O candidato a presidente da República pelo Partido Verde, Eduardo Jorge, afirma que os três principais concorrentes ao Palácio do Planalto lavam as mãos quando condenam uma flexibilização da lei do aborto no país.
Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) “usando uma linguagem bíblica, estão entrando como [Pôncio] Pilatos na história. Estão lavando as mãos, porque não é essa a posição pessoal deles. Eles sabem muito bem do drama das mulheres”, disse o político do PV que terá sua candidatura oficializada neste fim de semana, em Brasília.
Dilma, Aécio e Campos então mentem em público porque têm medo de perder votos? “Exatamente. É isso. Ou mentem ou se omitem. Não sei o que é pior”, responde Eduardo Jorge em entrevista ao programa Poder e Política, da Folha e do “UOL”.
Para o verde, os principais candidatos trabalham para agradar a uma parcela conservadora do eleitorado. O mesmo vale, afirma, quando o assunto é descriminalizar o uso da maconha: “Aí é uma questão de marqueteiro fazendo as contas”. Em 2010, o PV teve Marina Silva como candidata a presidente. Religiosa, ela sempre se posicionou contra liberar drogas ou descriminalizar o aborto. Agora, deve retomar o seu curso.
Aos 64 anos, médico sanitarista, militante de esquerda que fez história no PT e foi para o PV em 2003, Eduardo Jorge é um dos poucos candidatos a presidente neste ano que defenderá de maneira aberta uma plataforma liberal. Pelas ideias e pelo jeito despojado de se vestir (deu entrevista com uma camiseta com uma inscrição pregando alimentação vegetariana), ele emula um pouco o presidente do Uruguai, José Mujica, que também introduziu uma agenda mais liberal no país vizinho.
Eduardo Jorge diz não ter uma meta para o resultado do primeiro turno. Seu objetivo, se não passar ao segundo turno, é reunir uma quantidade de votos que fortaleça o discurso ambientalista e o posicione para influenciar o candidato mais competitivo.
Entre Dilma, Aécio e Campos, afirma não ter preferências. Define o PT como um partido do século 20, vinculado às montadoras de automóveis e ao petróleo. “Basta qualquer espirro de São Bernardo [do Campo] para abalar Brasília –para dar subsídio, dar ajuda, dar socorro”, diz.
O PV também aproveitará a campanha para defender uma alimentação “menos carnívora” e com mais vegetais. Para Eduardo Jorge, trata-se de um tema pertinente à disputa presidencial. Segundo ele, a dieta vegetariana é “mais humana” do ponto de vista da relação com as outras espécies, ambientalmente mais adequada e protege a saúde das pessoas.
Ele questiona a prioridade à exportação de carne bovina, mercado no qual o Brasil é líder global. Diz que o boi para corte é um dos principais fatores de destruição e desmatamento no país e questiona o tratamento dispensado aos animais de avicultura e pecuária. “Na época em que nós éramos feras entre feras, na época das cavernas, era uma questão de sobrevivência. Isso não é mais necessário. Não é mais necessário que você torture os animais como a gente tortura”, diz.
Folha/UOL – O PV elegeu 13 deputados federais em 2010. Qual a meta para este ano?
Eduardo Jorge – A nossa meta é ter, pelo menos, um deputado ambientalista de confiança, de qualidade, em cada Estado.
Seriam 27.
27, um por Estado. Em alguns Estados nós podemos ter mais. Em São Paulo, vamos ter mais.
Essa expectativa é realista?
Em fevereiro nós fizemos um programa, colocado no nosso site em março. Em seguida combinei com a direção nacional que discutiria esse programa em todas as capitais. Já fui a 20 capitais. Comecei lá em Boa Vista, em Roraima.
O PV tem muita gente ligada a ele pelo Brasil afora. Fiquei surpreso porque não conhecia o PV no Brasil todo. Tenho uma boa expectativa, com o programa, com ideias, que é o único patrimônio que o PV tem. O PV não está ligado a grandes corporações sindicais, sejam trabalhistas ou empresariais, grandes construtoras, grandes máquinas públicas.
