A cidade se reinventa com 600 km de vias exclusivas para bicicletas que devem ficar prontas até a Copa do Mundo de 2014
A futurista Brasília, obra-prima do arquiteto Oscar Niemeyer onde os automóveis predominam, se reinventa com 600 km de vias exclusivas para bicicletas que devem ficar prontas até a Copa do Mundo de 2014.
O Distrito Federal, formado por Brasília e cidades vizinhas, conta hoje com 179 km de ciclovias, muitas delas precárias.
O objetivo é chegar aos 600 km antes da Copa, que terá Brasília como uma das sedes, explica à AFP Paulo Alexandre Passos, coordenador do Comitê de Mobilidade Urbana por Bicicleta do governo local.
Boa parte já está em construção e a cidade vanguardista, construída na década de 1950 e Patrimônio Cultural da Humanidade, se agita com as novas vias, muitas já tomadas por pedestres carentes de calçadas.
Em uma cidade escrava dos automóveis devido às grandes distâncias e a um serviço de transporte público insuficiente, “o grande objetivo é fazer com que aqueles que fazem trajetos menores evitem o carro”, explicou Passos.
O projeto coincide com um ‘boom’ no uso de bicicletas nas grandes cidades brasileiras. O Rio de Janeiro é o líder nacional, com 240 km de ciclovias, embora ainda esteja longe dos 750 km de Berlim ou dos 400 km de Amsterdã, segundo a ONG Mobilize.
Mas nas metrópoles como o Rio ou especialmente São Paulo – onde 52 ciclistas morreram em acidentes em 2012 -, as bicicletas enfrentam grandes problemas em meio ao trânsito infernal.
“Brasília tem um imenso potencial para as bicicletas, com grandes avenidas, muito espaço para construir ciclovias e uma geografia pouco abrupta”, conta à AFP Jonas Dertucci, presidente da Rodas da Paz, ONG que promove o uso da bicicleta.
A questão é se esta cidade, onde é indispensável usar o carro, conseguirá algum dia virar uma cidade de ‘bikes’.
“Ser ciclista em Brasília até muito pouco tempo era uma raridade. Ao contrário, muitos a utilizam nas cidades que cercam a capital (com centros urbanos pujantes, mas onde se concentra a pobreza) por falta de dinheiro para comprar um carro ou para economizar no serviço público de transporte, o que é ruim”, explica Dertucci.
Os ciclistas comemoram o plano das ciclovias, mas também criticam as poucas interligações e as antigas faixas para bicicletas que são perigosas, situadas às margens de vias principais e interrompidas pela passagem de ônibus e carros.
As novas ciclovias são exclusivas para as bicicletas, mas, ainda assim, “seu desenho parece mais indicado para o passeio do que para o transporte, têm muitas curvas, desvios, é preciso subir e descer calçadas e tem poucas interconexões”, explica à AFP Rodrigo Zanella, economista do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (Ipam), que vai para o trabalho de bicicleta.
Mesmo com estas deficiências, ele destaca, “entre as cidades brasileiras que conheço, Brasília é a que tem melhor estrutura para a bicicleta”, destaca Zanella. Seu local de trabalho foi adaptado há alguns anos, incorporando duchas para refrescar os ciclistas e estacionamento para as ‘magrelas’.
Diferentemente da disciplina de Berlim ou Amsterdã, onde ciclistas, pedestres e motoristas se acostumaram a ocupar cada um o seu lugar, em Brasília a convivência parece caótica.
Mas os brasileiros não desistem. A ONG Anjos da Bicicleta ajuda os novos ciclistas a encontrar vias para chegar ao trabalho e os acompanha até ganharem confiança.
A Pedal Noturno organiza todos os dias passeios noturnos para divulgar o uso da bicicleta e dar segurança aos principiantes. As saídas são em pelotão e nada de corrida: o importante é que todos os ciclistas aproveitem o passeio, explica à AFP a representante da organização, Katia Rodrigues.
O governo local abriu ciclovias durante os fins de semana em grandes avenidas, como a recém-inaugurada aos domingos na Esplanada dos Ministérios, a grande via onde ficam os edifícios do governo.
“Esta cultura da bicicleta me parece muito importante”, diz Renata Mihara, usuária da faixa de bicicletas do fim de semana e que agora treina seu filho Felipe, de cinco anos.
A cidade adotará ainda o sistema de aluguel de bicicletas por toda a cidade, um conceito difundido na Europa e também no Rio de Janeiro.
Também foi anunciada a doação de 50.000 bicicletas a alunos do último ano do ensino fundamental em escolas públicas dos arredores, com a condição de que cursem pelo menos um ano do ensino médio. “Fomentamos uma mudança de cultura, (promovendo) a bicicleta e a continuidade escolar”, explica Passos
Revista Exame