Funcionária legislativa ligada ao deputado fluminense e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL) desde 2007, Nathalia de Melo Queiroz trabalhou como recepcionista em uma rede de academias no Rio no mesmo período em que aparecia na folha de pagamento da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio). De acordo com a Bodytech, a filha do motorista Fabrício José Queiroz, então com 22 anos, era contratada em regime CLT e dava expediente no Norte Shopping, a 14 km do prédio da Alerj.
À época estudante de Educação Física da Universidade Castelo Branco, em Realengo, distante 30 km da Alerj, ela foi contratada pela empresa em abril de 2011 e ficou na função até julho de 2012. Em 2011, Nathalia acumulava as aulas da faculdade, o emprego fixo como recepcionista e cargo na Alerj, primeiro no departamento de taquigrafia e debates, no qual ficou até julho daquele ano, cujo salário bruto era R$ 2.950,66. Em agosto de 2011, a jovem recebeu outra atribuição na Casa: assessora direta de Flávio Bolsonaro.
Ela permaneceu na função até dezembro de 2016 com vencimentos de R$ 9.835,63 mensais. no relatório que identificou movimentação atípica em nome do pai dela, que também trabalhou como assessor de Flávio, no valor de R$ 1,2 milhão (referente apenas ao período de 13 meses, de janeiro de 2016 a janeiro de 2017). Na época, ela era funcionária de Flávio e transferiu para o pai R$ 84.110,04. Na quinta-feira (13), o filho mais velho de Jair Bolsonaro (PSL) se manifestou sobre o caso por meio das redes sociais e negou qualquer irregularidade.
O UOL procurou a assessoria de imprensa de Flávio e de Jair Bolsonaro –ela foi exonerada do gabinete do presidente eleito em outubro passado– para comentar a situação da ex-funcionária. A assessoria de Flávio enviou nota no meio da tarde desta sexta negando qualquer irregularidade. “Não há qualquer ilegalidade ou irregularidade na atuação da assessora parlamentar Nathalia Queiroz.
Ela foi nomeada no gabinete do deputado Flavio Bolsonaro durante o período de 12 de agosto de 2011 a 13 de dezembro de 2016. A descentralização de gabinetes e funcionários sempre foi permitida mediante a aplicação subsidiária de ato da Câmara dos Deputados e, posteriormente, por Ato da Mesa Diretora da própria Alerj”, diz o texto.
A assessoria de Bolsonaro continua sem se manifestar. Atualmente com 29 anos, a jovem ingressou no curso de Educação Física em 2008 e se formou em 2011, mesmo ano em que era assessora parlamentar de Flávio Bolsonaro e funcionária registrada da rede de academias. A primeira contratação da filha do policial militar e ex-motorista de Flávio Bolsonaro como funcionária parlamentar foi em setembro de 2007, quando ela tinha apenas 18 anos. Ela era comissionada no gabinete da vice-liderança do PP, partido de Flávio à época. Ela só deixou de ter cargos, sempre ligados à família Bolsonaro, em 15 de outubro passado, quando foi exonerada do gabinete de Jair Bolsonaro. No mesmo dia, seu pai deixou o cargo que tinha na Alerj, no gabinete de Flávio. Apesar dos 11 anos de serviços prestados ao Legislativo, pessoas que trabalharam com Nathalia na área de educação física afirmam que ela nunca mencionou exercer outra atividade. Ela possui registro no Conselho Regional de Educação Física.
A jornada de trabalho na Alerj é de 40 horas semanais, de 9h às 18h. Ao UOL, a Casa informou que a regra não vale para os cargos comissionados –o horário de cumprimento dessa jornada é definido por gestores da área em que atuam assim como suas funções e responsabilidades. O acúmulo de funções não é ilegal, desde que isso não configure abandono da função pública. Na Alerj não há folha de ponto e a presença é atestada por ofício feito pela chefia de gabinete. Circunstâncias semelhantes já foram observadas em casos envolvendo funcionários fantasmas.
Secretária de Jair Bolsonaro Três dias após ser exonerada do gabinete de Flávio, em 16 de dezembro de 2016, o nome da Nathalia foi publicado no Diário Oficial da União, como secretária parlamentar de Jair. Comissionados não trabalham necessariamente na Câmara, em Brasília, porque podem ser designados para a base do deputado federal. Não foi possível identificar se Nathalia dava expediente na capital federal.