O patrimônio do PV são as ideias. Como a gente alinhou bem as ideias dessa vez, acho que o nosso pessoal vai ter o que falar, o que conversar com os eleitores. Portanto, acho que a gente tem chance de chegar em uma bancada bem maior desta vez.
E no Senado?
No Senado, vamos ter três ou quatro candidatos.
E para governos nos Estados?
Sei que teremos candidato em São Paulo, Paraná, Pará, Tocantins… Será que eu estou esquecendo algum? Quatro ou cinco candidatos a governador pelos Estados.
Em 2010, como candidata a presidente pelo PV, Marina Silva teve cerca de 20 milhões de votos. Qual é a expectativa para a sua votação?
Não sei.
Tem uma meta?
Estamos no início do campeonato. O campeonato mesmo começa em julho. A gente sabe: tem os favoritos, tem os três grandes favoritos aí que são verdadeiros aspiradores de pó de apoiadores de partidos pelo Brasil afora. Nós vamos praticamente sozinhos para uma campanha como essa. Somente com as nossas ideias. Não sei qual vai ser a repercussão. Não me arrisco a prever.
Mas tem uma meta a ser perseguida?
A meta é tentar chegar ao segundo turno. Mas como isso é uma coisa muito difícil, a meta é ter a votação maior possível. Expressar a força orgânica do ambientalismo da maneira mais forte possível, no primeiro turno, para poder influenciar no segundo turno de forma consequente -coisa que nós não fizemos em 2010; um erro político muito grave.
Vamos fazer uma campanha baseada em meia Atenas e meia Esparta. Na razão e na austeridade. Uma campanha austera nos meios e baseada na razão e no Iluminismo. E esperar. Confiar na capacidade do povo de nos julgar.
No segundo turno, se o povo escolher o candidato A e o candidato B, o PV deve tentar influenciar essas campanhas, coisa que não fez em 2010.
Algum partido estará agora coligado ao PV?
Não.
Em 2010 o erro foi cometido por qual razão?
Você está falando do segundo turno?
Do segundo turno.
O primeiro turno de 2010 foi uma estrondosa vitória [para o PV]. Uma coisa fantástica.
E por que no segundo turno o PV não teve uma participação efetiva em 2010?
Eu me desgastei muito nesse processo do segundo turno. Defendi que com 20% de votos, quase 20 milhões de votos e tendo dois candidatos de nível muito bom -Dilma Rousseff e José Serra, o PT e o PSDB -seria possível que o PV discutisse internamente com A e com B. No entanto… O grupo em torno da Marina quis deixá-la preservada para a eleição futura. Quis garantir esse capital íntegro para uma disputa posterior. Isso foi uma posição dela, da candidata Marina, e com a qual a direção do PV concordou.
Uma posição muito errada. Na assembleia em que isso foi decidido, parecia uma assembleia soviética. Todo mundo levantava a mão apoiando e eu levantei a mão sozinho contra, na primeira fila. Devo ter ficado marcado por isso para o resto da vida. Foi uma posição errada. Foi como se você lavasse as mãos: “Já que eu não fui para o segundo turno, eu caio fora do jogo e deixo o povo se virar”. Isso é errado porque teve consequências. Isso decidiu a eleição. Havia condições para o PV ter negociado tanto com o PT ou com o PSDB para haver uma inflexão em defesa do desenvolvimento sustentável.
E naquele momento, em 2010, o sr. tinha uma opinião sobre qual deveria ser a opção para o PV no segundo turno…
Eu fiz um artigo que se chamava “Verde, azul e vermelho”, que a Folha publicou e que teve uma grande repercussão, positiva e negativa para mim. O PT e o PSDB são partidos da mesma família, da grande família socialista. Uma é social-democrata. O outro é semimarxista. Eu analisei o seguinte: do ponto de vista econômico, do ponto de vista social, PT, PSDB, Dilma e Serra são muito parecidos. Um com mais ênfase aqui, um com mais ênfase lá. Mas são parecidos.
