A inspeção técnica concluiu que o transporte marítimo de animais por longas distâncias causa “crueldade, sofrimento, dor, indignidade e corrupção do bem-estar animal sob diversas formas”.
O laudo veterinário emitido após inspeção técnica realizada no navio NADA, atracado no Porto de Santos com mais de 27 mil bois em suas dependências, produzido pela médica veterinária Magda Regina, concluiu “que a prática de transporte marítimo de animais por longas distancias está intrínseca e inerentemente relacionado à causação de crueldade, sofrimento, dor, indignidade e corrupção do bem-estar animal sob diversas formas”. A inspeção foi realizada pela veterinária após determinação da Justiça Federal.
De acordo com o parecer da veterinária, os andares inferiores do navio são os que possuem pior condição de higiene, considerada precária pela especialista. Segundo Magda, a imensa quantidade de urina e excrementos produzida e acumulada no período de sete dias – desde o início do embarque, em 26 de janeiro, até o dia 1 de fevereiro, quando a inspeção foi realizada – propiciou impressionante deposição no assoalho de uma camada de dejetos lamacenta. “O odor amoniacal nesses andares era extremamente intenso tornando difícil a respiração”, afirma.
Magda relata ainda que em alguns andares da embarcação o sistema de ventilação artificial buscava atenuar o efeito do acúmulo de gases e odores, resultado também da decomposição do material orgânico bovino. Para isso, provocava poluição sonora (em decibéis), classificada pela especialista como claramente inoportuna “dado seu elevado grau de ruído”.
Informações passadas por um veterinário embarcado que acompanhou a inspeção dão conta de que, após zarpar do porto, os pisos dos locais onde são mantidos os animais são lavados a cada cinco dias. Considerando que em sete dias sem lavagem foi encontrado pela veterinária um ambiente extremamente precário, conclui-se que, durante a viagem, os animais são frequentemente expostos a grande quantidade de urina e fezes. A lavagem realizada durante o trajeto é feita mediante “jatos de água emitidos por uma mangueira de largo calibre e baixa pressão” que conduzem a sujidade a um tanque de armazenamento que, depois, sem qualquer tratamento, lança o conteúdo descartado ao mar, poluindo o meio ambiente e interferindo gravemente na vida marinha.
Os jatos de água utilizados para lavar o ambiente devem certamente apenas aliviar a sujeira, considerando a impossibilidade de limpar completamente um local repleto de animais. Além disso, apesar de ser alegado pela empresa o uso de jatos de baixa pressão, o ato de jogar água em um ambiente superlotado, com animais estressados e exaustos, pode contribuir para o aumento do estresse causado aos bois.
Enquanto o navio é mantido atracado, como tem acontecido desde o último dia 26, a situação é ainda pior, já que a embarcação não recebe qualquer tipo de limpeza, condenando os bois à total insalubridade.
É descrito também pela veterinária a presença de um setor específico do navio denominado “graxaria”. No local, um equipamento tritura os animais que morrem durante a viagem. Os restos mortais são lançados ao mar, em mais uma prática poluidora que acarreta graves prejuízos ao equilíbrio ambiental.
A morte de animais durante o trajeto, devido à insalubridade e aos maus-tratos, é frequente. De acordo com Magda, “o óbito de animais está intrinsicamente ligado à prática de transporte marítimo de carga viva”. Os ferimentos também são constantes. As oscilações “intrínsecas e naturais das correntes oceânicas” e os “movimentos pendulares da embarcação” podem ocasionar a perda de equilíbrio dos animais, que são de natureza terrestre e não marítima, e “causar acidentes traumáticos e sério desconforto fisiológico”. Além disso, acidentes também podem acontecer quando animais deitam no chão, reduzindo o espaço dos outros bois que estão ao seu lado, o que facilita “a ocorrência de tombos ou acidentes assemelhados”.