De acordo com os registros da Câmara, Nathalia recebeu cerca de R$ 225 mil em salários em quase dois anos como funcionária de Jair Bolsonaro e quase R$ 21,5 mil em auxílios. Até outubro passado, ela passou por três níveis de remuneração: de janeiro de 2017 a maio de 2017, ela recebeu R$ 11.287,98 por mês; de junho a dezembro de 2017, recebeu R$ 9.626,36 mensais; e de janeiro de 2018 a setembro de 2018, seu salário foi de R$ 10.088,42.
Ao ser exonerada, Nathalia recebeu remuneração proporcional de R$ 4.707,92. Após deixar o gabinete, ainda ganhou cerca de R$ 24 mil a título de “vantagens-indenizatórias” –que se referem a férias indenizadas ou licença-prêmio.
Em janeiro, reportagem do jornal “Folha de S.Paulo” revelou que Bolsonaro tinha uma funcionária fantasma que morava em Angra dos Reis (RJ). Em agosto, o então candidato demitiu a assessora, mas sempre negou que ela fosse uma funcionária fantasma.
Personal dos famosos A reportagem do UOL apurou que há ao menos três anos, Nathalia trabalha como personal trainer no Rio. É uma profissional reconhecida e descrita como batalhadora e aplicada.
“Sempre foi dedicada, gostava de estudar, se aprimorar e fazer cursos. Um deles foi com Chico Salgado [conhecido personal trainer carioca] e, a partir daí, a carreira dela deu um salto. Passou a trabalhar com famosos e pessoas ricas”, contou uma nutricionista, que trabalhou com Nathalia em uma academia em Jacarepaguá, e pediu anonimato.
Nathalia era vista dando aulas na academia Iron Box, no Pepê, na Barra da Tijuca, e consta da lista de personal trainers de outra rede na mesma região. Ela teria se desligado no fim do mês passado. Procurada pela reportagem do UOL, a academia Iron Box disse “não ter autorização legal para prestar informação acerca de eventuais alunos, frequentadores e/ou colaboradores ou ex-colaboradores”.
O UOL entrou em contato com a assessoria de imprensa de Chico Salgado, que informou não ter nenhuma profissional com o nome de Nathalia Queiroz “no momento”. A assessoria de Bruno Gagliasso confirmou já ter trabalhado com Nathalia, mas que o ator não se lembrava das datas em que as aulas foram dadas.
A filha do assessor de Flávio Bolsonaro também deu aulas para Jane Cristina Araujo Oliveira, funcionária da família Gagliasso.
Em 28 de junho deste ano, uma quinta-feira, quando estava oficialmente lotada no gabinete do deputado federal Jair Bolsonaro, Nathalia apareceu no Instagram de Bruna Marquezine. O vídeo mostra a atriz ao lado da personal trainer dizendo, em tom de brincadeira, para que Chico Salgado não a mandasse mais para substituí-lo.
Nesta semana, a reportagem foi a duas academias em Ipanema, zona sul do Rio, locais onde Nathalia atendia clientes e não a encontrou. Um funcionário informou que ela não aparecia no local há 15 dias. O caso envolvendo seu nome, de seu pai, da sua mãe e irmã veio à tona na semana passada, no dia 6.
Como é de praxe nesse métier, Nathalia Queiroz era uma assídua usuária do Instagram e tinha cerca de 15 mil seguidores. A conta foi apagada. O número de telefone também não é mais o mesmo. Assim como os outros parentes, a personal trainer não foi encontrada.
Bolsonaro diz que pagará “se algo estiver errado”
Na quarta-feira (12), Jair Bolsonaro comentou a divulgação do relatório do Coaf e afirmou que irá pagar a conta “se algo estiver errado” no caso envolvendo a família Queiroz.
“Eu deixo bem claro que eu não sou investigado, meu filho Flávio não é investigado, e pelo que consta esse ex-assessor será ouvido pela Justiça”, declarou o presidente eleito, em uma transmissão ao vivo nas redes sociais.
“Agora, se algo estiver errado –que seja comigo, com meu filho, com o Queiroz–, que paguemos a conta deste erro, porque não podemos comungar com o erro de ninguém”, completou.
Flávio também usou as redes sociais para se pronunciar sobre o caso. O deputado afirmou não ter feito nada de errado e disse que não vai decepcionar ninguém. “Se Deus quiser, tudo será esclarecido em breve”, escreveu, no Twitter. O senador eleito também reproduziu uma matéria jornalística sobre as declarações do pai para dizer que, “mantendo nossa coerência de sempre, não existe passar a mão na cabeça de quem errou”. Em seguida, disse que não pode se pronunciar sobre algo que não sabe o que é.