Por meio da educação, acesso à informação e formação política/cultural é possível mudar a mentalidade das pessoas quanto à importância do respeito à diversidade
A Fundação Verde deu início na última quarta-feira (11) ao Ciclo Diversidades, no qual o primeiro debate tratou sobre diversidade de gênero, assunto que diz respeito a toda a sociedade e, pela falta de conhecimento que leva ao preconceito, gera um número altíssimo de violência, levando o Brasil ao primeiro lugar no mundo em números de assassinatos relacionados a LGBTQfobia. Na roda, Dora Cordeiro, secretária da diversidade do Partido Verde e militante da causa LGBTQ há anos, levou sua experiência para roda e começou sua fala alertando sobre a forma errada que muitas pessoas colocam a questão de gênero como se fosse opção sexual. “Não é opção, ninguém escolhe o gênero que nasce”. Segundo Dora, a palavra opção dá uma conotação equivocada ao que realmente acontece. “Identidade de gênero é diferente de sexo. E as pessoas vão se descobrindo com a abertura das informações sobre gênero e sexo”.
Ao longo de seu trabalho, Dora coordenou um projeto chamado “Gênero e sexualidade nas escolas municipais fluminenses”, fruto de uma parceria entre a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Partido Verde (PV) e Fundação Verde (FHVD), com mestres e professores mestres no assunto identidade de gênero e sexualidade para levar esse conhecimento aos educadores e saber a perspectiva deles quanto ao tema. De acordo com Dora, ficou claro que “sem a educação e a formação adequadas desde o ensino fundamental não é possível mudar o quadro atual. A falta de informação leva ao não conhecimento e o que a gente desconhece a gente não aceita, o que pode gerar ódio e esse ódio gera o preconceito e, consequentemente, a violência”. O projeto visava levar o conhecimento sobre diversidade e identidade de gênero abordando questões como builing aos formadores, já que eles estão na ponta da relação com essas crianças e abrangem grande parte do universo delas.
De acordo com Dora, “da mesma forma que os professores devem entender e saber lidar com crianças com déficit de atenção ou autismo, eles têm que entender de identidade de gênero”. De acordo com Dora, o curso foi um sucesso e os professores enriqueceram sua forma de lidar com os alunos. “O caminho é pela educação, pela informação e pela formação política, cultural, lembrando que nosso congresso é fundamentalista e não progressista. Políticos baseados em formação religiosa tem que ser desconstruídos”. “Nós estamos morrendo, mas continuamos lutando, Marielle presente”, defendeu.
Representando o ativismo no nordeste do Brasil, do interior de Sergipe, Ravelly Santana, transexual e coordenadora do núcleo LGBT PV/SE, falou sobre o trabalho que desenvolve em sua cidade, levando conhecimento sobre diversidade de gênero para população em geral, além de professores e educadores que tenham interesse. “Nem todos os educadores têm interesse em discutir sobre esse assunto”, declara. Ravelly contou um pouco sobre sua experiência para a mudança do nome social na certidão de nascimento. Segundo ela, demorou quatro anos conseguir a mudança de nome e, quando conseguiu, o juiz em questão não permitiu que fosse alterado o sexo da certidão. Paralelo a esse processo, Ravelly também estava na fila do Sistema Único de Saúde (SUS) para realizar a cirurgia de mudança de sexo, que foi prejudicada já que foi cortada automaticamente da lista do SUS ao fazer a alteração de nome na certidão. “Entrei com uma ação contra o SUS e depois de um tempo eles fizeram a castração e logo mais farei também a cirurgia para mudança de sexo, mas o caminho não é fácil”. De acordo com Ravelly, o sistema faz de tudo para dificultar essas mudanças, “mas com determinação e acesso a informação de qualidade é possível ter seus direitos respeitados”.
Dando continuidade às experiências dos representantes verdes sobre diversidade de gênero, Sandra Menezes, membro da executiva do Partido Verde, colocou sua preocupação a respeito da violência contra homossexuais com foco nos suicídios. “O suicídio não deixa de ser uma violência de você contra você mesmo ou porque você não se aceita ou sua família não aceita”. Segundo Sandra, quando há respeito pela escolha do outro esse tipo de cenário passa a não existir. “A gente ama uma pessoa independente do que ela é”. Ela ainda fez um alerta para que as famílias prestem atenção às crianças que muitas vezes ceifam suas próprias vidas por falta de compreensão e respeito da sociedade. Levando para o lado da representatividade política, Sandra defendeu que os partidos políticos deveriam buscar mais os quadros que se identificam com essa roupagem progressista para serem candidatos à presidência e a cargos públicos no futuro.
