As dificuldades, porém, vão muito além da falta de consenso sobre o texto
Após vários tropeços na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, o governo acredita que conseguirá aprovar a admissibilidade da reforma da Previdência hoje, ao garantir a retirada de alguns “jabutis” da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019. As dificuldades, porém, vão muito além da falta de consenso sobre o texto. A principal queixa da oposição, agora, é a ausência de cálculos que justifiquem as mudanças nas regras de aposentadoria. Com base nesse argumento, reforçado pela recente negativa do Ministério da Economia em apresentar os números, os deputados vão tentar adiar a votação, prevista para a tarde de hoje, e suspender o andamento da reforma até que tenham os dados em mãos.
Além dos instrumentos regimentais usados para obstruir as sessões — como requerimentos e questões de ordem —, eles apostam em outras frentes. Uma delas é recorrer ao Judiciário. Ontem, parlamentares entraram com um mandado de segurança na primeira instância da Justiça Federal, pedindo o levantamento do sigilo dos dados.
O líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), também anunciou que apresentará um projeto de decreto legislativo, “para que a Câmara e o Senado determinem a sustação dos efeitos do ato que impôs sigilo a esses dados”. Na quinta-feira da semana passada, o deputado Aliel Machado (PSB-PR), vice-líder da oposição na Câmara, entrou com mandado de segurança no Supremo pedindo uma liminar suspendendo a tramitação da PEC até a apresentação dos cálculos. O pedido será analisado pelo ministro Gilmar Mendes.
Machado alertou para a possibilidade de que uma eventual aprovação da matéria seja anulada depois pelo STF, caso a Corte decida que o Congresso não poderia ter votado a proposta sem a análise do impacto fiscal. Nesse caso, a votação precisaria ser feita novamente, o que atrasaria ainda mais os trabalhos.
Com entendimento parecido, senadores também anunciaram que vão recorrer ao Supremo. Além disso, preparam um requerimento de pedido de informações na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), solicitando todos os documentos que estão sob sigilo. Randolfe Rodrigues (Rede-AP) lembrou que o governo é obrigado a responder, “sob pena de incursão em crime de responsabilidade”. O partido também pretende convocar Guedes a comparecer à CAE, “para esclarecer pessoalmente o motivo da restrição aos dados”.
Comissão Especial
Em resposta às cobranças dos parlamentares, o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, prometeu mostrar os dados a líderes partidários na quinta-feira, em café da manhã na residência oficial do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O deputado fluminense defendeu que a quebra de sigilo dos números só é necessária na Comissão Especial, que ele pretende instalar em 7 de maio.
“Na Comissão Especial, não tem jeito: a primeira audiência vai ser a discussão sobre o impacto de cada uma das propostas que está apresentada na PEC. Senão, a gente nem consegue começar a trabalhar os temas que estão propostos pelo governo na emenda constitucional”, destacou Maia, em Lisboa. Apesar da obstrução de oposicionistas, o presidente da Casa acredita que a proposta vai “passar bem” na CCJ, com uma grande vantagem de votos.
“Acho que a gente vai terminar este processo na Comissão de Constituição e Justiça, que levou tempo demais, infelizmente, e a partir da semana que vem a gente começa o trabalho na comissão especial”, declarou. Maia falou com jornalistas durante participação no 7º Fórum Jurídico de Lisboa, evento organizado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e a Fundação Getulio Vargas (FGV) ontem, na capital portuguesa.
O relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019 no colegiado, Marcelo Freitas (PSL-MG), deve anunciar a retirada de quatro pontos para agradar o Centrão, em busca de votos. Um deles é o fim do pagamento da multa de 40% do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do recolhimento do fundo do trabalhador já aposentado que voltar ao mercado de trabalho. Outro, também consensual, é a concentração, na Justiça Federal em Brasília, de ações judiciais contra a reforma da Previdência.
Além desses trechos, foram retiradas a exclusividade do Poder Executivo de propor mudanças nas regras da Previdência e a possibilidade de que a idade de aposentadoria compulsória dos servidores públicos (atualmente aos 75 anos) seja alterada por lei complementar, em vez de ser definida pela Constituição, como é agora. Nenhuma das alterações, segundo Marinho, causa impacto fiscal na reforma.
Entre as demandas do Centrão, só ficou de fora o abono salarial do Pis/Pasep. De acordo com o líder do PP da Câmara, Arthur Lira (AL), não houve consenso com o governo, porque o prejuízo seria de 15% do valor da economia final da proposta, estimada pela equipe econômica em R$ 1 trilhão para os próximos 10 anos. Com isso, o prejuízo seria de, aproximadamente, R$ 150 bilhões, segundo Lira.
O Planalto também não deseja abrir mão da desconstitucionalização do tema. “Teria que mexer no projeto todo”, justificou um interlocutor do governo. A líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), considera inteligente dar “um passo” para trás agora e “andar 10 para frente” com a retirada de alguns pontos. “CCJ já deu, chega. A oposição já fez seu show. Agora, está na hora de votar o texto, pronto, acabou. O que não dá é o governo ceder um pouco e haver uma série de outros pedidos”, disse.
Fonte: Correio Braziliense