No fim da década de 1980, Herbert Daniel percebeu que a aids não seria uma doença restrita ao meio médico. No livro A Síndrome do Preconceito, ele escreveu: “Além das informações médicas, existem outras, sociais e políticas, absolutamente imprescindíveis para a compreensão da aids…”.
Com isso, ele anteviu as formas de preconceito que acompanhariam a doença no Brasil, tornando-se uma das vozes mais respeitadas na luta pelos direitos das pessoas que vivem com HIV, tendo ele próprio morrido em decorrência da aids em 1992.
“Ele trouxe ideias revolucionárias para enfrentar a doença e o preconceito social, e elas ainda são válidas até hoje, como a ideia de solidariedade no combate à epidemia”, afirma o historiador e brasilianista norte-americano James Green, que prepara uma biografia de Daniel para 2018 (sem previsão de lançamento). “Ele era muito corajoso, foi uma das primeiras primeiras pessoas conhecidas a assumir ser gay e soropositivo.”
Ativismo político
A dedicação de Daniel ao ativismo político não veio com o diagnóstico positivo para o HIV. Muito antes, ainda na década de 1970, ele já participava da luta armada contra a ditadura militar ao lado da ex-presidente Dilma Rousseff. E lutava também contra o preconceito por ser gay dentro da própria esquerda.
“Sua experiência na luta armada ofereceu uma visão sobre a questão da solidariedade, do trabalho coletivo e da necessidade das pessoas lutarem juntas pelos seus direitos”, diz Green.
Ao revelar sua sorologia, em 1989, no artigo “Notícias de outra vida”, no Jornal do Brasil, o ativista já mostrou que os próprios termos relacionados às pessoas que desenvolviam a aids ajudava a aumentar o preconceito. “Quando se tem aids, dizem as más e poderosas línguas que a gente é aidético. Continuo sendo eu mesmo. Estou com aids.”
Vale lembrar que, naquela época, por ainda ser um mistério e não existir tratamento adequado, pessoas que eram infectadas pelo HIV fatalmente desenvolviam a aids.
Hoje, com a ajuda da medicação disponível pelo SUS, os brasileiros podem reduzir a quantidade do vírus no sangue a um número indetectável, impedindo a transmissão e elevando a expectativa de vida para a mesma idade de pessoas que não vivem com o vírus.
Mas essa não era uma realidade para Herbert Daniel, que criou o conceito de “morte civil” referindo-se à condição de pária em que a pessoa com HIV é colocada, uma espécie de morte social antes da morte física — refletindo um tipo de preconceito existente até hoje.
Não à toa, seu maior lema era: “Viva a vida”, que tinha a função de amenizar o pânico causado pela epidemia na época. “Fosse na clandestinidade lutando contra a ditadura, fosse no exílio ou no processo de democratização, ele queria viver plenamente, dando amor e solidariedade aos outros”, recorda Green.
Fonte: Revista Galileu