Jovens da floresta lideram defesa do meio ambiente bem antes da ativista sueca que hoje dá mais visibilidade ao assunto mundo afora. Anita, quando tinha 12 anos, organizava atos contra Belo Monte, que alterou o ecossistema local
O idioma não foi uma barreira para que Elijah Mackenzie-Jackson, um britânico de 15 anos, e Yakawilu Juruna, conhecida como Anita, líder indígena brasileira de 18 anos, se tornassem amigos. Durante uma semana, estiveram sempre juntos, conversando, cada um na sua língua (e com muita mímica para se fazerem entender) sobre suas diferentes realidades e como era incrível estarem juntos ali, no meio da maior floresta tropical do mundo. Ambos participaram do encontro Amazônia Centro do Mundo, que reuniu os povos da região (indígenas e outros grupos que vivem na floresta, conhecidos como ribeirinhos), cientistas e jovens ativistas do Brasil e da Europa. “É importante unir as pessoas de diferentes origens que estão lutando pela mesma coisa, pelo ar limpo, pela água pura. Acredito que quando existe vontade de se conhecer e intercambiar realidades e conhecimentos, acabamos nos entendendo”, afirma Anita.
“É muito emocionante estar aqui. Eu queria vir, mas confesso que a ideia me assustava. Agora sou grato, porque essa experiência mudou definitivamente meu ponto de vista, porque as pessoas aqui lutam para continuar obtendo sua comida da natureza todos os dias e apenas essa ideia já é tão diferente de como vivemos na Europa… São eles que estão arriscando a vida para salvar o planeta. O Ocidente não está fazendo o suficiente e essa é a mensagem que quero levar quando voltar”, diz Elijah, promotor do movimento Fridays for Future, criado pela sueca Greta Thunberg, no Reino Unido. Como os outros europeus, sua reação ao descer do pequeno barco no meio da floresta foi olhar para as árvores de muitos metros de altura e abrir a boca em um sonoro “Uau!”.
Enquanto Elijah tenta conscientizar os adultos de seu país sobre os riscos do aquecimento global e da mudança climática, essas expressões científicas estão distantes de Anita e seus amigos. “As pessoas da minha aldeia não sabem muito sobre isso, mas tento conversar com elas para pensarmos no nosso futuro, no futuro de nossos filhos e netos”, diz. Para ela, lutar pelo meio ambiente é lutar por sua própria sobrevivência. A jovem vive na Aldeia de Muratu, às margens do rio Xingu, a apenas 10 quilômetros da usina hidrelétrica de Belo Monte, uma das maiores do mundo, que, desde que começou a ser construída, em 2011, ameaça o ecossistema local.
“O rio na minha aldeia está muito triste. Quase tudo é lama, os peixes morreram. Há 18 anos me banho e bebo a água desse rio, mas agora parece que estamos sendo forçados a sair do nosso lar. Não consigo nem sequer abrir os olhos debaixo d’água, de tanta poluição”, descreve Anita, com lágrimas nos olhos. Quando tinha 12 anos começou a organizar protestos contra Belo Monte e tornou-se líder da aldeia, ao lado do pai. Hoje luta para que outro grande empreendimento, a mineradora canadense Belo Sun, não se instale em seu território.
Elijah reconhece a distância entre a sua luta e a realidade viva de quem depende da floresta. “É uma realidade que você não conhece até vir vê-la pessoalmente. As greves estudantis na Europa não representam a luta daqui”, admite Elijah. “Aprendi com Anita que se pode ser poderoso, independentemente do gênero ou da idade. Ela desafia a estrutura social que determina que mulheres e jovens não podem ter poder e ser influentes. Ela me disse que a floresta é a mãe dela e o rio é o pai, o que me fez abrir os olhos, porque não estamos acostumados a ver a natureza como vida, mas como um objeto”, acrescenta.
