Mais de 1.500 vidas seriam poupadas na Grande São Paulo por ano se a inspeção mantivesse padrão; carros novos também poluem
A regulagem adequada de veículos com motores a explosão é imprescindível para garantir a qualidade do ar em regiões metropolitanas como a de São Paulo, onde milhões de automóveis, motocicletas, ônibus e caminhões circulam sem parar.
Estudos da Universidade de São Paulo (USP) realizados em 2007, ainda antes do início da obrigatoriedade da inspeção veicular na capital paulista, apontaram a ocorrência de 5.000 mortes anuais na região metropolitana, todas decorrentes de doenças provocadas pela contaminação do ar. O número de mortos é superior ao de soldados norte-americanos que perderam a vida na guerra do Iraque.
Programas que vistoriam a emissão de poluentes já existem em vários países do mundo. No Brasil, a normatização federal prevendo as inspeções é de 1986, mas foram necessários mais de 20 anos para São Paulo tirá-la do papel.
Em vez de tornar ainda mais rigorosas as exigências, a fim de melhorar a qualidade do ar, o novo prefeito de São Paulo decidiu retroceder, reduzindo a abrangência e a importância do programa em vigência.
Levantamento com base em parâmetros da Organização Mundial da Saúde fez técnicos da Universidade de São Paulo concluírem que 380 vidas foram salvas na maior cidade do país em 2011, graças ao controle da emissão de material particulado por 120 mil veículos movidos a óleo diesel.
A verificação técnica da frota a diesel na capital paulista também melhorou a qualidade do ar nos municípios vizinhos. Evitou 584 mortes em toda a região metropolitana em 2011.
Projeções indicam que a obrigatoriedade de inspeções veiculares nas maiores cidades da Grande São Paulo pouparia mil mortes por ano na capital. Seriam 1.560 vidas salvas no conjunto de municípios que formam a região metropolitana.
Não é só o fato de que o cidadão paulistano vive em média três anos a menos que o morador de Curitiba em consequência da poluição atmosférica. Moradores de São Paulo ainda sofrem com as inversões térmicas que, no inverno, provocam doenças respiratórias e afetam principalmente crianças e idosos.
Veículos com até cinco anos de fabricação são responsáveis por 20% da poluição por monóxido de carbono em São Paulo. Se é verdade que motores novos emitem menos gases tóxicos, graças à melhor tecnologia, também é fato que proprietários alteram sua regulagem e, por isso, de 3% a 4% dos zero quilômetro acabam reprovados na inspeção.
Ao mexer na parte eletrônica do automóvel novo, o catalisador para de funcionar e emite até 20 vezes mais poluentes. O número alto dos chamados recalls dos carros novos indica não ser raro que o zero quilômetro tenha problemas de fabricação ou de produção.
Outro dado grave: mais de 50% dos veículos convertidos a gás não passam na primeira inspeção. Ao forçar a diminuição das emissões, é como se a vistoria anual retirasse parte da frota das ruas. O impacto ambiental positivo é inquestionável.
O excesso de monóxido de carbono, de hidrocarbonetos e de material particulado que deixa de contaminar o ar em razão do programa em prática em São Paulo equivale a tirar virtualmente da região metropolitana cerca de 2 milhões de automóveis, motocicletas e caminhões por ano. O ganho é considerável.
Uma visão de curto prazo, demagógica e populista pode prejudicar todo o esforço por uma gestão ambiental moderna na maior área urbana brasileira. Por isso estamos estudando juridicamente a viabilidade de barrar na Justiça a flexibilização da inspeção veicular.
Precisamos buscar os melhores padrões tecnológicos existentes em outros países e não distribuir o custo de uma inspeção “meia boca” para toda a sociedade, inclusive para a população de baixa renda que não possui automóvel.
GILBERTO NATALINI, 60, médico, é vereador em São Paulo pelo PV. Preside a Comissão de Meio Ambiente da Câmara Municipal
Fonte : Folha de São Paulo