A diferença, do ponto de vista do desenvolvimento sustentável, estaria ali na questão do meio ambiente. A minha experiência, tanto com o PT como com o PSDB, é que o PSDB, o José Serra particularmente, era mais aberto às posições do desenvolvimento sustentável. Já tinha provado isso na Prefeitura de São Paulo. Portanto, por essa questão eu desempatava por uma coligação com o José Serra.
Agora, em 2014, PT e PSDB podem estar de novo no segundo turno, com Dilma Rousseff e Aécio Neves. Quem o PV apoiará?
Não tenho a mesma experiência com o Aécio que eu tive com o José Serra. Não tenho a mesma segurança com o Aécio, portanto. Se o PV sair fortalecido na eleição, chegar no segundo turno [ou puder] influenciar o segundo turno, nós vamos ter que analisar com muito cuidado o PT e o PSDB, se forem esses dois…
As coisas estão muito tumultuadas. E mesmo se for o PSB, precisamos ver quais são as aberturas que eles têm para a posição avançada do PV.
Mas entre os 3 hoje, qual deles mais se aproxima do PV? Há distinção entre Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB) ou Eduardo Campos (PSB)?
Para mim, não. Veja o caso de Dilma. O PT é um partido claramente do século 20 nesse aspecto do meio ambiente. Continua sendo o partido das montadoras de automóveis. Basta qualquer espirro de São Bernardo [do Campo] para abalar Brasília -para dar subsídio, dar ajuda, dar socorro.
O PT é a indústria automobilística, uma indústria superada, e uma indústria datada, o petróleo -combustível que tende a ter uma importância ainda grande, mas deve ser diminuída e ser substituído pelas energias renováveis, como os países previdentes já estão se preparando e o Brasil dormindo em berço esplêndido. Com o governo atual apostando em uma indústria automobilística e jogando subsídio para espalhar carros e motos pelo Brasil inteiro e no petróleo. Isso, portanto, classifica o PT como partido do século 20.
E os outros dois?
O PSDB e o Aécio: qual foi o grande projeto social que ele desenvolveu nesse tempo todo? E o desenvolvimento sustentável não é só voltado para a questão de diminuir o desmatamento, proteger os mangues, os mares. É claro que nós vamos sempre ser os campeões da defesa, mas o desenvolvimento sustentável é o equilíbrio entre a defesa do meio ambiente, uma economia verde e uma justiça social. Quero saber, em uma discussão com o Aécio, como vão ser os programas sociais. O Brasil continua sendo um país muito desigual, muito injusto.
O Eduardo Campos, do PSB, para mim é uma incógnita. É um rapaz muito novo. Tem uma tradição familiar muito importante no Brasil. Mas o PSB até ontem era um partido de defesa da energia nuclear. O Eduardo Campos queria colocar usinas nucleares pelo sertão de Pernambuco afora. A grande obra dele é repetir o “abczinho” [referência à região do ABC, em São Paulo, berço da indústria automobilística no Brasil] lá em Pernambuco. Dá todo o tipo de estímulo para instalar uma gigantesca fábrica de automóveis.
Nós estamos diante desses três grandes partidos que partiram, de um algum ponto de vista, do século 20. Todos os três da mesma família socialista. Um vermelho, um cor-de-rosa e um carmim. Não estou fugindo da questão do segundo turno. Tem que ver quem realmente vai para o segundo turno, se nós não formos, e discutir concretamente as questões sociais e ambientais com eles.
