Com a alegação de que o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) criou um “balcão de negócios” na Câmara, “vendeu” atos legislativos e “tumultuou” a elaboração de leis, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu, nesta quarta-feira, ao Supremo Tribunal Federal (STF) o afastamento de Cunha do cargo de deputado e, consequentemente, da função de presidente da Casa. O procurador-geral acusa Cunha de agir com intenção de proteger a “organização criminosa” da qual faz parte. Leia a íntegra do pedido aqui.
Janot reuniu elementos sobre a atuação do parlamentar e confirmou a ameaça de formalizar o pedido de afastamento antes mesmo da decisão do STF sobre aceitar ou não a denúncia criminal já apresentada contra Cunha. A medida cautelar foi encaminhada na quarta-feira ao ministro Teori Zavascki, relator dos inquéritos da Lava-Jato que envolvem autoridades com foro privilegiado. A decisão terá de ser referendada pelo plenário do Supremo.
No documento de 190 páginas e com 11 motivos elencados para a saída de Cunha, Janot lembra que ainda existe uma medida cautelar mais grave, e que acabou não sendo requerida ao STF: a decretação da prisão preventiva de Cunha.
“BALCÃO DE NEGÓCIOS” – Há 22 dias, o STF acatou pedido do procurador-geral e determinou a prisão preventiva do senador Delcídio Amaral (PT-MS), então líder do governo no Senado. Para Cunha, Janot pediu o afastamento cautelar do cargo de deputado federal. Se Teori não concordar, o procurador-geral pede “pelo menos” o afastamento do deputado do cargo de presidente da Casa.
“Eduardo Cunha transformou a Câmara dos Deputados em um ‘balcão de negócios’ e o seu cargo de deputado federal em mercancia, reiterando as práticas delitivas”, aponta Janot no pedido enviado ao ministro do STF. “Eduardo Cunha atuava como ‘longa manus’ dos empresários, interessados em fazer legislações que os beneficiassem, em claro detrimento do interesse público”.
O documento protocolado pela Procuradoria Geral da República no STF cita as mais diferentes iniciativas de Cunha, tanto no exercício estrito do mandato quanto na função de presidente da Câmara, prejudiciais à atividade legislativa e ao andamento de investigações na Justiça.
Entre elas estão o uso de requerimentos em comissões, inclusive na CPI da Petrobras, para constranger inimigos e garantir supostos acertos de propina; convocações de pessoas que representavam obstáculos ao deputado, como a advogada Beatriz Catta Preta, que atuou para delatores; contratação da Kroll, empresa de espionagem, para investigar delatores; demissão de servidores da Câmara; uma suposta venda de emendas em medidas provisórias; e manobras no Conselho de Ética, onde corre um processo com pedido de cassação do deputado.
Janot acusa Cunha de receber doações e pagamentos ocultos, tanto para ele quanto para “deputados que o auxiliavam, também este o motivo pelo qual possui tantos seguidores”. “Isto demonstra que Eduardo Cunha deve ser afastado do cargo de deputado federal para impedir a reiteração criminosa, garantindo-se a ordem pública, uma vez que vem se utilizando há bastante tempo de referido cargo para práticas ilícitas”, afirma o procurador-geral no pedido protocolado no STF. O deputado atua de forma ilícita para empresas, “vendendo atos legislativos”, pelo menos desde 2012, segundo Janot.
FAVORECIMENTO A BANCOS – Boa parte do pedido da PGR descreve uma intensa troca de mensagens entre Cunha e o então presidente da empreiteira OAS, Leo Pinheiro, também investigado na Lava-Jato. Nas mensagens, fica evidenciado como o empreiteiro ditou o conteúdo de projetos de lei e emendas de medidas provisórias que favoreciam o setor. Também são citadas emendas com favorecimento a bancos e outros setores.
A PGR relata a existência de um processo em curso na Justiça Federal no Rio, ao qual foram anexados documentos apreendidos na Operação Alcateia Fluminense. Um documento remetido à PGR, por conta do foro privilegiado de deputado, tem referência a Cunha e a Fábio Cleto, ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal. Janot informa a existência de relatório da Receita Federal e de duas delações — dos empresários Ricardo Pernambuco e Ricardo Pernambuco Júnior — que apontam para uma suposta cobrança de propina, por parte de Cunha e Cleto, em troca de liberação de verbas do FI-FGTS.
Cleto ocupou o cargo por indicação do deputado. Foi demitido depois da declaração de guerra com a presidente Dilma Rousseff, com a aceitação do processo de impeachment na Câmara. Na terça, a PF cumpriu mandado de busca e apreensão referente ao dirigente da Caixa.
No documento, Janot também faz diversas menções ao ministro da Ciência e Tecnologia, Celso Pansera, aliado de Cunha chamado de “pau mandado” pelo doleiro Alberto Youssef. Foram de Pansera os requerimentos na CPI da Petrobras que convocavam para depor familiares do doleiro. O episódio é citado por Janot, que acrescenta: “Eduardo Cunha também se valeu do então deputado e hoje ministro Celso Pansera para suas práticas ilícitas. Pansera, esquecendo-se dos verdadeiros e legítimos escopos de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, valeu-se do seu cargo para aprovar requerimentos que atingiam justamente duas pessoas que incriminavam ou auxiliaram na incriminação de Eduardo Cunha (Catta Preta e Youssef).”
PARLAMENTARES ELOGIAM E CRITICAM JANOT – Deputados da base e da oposição apoiaram a iniciativa do procurador-geral. O líder do PPS, Rubens Bueno, disse que Cunha deveria fazer um gesto de “grandeza” e se afastar por conta própria.
— O pedido de afastamento vem de acordo com o nosso discurso desde outubro. Ele perdeu as condições morais de presidir a Câmara. Cabe a ele agora um gesto de grandeza de se afastar — afirmou Bueno.
O deputado Silvio Costa (PTdoB-PE) disse que Cunha não tinha condições “éticas e morais” para acolher o pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.
Já aliados de Cunha estranharam o pedido de afastamento ter acontecido justamente no dia em que ele tinha obtido “uma vitória” no STF.
— O ministro Fachin dá um voto referendando os atos de Eduardo Cunha, e Janot deixa o julgamento no meio para protocolar esse pedido que não tem fundamento — disse o líder do PSC, André Moura (SE).
LEIA A ÍNTEGRA DA NOTA DA PGR:
“O procurador-geral, Rodrigo Janot, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta-feira, 16 de dezembro, que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, seja afastado do seu mandato parlamentar e, como consequência, da presidência da Casa. Segundo Janot, Cunha vem utilizando de seu cargo para interesse próprio e fins ilícitos. A medida é necessária para garantir a ordem pública, a regularidade de procedimentos criminais em curso perante o STF e a normalidade das apurações submetidas ao Conselho de Ética.
Conforme o pedido, tanto as acusações de corrupção e lavagem de dinheiro (Inq 3983), quanto a investigação por manutenção de valores não declarados em contas no exterior (Inq 4146), podem acarretar a perda do mandato de Eduardo Cunha, seja pela via judicial ou no campo político-administrativo, o que autoriza a medida cautelar de afastamento do cargo. Para o PGR, os fatos retratados na petição são anormais e graves e exigem tratamento rigoroso conforme o ordenamento jurídico.
O PGR aponta em seu pedido onze fatos que comprovam que Eduardo Cunha usa seu mandato de deputado e o cargo de presidente da Câmara para constranger e intimidar parlamentares, réus colaboradores, advogados e agentes públicos, com o objetivo de embaraçar e retardar investigações contra si. Os documentos apreendidos nas buscas realizadas na data de ontem, 15 de dezembro, reforçaram as provas já reunidas pela Procuradoria-Geral da República.”
O Globo