A estrutura da embarcação também facilita que os animais se acidentem. “A estrutura dessas embarcações não é adequada para este fim. A título de exemplo, o navio NADA, construído em 1993, foi adaptado em 2012 na China, a partir de uma embarcação especializada no transporte de contêineres. Portanto não foi planejado e construído visando o transporte de animais. Toda a estrutura dessas embarcações é metálica, inclusive pisos e divisórias. Percebe-se que o piso torna-se extremamente escorregadio quando na presença de grandes quantidades de fezes e urina acumuladas no assoalho – o que é a regra. Portanto, sim, os riscos para ocorrência de acidentes com os animais é de altíssimo grau”, escreve Magda.
A superlotação não só do navio, mas dos caminhões, também é extremamente prejudicial aos animais. Segundo a veterinária, “no interior dos caminhões não há mínima possibilidade de mudança de posição do animal uma vez embarcado. No navio, embora haja possibilidade de mobilidade animal mínima em alguns bretes, para o caso de sua lotação não ser extrapolada, a mobilidade em geral é também severamente reduzida e/ou comprometida”. A ausência de espaço impede ainda que os animais descansem ou se movimentem livremente. E, segundo a especialista, quando um dos animais deita, exausto, no chão, ele não só diminui o espaço dos outros bois como também é obrigado a ter “contato íntimo com seus dejetos e os dejetos de outros animais”.
Em relação ao fornecimento de água e comida, a veterinária explica que enquanto o navio está atracado, a quantidade de água fornecida é modesta. Ela passa a ser satisfatória apenas após o navio estar em alto mar, já que nesse momento a água fornecida aos animais é diretamente retirada do mar, onde há abundância, e submetida a um processo de dessalinização. Muitos dos comedouros e bebedouros, entretanto, possuem “detritos de fezes e clara presença de ferrugem”.
A quantidade de veterinários presentes na embarcação é insatisfatória, sendo de um a três profissionais, que seriam assessorados por cerca de oito funcionários que trabalhariam em turnos. “O mesmo é dizer que em sendo três veterinários embarcados responsáveis pela assistência médica e inspeção, teríamos a proporção de um veterinário para cada 9000 animais em confinamento”, afirma Magda. Entretanto, mesmo que houvesse um número elevado de profissionais na embarcação, os problemas de saúde dos animais não poderiam ser resolvidos, segundo a veterinária, devido à “enorme dificuldade de administrar intercorrências clinicas em grandes planteis”.
Os dejetos produzidos pelos animais são frequentemente abordados no laudo elaborado pela especialista. Segundo ela, “a produção de dejetos (excrementos e urina) pelos animais nesses ambientes fechados, os expõe de maneira íntima e constante a um cenário de intensa insalubridade”.
Quanto à ventilação, níveis de temperatura e umidade dos locais onde são mantidos os bois, a veterinária conclui que “a embarcação realiza ventilação e exaustão dos pisos inferiores provocando severa poluição sonora e garantindo incompleta circulação e renovação dos gases lá encontrados. Decorre daí o registro de temperaturas elevadas nesses recintos assim como taxas de umidade extremas que comprometem claramente o bem-estar animal”.
Magda afirma ainda que o transporte de animais por longos períodos, seja por meio terrestre ou marítimo, sujeita os bois a uma experiência completamente alheia à sua natureza originária. “A insalubridade a que são expostos, o movimento dos veículos (tais como frenagem, balanço, variação de velocidade, manobras veiculares bruscas), o confinamento demorado, as restrições hídricas e alimentares, etc, impos de animais por longos períodos e distâncias, seja por meio terrestre como por meio marítimo, sujeita estes organismos a uma experiência completamente alheia à sua natureza originária”, diz a médica veterinária.
Nas considerações finais do laudo, Magda conclui que “são abundantes os indicativos que comprovam maus tratos e violação explícita da dignidade animal, além de ultrapassar critérios de razoabilidade elementar as cinco liberdades garantidoras do bem estar animal”.
Confira o parecer da médica veterinária na íntegra clicando aqui.
Fonte: Anda