Marina deveria ter ficado no PV e discutido um apoio em 2010…
…Sim. Fiquei até o fim pedindo pelo amor de Deus. Nós tínhamos um casamento muito bom [PV e Marina], para você ampliar e fortalecer o movimento ambientalista brasileiro do ponto de vista político e social. E se dividiram. Noivos bicudos, como estão agora Eduardo Campos e Marina, a mesma coisa. Atribuo a responsabilidade aos dois: à direção do PV na época e à Marina. Não teve essa sensibilidade, essa tolerância, essa paciência…
Qual foi o fator principal do rompimento de Marina com o PV?
Existe um grupo em torno da Marina muito antipolítica. Já não queriam que a Marina viesse a ser candidata nossa em 2010. Eu estava na reunião quando isso foi discutido. Queriam que ela ficasse fora. Organizasse alguma ONG, fosse uma espécie de patrimônio das ONGs, uma espécie de pensamento crítico nacional.
Ela peitou esse grupo e resolveu ser candidata [em 2010]. Uma decisão acertada. Mas depois, essa mesma entourage falou: “O PV é muito trabalhoso, é muito heterogêneo, é muito desigual, nós temos chance de ter um partido à sua imagem e semelhança”. E foram alimentando essa ideia. É claro que havia e há problemas no PV que precisam ser resolvidos, democratizados. Mas a presença dela iria ampliar bastante o PV e reformá-lo, ampliá-lo. É preciso paciência.
A propósito de o Partido Verde ser heterogêneo. O deputado Zequinha Sarney é um dos principais líderes do PV no Congresso. Combinam o Partido Verde e Zequinha Sarney?
Acho que ele é mais Zequinha do que Sarney. Eu estava fora do Congresso já há algum tempo e observei as votações, as ações. Zequinha é hoje o principal deputado ambientalista do Congresso. É o mais preparado, é o mais consequente, é o mais constante no Congresso Nacional.
Acho que o Zequinha, deputado, é um ótimo deputado ambientalista. O fato de ter o nome do Sarney é claro que é uma coisa ligada à política velha, à oligarquia. Ninguém nega. Será que ele vai ser condenado pela genética a vida toda? Digo isso para você respondendo: o Zequinha é o melhor deputado ambientalista do Congresso Nacional, é fato.
As diretrizes programáticas do PV falam em descriminalizar o aborto. Em que termos isso será feito?
Sou o autor da lei de planejamento familiar do Brasil. É a lei que legaliza o acesso do homem e da mulher à esterilização voluntária, que era ilegal. Isso vem de uma experiência de vida minha. Fui, por muitos anos, diretor de saúde pública em uma área muito pobre em São Paulo, eu e a minha mulher, que também é médica. Lá em Itaquera [zona Leste de São Paulo], na área de São Mateus, Itaim [Paulista]. Aquela que era a região mais pobre de São Paulo.
A posição do PV é estender o planejamento familiar o mais vastamente possível. O SUS já fez isso. Já melhorou. Mas precisa fazer muito mais. O aborto, a interrupção da gravidez, não é planejamento familiar. É falha no planejamento familiar. Mas enquanto o planejamento familiar não se enraíza, nós temos 800 mil interrupções de gravidez [por ano]. O Ministério da Saúde não sabe direito porque é uma prática clandestina.
A interrupção de gravidez clandestina é um dos maiores fatores de mortalidade materna no Brasil, de sequelas, quando não morre, e de sequelas psíquicas. As mulheres não fazem aborto por brincadeira. É uma questão social, pessoal, afetiva importante para controlar esse instinto maternal da mulher. Ficam com sequelas psíquicas, porque a lei atual diz que elas são criminosas. A nossa posição é expandir o planejamento familiar por um lado, com educação sexual nas escolas para combater a gravidez precoce.
Enquanto não tem isso, tenho que descriminalizar a prática da interrupção da gravidez, do aborto, para acolher essas mulheres. Senão estou lavando as mãos, estou entregando essas mulheres, principalmente as mais pobres, a essa possibilidade: a morte, a sequela física e psíquica. Isso não é humano, não é correto.