A belga Anuna de Wever, de 18 anos, também se surpreende com a intimidade entre os locais e os elementos da natureza. “A maneira como as pessoas daqui falam das árvores é como se estivessem falando de seus filhos. Penso que na Europa perdemos esse tipo de conexão com a natureza e esse amor pela Mãe Terra”, comenta a ativista que é impulsora do movimento Youth for the Climate. Ela, a irmã Joséphine Hoerée, de 23 anos, e a também ativista Adélaïde Charlier, de 18, atravessaram o Atlântico em um veleiro durante seis semanas para chegar à Amazônia.
Essa conexão com a natureza é algo que Mitã Xipaya, de 18 anos, tem em seu DNA. Foi transmitida pela avó, que era pajé de sua aldeia. Mitã conhece todo o território do Xingu com a palma da mão. Durante os trajetos de barco, mostra e explica aos ativistas gringos cada curva do rio, cada conjunto de pedras e árvores. Neste ano criou a Organização dos Jovens Indígenas do Xingu, que reúne pessoas de diferentes etnias para pensar estratégias de pressão sobre o governo para que assuma a preservação das matas e das vidas humanas. “Para nós, proteger o meio ambiente significa evitar o etnocídio dos indígenas”, conta.
Os ativistas europeus reconhecem que o que para eles é um problema futuro, para os jovens da floresta é um risco presente. Esse posicionamento fez com que Herlan Barbosa Silva, ribeirinho de 22 anos, baixasse a guarda diante dos estrangeiros. Ele, que vive em uma comunidade extrativista de 62 famílias, ficou “um pouco desconfiado” quando soube que gente de outros países participaria do encontro. “Somos nós, pessoas da floresta, que lutamos para mantê-la em pé. Com a mudança climática, nossa preocupação em manter a Amazônia viva aumenta ainda mais. E sei que muita gente que vem de fora não se importa nem um pouco com a natureza. Ou era isso que pensava antes de conhecer esses jovens”, admite. Silva critica que gente de tão longe se interesse por sua situação, enquanto o Governo brasileiro “não faz nada”, referindo-se à postura do presidente Jair Bolsonaro diante dos incêndios que consumiram a Amazônia durante quase dois meses.
Silva também criou uma organização de jovens em sua comunidade para se reunir com autoridades e ONGs que trabalham com política ambiental. “Antes os jovens não tinham voz porque os mais velhos acreditavam que não tínhamos interesse em proteger a comunidade e preservar a floresta, e nem o conhecimento para fazê-lo. Dizem que os jovens são o futuro, mas eu quero ser parte do presente”, afirma, e acrescenta: “Sentimos a mudança climática na pele. Antes, as pessoas que trabalham na roça ficavam até as 11 [horas] da manhã; agora, precisa começar a trabalhar às cinco da manhã e parar às nove. Notamos também como a biodiversidade está diminuindo… ”.
Ao testemunhar histórias como a de Herlan, as ativistas belgas dizem que aprenderam que é preciso falar não apenas de mudança climática, mas também de justiça climática. “Como europeus, temos uma responsabilidade histórica para com os povos da floresta e precisamos mudar nosso modo de vida. Queremos garantir que cada passo dado em direção a um mundo mais verde seja feito de maneira justa”, explica Joséphine. Elas também comentam sobre a importância de diversificar as vozes que estão falando sobre o meio ambiente. “Queremos levar as histórias que ouvimos aqui para nossos políticos e pressioná-los a adotar melhores políticas ambientais. Ouvimos que eles sentem a floresta esquentar e notam como as árvores morrem. Isso é culpa dos nossos países, é culpa da cultura europeia, viciada em combustíveis fósseis”, lamenta Anuna.
O fato de terem ouvido visto de perto a realidade dos povos da floresta reforçou a bandeira que abraçam. “É muito diferente ver a Amazônia em fotos ou na televisão do que aqui pessoalmente. Assim como os cientistas falam sobre mudança climática há décadas e só agora os estamos escutando, os povos que vivem na floresta sofrem as consequências dessa mudança há anos e ninguém os escuta. O grito da juventude pode ser a última carta que temos para jogar”, conclui Adélaïde.