Sandra levantou outra questão bastante pertinente. Antes da permissão judicial da união homoafetiva, os casais construíam uma vida juntos com a aquisição por parte dos dois de bens materiais e quando um dos dois falecia o outro não tinha direito algum sobre aqueles bens. “Isso pode levar até ao suicídio, a pessoa enlouquece”. Outro ponto colocado foi com relação a adoção. “A adoção também precisa ser discutida, independente do casal ser homoafetivo ou não”. De acordo com o entendimento de todos, o processo precisa ser cuidadoso e ágil pensando, principalmente, nas crianças.
Túlio Cária, advogado e secretário da juventude do PV/BH, levou sua experiência na área jurídica para falar sobre o assunto diversidade de gênero. De acordo com Túlio, a questão dos direitos humanos no Brasil ainda precisa avançar bastante quanto à população LGBTQ. Túlio participou do estudo de diagnóstico para jovens LGBTQ, realizado por meio da secretaria Nacional da Juventude (SNJ) e organizado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no qual foi o articulador da região Sudeste. De acordo com ele, o objetivo do projeto era elaborar um Diagnóstico da Juventude de LGBT brasileira, que contemplasse dados e informações dos aspectos humanos, econômicos e socioculturais que impactam a vida em sociedade da juventude de LGBT, além de analisar a situação da juventude de LGBT sob a ótica dos direitos fundamentais dessa população, de acordo com a previsão da Constituição da República Federativa do Brasil e do Estatuto da Juventude.
De acordo com o estudo, nos interiores dos estados a violência é ainda maior contra os LGBTQs. “No Rio de Janeiro o índice de suicídio e de evasão escolar e preconceitos em todas as esferas não está mais forte na capital em si, mas sim no interior. O governo não tem braços suficientes para ir até o interior e atender as demandas e é no interior que os homossexuais são mortos e não entram estatisticamente nos números”. De acordo com Túlio, a falta de contabilização da morte de LGBTQs de forma segmentada é uma carência de todos os estados. “Com esses dados é possível ir no Congresso Nacional e pressioná-los para criarem políticas públicas de proteção e acolhimento a partir dessas estatísticas”.
Outro problema relatado por Túlio diz respeito à transfusão de sangue por parte dos homossexuais. “Hoje não é permitido ao casal homoafetivo realizar uma transfusão de sangue, mesmo a população heterossexual apresentando o índice três vezes maior de portadores de HIV, segundo um estudo da UFRJ”. Ele fala que se o sistema judiciário fosse preparado poderia instruir os bancos de dados para receberem sangue de casais homossexuais, já que o cenário hoje do Brasil é de milhares de pessoas esperando para receber sangue de todos os tipos. O critério dos bancos de sangue para triagem parte do princípio da honestidade do doador. Caso a pessoa se declare heterossexual e que nunca teve relação sexual com alguém do mesmo sexo, mesmo que já tenha tido, além dos outros critérios dos bancos de sangue, ele consegue passar pela triagem para ser um possível doador. “Ou seja, basta a pessoa se declarar homossexual que ela nem chega até a triagem e, por outro lado, a pessoa que se declara heterossexual vai direto para triagem como possível doador”, lamentou.
Com relação a formulação de políticas públicas, ele criticou o corte de verba do projeto “Rio sem homofobia”, programa referência na América Latina que atendia cerca de 45 mil pessoas por ano e teve grande parte da verba cortada. “Era um programa de excelência para a América Latina e hoje mal tem dinheiro para pagar a conta de luz”. O Rio sem homofobia contava com disque denúncia, Centros de Referências de Promoção da Cidadania LGBT, Núcleo de Monitoramento Técnico de Crimes Homofóbicos, Projetos de mobilização comunitária e protagonismo cidadão, SOS Saúde LGBT e uma Comissão Processante para Cumpra-se da Lei 3406/2000, que penaliza estabelecimentos comerciais que discriminem pessoas por orientação sexual e identidade de gênero. O objetivo é receber denúncias de discriminação e fazer acompanhamentos, apuração dos casos para o devido encaminhamento e/ou sanção. Segundo Dora, hoje o programa conta com quatro funcionários que estão lá somente para encher o quadro.
O que se vê num debate como esses é uma série de problemas relacionados à falta de respeito aos direitos básicos de cidadãos comuns. É preciso muita informação chegando a todos para que o preconceito não seja mais forte do que o respeito.
ASCOM FVHD