Nota da pasta datada de junho diz que fim de reserva de cobre poderia abrir “nova frente de conversão” da floresta amazônica, contradiz versão de Temer de que região “não é um paraíso” e afirma que garimpo existente no local é de pequena escala e não pode ser usado para justificar perdas ambientais
A extinção da Renca (Reserva Nacional de Cobre e Associados), decretada, revogada e decretada de novo pelo presidente Michel Temer no espaço de cinco dias, atropelou um parecer técnico do Ministério do Meio Ambiente que pedia a manutenção da reserva mineral, dizendo que seu fim traria risco de aumento do desmatamento e da “abertura de uma nova frente de conversão” da floresta amazônica na região, entre os Estados do Pará e do Amapá.
O parecer está contido numa nota técnica produzida pelo ministério e datada de 20 de junho.
Criada por decreto em 1984, no final da ditadura militar, a Reserva Nacional de Cobre e Associados determinava o monopólio do governo sobre qualquer atividade mineral em sua área, de 46.501 quilômetros quadrados (o tamanho do Espírito Santo). O entendimento da CPRM (Serviço Geológico do Brasil) sempre foi pelo bloqueio da área, de forma que empresas privadas nunca puderam minerar ali.
Sua extinção era uma demanda antiga do setor, de olho nas reservas de ouro, nióbio e outros metais na região.
Ocorre, porém, que a Renca está sobreposta, em sua maior parte, a oito unidades de conservação e duas terras indígenas. Ela abarca parte do Parque Nacional Montanhas de Tumucumaque, no Amapá, a maior área de proteção federal do país, e da Floresta Estadual do Paru, no Pará, a maior área protegida do Brasil.
O decreto de extinção foi publicado no dia 24 e revogado na última segunda-feira (28), após intensa pressão da opinião pública, de artistas e ambientalistas, que acusavam o governo de estar “vendendo a Amazônia”.
A nova versão do decreto determina o cancelamento dos títulos minerários dentro de unidades de conservação de proteção integral, como a Reserva Biológica do Jari – algo auto-evidente, já que por lei esse tipo de UC não pode ter nenhuma exploração mesmo –, mas deixa aberta a porta para a mineração nas áreas protegidas de desenvolvimento sustentável (que são a maioria no local da Renca).
A análise da área ambiental do governo desmente dois argumentos usados por Temer e pelo ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho (PSB-PE), para decretar o fim da reserva minerária: o de que a região “não é um paraíso” e o de que a extinção da Renca era necessária para coibir o garimpo ilegal.
Em nota oficial distribuída no dia 24, a Secretaria de Comunicação da Presidência afirma:
“A Renca não é um paraíso, como querem fazer parecer, erroneamente, alguns. Hoje, infelizmente, territórios da Renca original estão submetidos à degradação provocada pelo garimpo clandestino de ouro, que, além de espoliar as riquezas nacionais, destrói a natureza e polui os cursos d ‘água com mercúrio.”
Na sexta-feira, num vídeo distribuído pelas redes sociais, o ministro Coelho Filho afirmou que “o que nós estamos querendo é coibir e inibir o que já existe lá, atividade ilegal”.
Segundo o parecer do MMA, a atividade de garimpo existe “há décadas” na Renca e é de “pequena escala”. “A existência de garimpeiros pequenos e locais não deve servir de argumento para justificar alterações no decreto que acarretem perdas ambientais”, diz a nota técnica.
Sobre o grau de preservação da região, o MMA diz ser bastante alto: dos 46.501 mil quilômetros quadrados da Renca, 45.767 quilômetros quadrados estão cobertos por floresta e 206 quilômetros quadrados são rios. A área desmatada, portanto, é de apenas 528 quilômetros quadrados – 1,1% do total.
Em 2016, segundo o MMA, havia 646 requerimentos de pesquisa de lavra dentro da área da Renca. Quase todos estão dentro de unidades de conservação (600) ou terras indígenas (41). Os pedidos abarcam 35 produtos minerais diferentes, que vão de areia a ouro, passando por nióbio, molibdênio, paládio, platina, ferro, estanho – e, claro, cobre.
Os técnicos do Ministério do Meio Ambiente lembram que mudanças recentes na legislação brasileira favorecem a mineração em áreas de proteção: o novo Código de Mineração, que à época do parecer ainda não havia sido convertido em lei, não prevê a necessidade de autorização prévia dos órgãos gestores de unidades de conservação para a concessão de lavras. Além disso, o novo Código Florestal prevê que a mineração possa ser realizada em áreas de preservação permanente – bastando para isso que o Executivo as decrete a atividade como de “interesse público”.
Por fim, o parecer aponta que a ação de “interesses econômicos agressivos” na Amazônia, “sob a alegação de promover o desenvolvimento regional”, vêm conduzindo ao aumento da violência no campo na região.
A mineração, argumenta a nota técnica, mesmo fora das unidades de conservação, poderia levar a pressão de desmatamento para estas, principalmente ao induzir a migração de pessoas para a área. Isso poderia comprometer a meta brasileira de redução de desmatamento. “Portanto, recomendamos a manutenção do decreto [de 1984], frente ao cenário de aumento de desmatamento na região como um todo e à possibilidade de abrir uma nova frente de conversão em áreas que ainda não foram alteradas de forma significativa”, conclui o documento.
OUTRO LADO
Procurado pelo OC, o Palácio do Planalto afirmou, por meio da Secretaria de Imprensa, que a posição do Ministério do Meio Ambiente divulgada à imprensa por meio de nota no dia 23 de agosto: “O Ministério do Meio Ambiente afirma que a extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) não afeta as unidades de conservação federais existentes na área, pois estas são de domínio público, onde não se permite o desenvolvimento de atividade de mineração. Ademais, qualquer empreendimento que possa impactar as unidades de conservação é passível de procedimento de licenciamento específico, o que garante a manutenção dos atributos socioambientais das áreas protegidas.”
Ainda segundo a Presidência, a decisão pela extinção da Renca “considerou parecer do Ministério de Minas e Energia, segundo o qual a medida fomentará o aproveitamento racional e sustentável, sob o controle do Estado, do potencial mineral daquela área (…) A preservação da Amazônia, em respeito à legislação socioambiental brasileira, será fortalecida pelo combate às atividades ilegais na região.” (CLAUDIO ANGELO)
Fonte : Observatório do Clima