Seus adversários nessa campanha presidencial, Dilma Rousseff, Aécio Neves e Eduardo Campos, se manifestaram sobre esse tema. Por que o sr. acha que eles têm uma posição inversa à do sr.?
Usando uma linguagem bíblica, porque estão entrando como [Pôncio] Pilatos na história. Estão lavando as mãos, porque não é essa a posição pessoal deles. Eles sabem muito bem do drama das mulheres…
O sr. acha que eles mentem em público porque têm medo de perder voto?
Exatamente. É isso. Ou mentem ou se omitem. Não sei o que é pior.
No caso de Marina Silva, o sr. acha que era de fato convicção dela em ser contra descriminalizar o aborto?
Ah sim, a Marina…
Convicta, diferentemente dos outros?
Claro. A Marina é, nesse ponto, totalmente transparente. A Marina é uma moça religiosa e a interpretação dela, da revelação, é praticamente literal. Gosto de ler a Bíblia. Sou de formação cristã também. Tanto o Judaísmo como o Cristianismo têm interpretações mais liberais das revelações e dos documentos. Mas outros têm a interpretação mais literal. A Marina é da corrente de interpretação literal. Portanto, ela é totalmente sincera nas posições dela.
E nesse sentido…
E nesse sentido é um direito dela. Não vejo nenhum problema. Ela é uma moça ótima, estudiosa, é competente, mas tem essa visão religiosa que a gente tem que respeitar -como a gente respeitou, inclusive, na campanha anterior.
Marina fez com que o Partido Verde se distanciasse de algumas de suas bandeiras históricas, mais liberais, em 2010?
A campanha em 2010 foi uma espécie de coligação programática entre o PV tradicional, com suas teses bastante avançadas e liberais de direitos humanos, e a posição dela, que nesse aspecto é uma posição mais conservadora. É normal em uma eleição.
O PV defende a legalização do uso da maconha. Como seria isso?
Tenho estudado bastante o assunto. Já li dois relatórios imensos sobre essa história. Um da Comunidade Europeia e outro que saiu agora da London School of Economics. A nossa posição, mais do que a legalização, é legalização e regulação. A palavra regulação é importante.
A antiga forma que o PV defendia, da pura legalização, podia dar uma impressão de que nós estávamos estimulando o uso da droga. A posição nossa em relação à maconha é a mesma posição com relação ao tabaco e em relação ao álcool: legalizar com regulação pelo Estado, com um forte programa de educação e de saúde em relação ao uso da droga psicoativa.
Legalizar e regular é uma forma de dar um golpe tremendo na economia do crime. A maconha é uma das principais fontes da criminalidade. É trazer para a saúde e para a educação do Estado, do SUS, uma tarefa muito clara. Vou dizer três coisas, se houver a legalização. Primeiro: você de preferência não use essa droga, como não use o álcool, como não use o cigarro porque pode trazer prejuízo para a sua saúde.
Segundo, se usar, use muito pouco. Use da forma mais moderada possível para não prejudicar a sua família, o seu trabalho, seus amigos. Terceiro, se você começar a notar que a coisa está ficando mais séria, que começa a te atrapalhar, sua família está notando que você está com sintomas, ou seja, você está se tornando um dependente, quero tratar você logo no começo. Porque hoje o sistema de saúde, quando tenta ajudar um dependente, ele já está no fundo do poço, aquele ambiente de criminalidade, que leva o sujeito a se esconder, evitar.
Portanto, a família precisa ficar tranquila em relação ao PV. Nós não estamos estimulando, pelo contrário, a gente quer diminuir os prejuízos que essa droga pode causar.
Nesse caso específico da descriminalização do uso da maconha, os três principais pré-candidatos a presidente, Eduardo Campos, Aécio Neves e Dilma Rousseff, se manifestam sempre contrários a um avanço…
Não deveriam.
Por que fazem isso?
No caso da droga é uma pura questão de massa cinzenta.
Eles têm convicção quando dizem ser contra a descriminalização da maconha?
