulo