A troca de relatoria no processo de análise do novo Código de Mineração, na esteira da tragédia de Mariana (MG), maior desastre ambiental da história da América Latina, trouxe certo incômodo aos interessados pelo tema. Depois de dois anos de debate desde o início da tramitação do projeto, uma declaração do deputado Laudívio Carvalho (PMDB-MG) – que assumiu o lugar do ex-relator Leonardo Quintão (PMDB-MG) em janeiro deste ano – de que “nada seria aproveitado do relatório anterior” foi considerada inoportuna por quem participou do processo. O parlamentar explica que foi preciso rever as proposições relativas aos cuidados com a recuperação do meio ambiente, alvo constante da atividade mineradora. Para ele, o desastre de Mariana apontou fragilidades do setor que precisam estar na pauta a ser discutida.
Laudívio mencionou que vai propor, ainda, uma forma de compensação para os municípios caracterizados como mineradores. “O município não pode ficar com migalhas vendo seu solo esburacado, e as riquezas levadas para fora do país. Não é possível e não é certo que uma empresa nacional ou multinacional arranque milhões, bilhões e trilhões de reais todos os anos com a nossa mineração, com o nosso meio ambiente e esse meio ambiente não seja reparado. Não é possível que um distrito inteiro seja destruído pela lama e até agora nada de concreto tenha sido feito para aquelas famílias que ficaram ali”, afirmou ao Congresso em Foco.
E o maior embate está justamente aí. Foram necessários dois anos de contestações e audiências públicas sobre o tema para conseguir adaptar o texto do novo Código de Mineração aos critérios necessários para fazer o setor evoluir tanto no quesito econômico – focado no mercado de capital, visado pelas empresas do setor privado – quanto no socioambiental – tão evitado no início das discussões do novo tratado.
Em entrevista ao site, o procurador da República em Itajaí (SC), Darlan Dias, explica que o texto enviado pelo Planalto ao Congresso Nacional era “engessado” e deixava de lado questões importantes sobre os cuidados socioambientais – valores que englobam o bem estar das sociedades vizinhas aos campos de exploração de grandes mineradoras e, principalmente, a recuperação das áreas utilizadas para a extração mineral.
“Depois de muita conversa, o texto do último substitutivo incorporou vários avanços no aspecto socioambiental. Penso que o desastre de Mariana, se tem um lado positivo, foi abrir os olhos da sociedade e criar uma janela de oportunidade para aprovar legislação mais rigorosa”, ponderou o procurador, que tem acompanhado os debates.
O procurador esclareceu ainda que enquanto alguns defendem que os cuidados com o meio ambiente devam ser responsabilidade do Código Ambiental, especialistas do setor apontam que a criação de campos de exploração, seja qual for o minério, têm como consequência a devastação de grandes áreas naturais, e que a recuperação é fundamental para garantir a saúde das comunidades próximas. Para ele, tal cuidado é de total obrigação da mineradora.
Por exemplo, quando a empresa privada, incumbida de resgatar o meio ambiente, se nega a prestar o auxílio de restauração, os gastos se tornam responsabilidade da União. O procurador destaca que apenas nas minas de carvão abandonadas em Santa Catarina – espaço que soma 5 mil hectares (ou 50 mil m²) – o governo vai precisar desembolsar cerca de R$ 320 milhões.
Essa circunstância fez nascer um novo artigo no texto substitutivo apresentado no fim de 2015 por Quintão. A proposta exigia garantias financeiras de que a exploradora teria condições de executar o plano de fechamento de minas e promover a recuperação ambiental no momento da outorga do direito minerário. Ou seja, a empresa só receberia o aval para extrair os minérios depois de comprovar capital específico para recuperar as áreas exploradas.
“Nós já conversamos com o deputado Laudívio e ele parece estar bem intencionado. É natural que ele queira imprimir um pouco da visão dele no texto, e isso pode ser bom. Porém, fica o receio de perder essa janela de oportunidade [rompimento das barragens em Mariana] e a decisão sobre o novo Código demorar ainda mais”, avaliou Darlan.
O trâmite – Depois de anos em discussão no Planalto e sem quaisquer interlocução com a sociedade, o governo encaminhou uma proposta para o novo Código da Mineração ao Congresso Nacional em junho de 2013. Em dois anos de debate, Darlan conta que muitas audiências foram realizadas para fazer com que empresários do setor de mineração entendessem a responsabilidade competida a eles.
Durante o ano de 2015, coube ao deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG) apresentar os substitutivos ao texto original. Mesmo após os encontros da comissão especial, instalada para discursar o tema, a proposta não foi aprovada.
Laudívio Carvalho (PMDB-MG), então, iniciou 2016 como o responsável por liderar as discussões que, a partir de agora, serão retomadas apenas no plenário da Câmara.
Rompimento de Mariana – O rompimento da barragem de rejeitos minerais da empresa Samarco – controlada pela Vale e a anglo-australiana BHP Billiton – provocou uma enchente de lama que varreu os o distrito de Bento Gonçalves, em Mariana, na região central de Minas Gerais. O acidente, que completa cinco meses no próximo dia 5, liberou 35 milhões de m³ de rejeitos de minério no ambiente. Grande parte do material tóxico, além de soterrar municípios e matar 17 pessoas, chegou ao Rio Doce provocando a morte de 11 toneladas de peixes nativos de 80 espécies, das quais 11 estavam ameaçadas de extinção e 12 eram exclusivas ao leito atingido.
Em Bento Rodrigues, localidade mais atingida, 82% das edificações foram destruídas. A barragem que rompeu, batizada como Fundão, faz parte da mina da Alegria, um aglomerado que engloba ainda outras duas barragens que estão sob risco de romper – Santarém e Germano – e a Cava de Germano. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 58 mil habitantes sentiram as consequências de um dos maiores desastres ambientais vividos no Brasil. Apesar de as barragens estarem situadas em Minas Gerais, a lama tóxica percorreu o leito do Rio Doce até o estado do Espírito Santo, invadindo o mar. Durante o trajeto, 35 cidades foram afetadas.
Fonte : Congresso em Foco