Não quero fazer o mesmo julgamento tão peremptório que fiz no outro caso, o do aborto. Não sei. Acho que aí é uma questão de marqueteiro fazendo as contas. No caso da interrupção da gravidez, há na sociedade uma posição esmagadoramente favorável à posição atual: manter como está a ilegalidade, ignorando o sofrimento das mulheres. É uma posição machista. Uma posição de homem em relação às mulheres. No caso da droga, é pau a pau. Nós estamos ali entre 55% e 45% [a favor de liberar ou manter proscrita].
Então, o marqueteiro não quer perder nem um por cento. Sabe que, às vezes, a decisão é no olho mecânico. Fica influenciando os candidatos. Mas não quero me arriscar a dizer o que realmente o Eduardo Campos, a Dilma e o Aécio pensam disso. Eu apenas recomendo a eles: façam como eu, leiam os relatórios mais atuais, as experiências da Espanha, Portugal, do Uruguai, dos Estados americanos.
A Califórnia foi o primeiro Estado americano que proibiu, que criminalizou o uso da maconha em 1911. Eram os mexicanos que levavam e eles achavam que os mexicanos não trabalhavam, ficavam sentados na calçada, às vezes, fumando maconha. Criminalizaram a maconha em 1911. Foi o primeiro Estado americano. E hoje, é a Califórnia, junto com outros, que estão na vanguarda de ter uma política de redução de danos. Recomendo a eles [Dilma, Aécio e Campos] que tenham coragem. Tenham coragem, Dilma, Eduardo Campos e Aécio, e enfrentem essa questão. A juventude brasileira, principalmente, vai agradecer, porque hoje quem sofre com isso é juventude. Não só a juventude usuária, que são de todas as classes, da alta burguesia ao proletariado, mas principalmente a juventude que está presa nas prisões. São centenas de milhares de jovens usados pelo tráfico que estão mofando nas prisões por causa de uma política irracional da guerra das drogas.
O sr. pessoalmente já usou algum tipo de droga?
Eu uso, às vezes, a cerveja e o vinho. Pouquinho. Sou muito fraco. Só tomo cerveja se meu time ganhar e meu time é difícil de ganhar. Eu sou Botafogo.
Mas já usou drogas hoje consideradas ilícitas no Brasil em outras épocas?
Não, não usei. Nunca usei. Prefiro jogar futebol, brincar com meu neto, ler, observação de pássaros. Uma vez, naquela época de 1968, até uma amiga minha estava assistindo ao Woodstock, me ofereceu e eu não quis. Era muito ligado ao esporte, futebol, voleibol e sempre tive uma aversão a essas drogas, porque pode prejudicar e prejudica mesmo a saúde.
Que mudanças o PV proporia, assim, em síntese, na política econômica do Brasil, se o sr. fosse eleito?
Uma questão importantíssima que a gente começa de cara a dizer é a questão da reforma tributária, que é uma questão econômica fundamental.
A carga tributária do país é boa ou está alta?
A carga tributária brasileira, para as tarefas de um país que quer ter um Estado de bem-estar social civilizado, seria razoável se fosse bem gasta. O problema dela não é o tamanho, é a qualidade com que ela é gasta. Portanto, a gente hoje manteria esse patamar e procuraria arrecadar melhor, de forma mais justa, e gastar melhor principalmente.
Taxa de juros, seria mantida no nível atual ou não?
Essa é uma questão-chave. O Brasil vive uma oligarquia de 10 bancos mandando na economia do Brasil.
A presidente Dilma tentou baixar a taxa de juros e depois recuou.
Infelizmente recuou. Foi uma atitude boa, corajosa dela, mas ela voltou no meio do caminho. A posição do PV é reduzir. Porque, veja, hoje, além da taxa Selic estar lá em 11%, 12%, as taxas para o tomador no banco brasileiro são altíssimas, chegam a 100% para nós, cidadãos comuns, e 50% para as empresas. Enquanto países semelhantes ao nosso isso não passa de 10%.
Também iríamos controlar as taxas que o banco cobra de você, que são altíssimas. Se você reduz a taxa Selic, se você controla as taxas dos bancos, você vai obrigar os bancos a irem para o mercado disputar você que vai buscar o empréstimo, e aí essas taxas vão cair. Isso significa dinamizar a economia brasileira e sair dessa ditadura dos bancos. Os bancos estão controlando o Brasil.
A meta de inflação hoje, no Brasil, é de 4,5% por ano. O sr. acha que tem que reduzir essa meta ou mantê-la?
Eu acho que a gente deve perseguir, manter essa meta, mas eu analisaria a inflação dividindo, vamos dizer assim, a inflação dos trabalhadores mais pobres e a inflação em geral. Eu controlaria particularmente os preços que, naquelas listas que fazem a taxa de inflação, afetam a população mais pobre. Que é alimentação e transporte.
O Brasil tem hoje 39 ministérios. O sr. manteria esse número de ministérios ou reduziria?
Isso faz parte da reforma política do nosso programa, que é “Mais Brasil e menos Brasília”. Nada contra Brasília, adoro Brasília. Estou falando Brasília [como] governo federal. Como a gente está propondo mais gasto com educação e saúde eu tenho que dizer onde vou cortar. Porque os candidatos falam que vai ter mais educação e mais saúde, mas não dizem de onde vai cortar. Nós estamos dizendo onde vamos cortar. Falamos e colocamos no papel quais são os ministérios que a gente quer. São 14, você juntando dá para você trabalhar muito bem. Cortar em ministérios, cortar em cargos de confiança.
O programa do PV fala em implementar o “bem-estar dos animais” no país, com regras que garantam suas necessidades “físicas e psicológicas” dos bichos. Como se daria isso, na prática?
Você pode pensar “o que isso tem a ver com o programa presidencial de um país continental como o Brasil?”. Tem sim. Porque a humanidade evoluiu a tal ponto que já dispensa o homem de ter que ficar sacrificando, torturando as outras espécies, como sempre fez ao longo de sua história. Não é uma posição impositiva, é uma posição do exemplo, que a gente tem que caminhar para uma dieta vegetariana, que ela é mais humana do ponto de vista da relação com as outras espécies, protege melhor a saúde dos humanos e é ambientalmente mais adequada. Mas é sempre uma ideia de expor pelo exemplo, não é nada impositivo.
Você pode me perguntar, defesa do meio ambiente? Sim. A alimentação carnívora, que o Brasil agora se orgulha de ter os maiores frigoríficos, ser o maior exportador de boi. E o boi para corte é um grande predador do meio ambiente, é um dos principais fatores de destruição e desmatamento. E pode, se for substituído por outras culturas, produzir muito mais alimentos para muito mais gente. Essa campanha da segunda-feira sem carne [apontando para a própria camiseta], nós lançamos lá na secretaria do meio ambiente.
Em São Paulo?
Em 2005, sabe com quem? Com Paul McCartney e com a Yoko Ono. Você já viu alguma coisa com que o Paul McCartney concordasse com a Yoko Ono? Então é alguma coisa muito séria.
Agora, quando fala do tratamento para os animais, no que consistiria essa proposta?
Você tem que fazer uma coisa progressiva. Por exemplo, você concorda que as galinhas fiquem em gaiolas com o bico cortado, com a luz acesa, para por o ovo dia e noite, e depois serem jogadas no lixo? Você mostraria para o seu filho um filme de como os bois são sacrificados para produzir aqueles bifes que chegam à mesa? O homem não precisa mais disso. Na época em que nós éramos feras entre feras, na época das cavernas e um pouco depois, isso até era uma questão de sobrevivência. Isso não é mais necessário, não é mais necessário que você torture os animais como a gente tortura.
Fonte : Folha de São Paulo