Recém-eleito para mais um mandato de dois anos no comando do PV, José Luiz Penna fala do desmonte partidário, do atual momento político e das perspectivas para este novo ciclo.
— Você acaba de ser eleito para mais um mandato de dois anos à frente do PV, agora no comando de um gabinete político. O que muda?
— A ideia de um gabinete político é para dar mais agilidade. Como nossa executiva, composta de mais de sessenta e tantas pessoas, num país continental como o Brasil, busca a representação de todos os estados, naturalmente enfrentava dificuldades de reunião – e uma consequente lentidão em dar respostas particularmente nesse momento político vivido. Então criamos esse gabinete político, votado em convenção, para poder responder mais rapidamente à demanda diária da política brasileira, que ficou muito difícil, principalmente em áreas onde temos maior interesse. Criamos uma instância mais enxuta, com suas diversas secretarias e coordenadores regionais das diversas regiões brasileiras.
— Essa nova configuração altera o poder decisório?
— Primeiro temos que ter em mente que não há paralelo entre os processos sucessórios de organizações políticas verdes como o PV e as tradicionais. Buscamos não só uma relação mais generosa do indivíduo com o patrimônio natural, mas uma mudança no jeito de se organizar a sociedade. E isso não se muda de uma hora pra outra. Da mesma forma essa visão deve se refletir na forma de conduzir nossa política interna. Nesse contexto me considero um porta-voz dessas diretrizes políticas, apesar de formalmente ser caracterizado como presidente. E igualmente trata-se de um aprendizado, mesmo entre nós, de uma prática cujo eixo central é o coletivo gerindo a política. Somos na essência parlamentaristas.
— Há um consenso de que, nesses últimos 20 anos, avançamos quanto à consciência ambiental, mas a prática continuou precária. Como avançar em uma agenda verde em tempos trumpistas e frente a um governo decididamente avesso à causa?
— Certamente as novas gerações têm crescido com uma consciência ambiental, algo que as anteriores ignoraram. As mudanças climáticas, a evidência de tudo o que os verdes preconizavam há décadas, deu pra sociedade uma nova agenda política. E isso é irreversível. Agora, a prática está subordinada a uma série de fatores, e a principal delas é a adoção de políticas sustentáveis, que obviamente depende do mandatário de plantão. Mas o caminho no mundo não é uma linha reta. É como uma valsa: dois pra frente, um pra trás. No momento vivemos justamente uma entressafra, um passo atrás, um estrebuchar, enfim, das forças mais reacionárias que detêm parte importante do capital. Um retrocesso, aliás, absolutamente previsível. Depois de termos vivenciado a utopia de um mundo sem fronteiras, a ideia de uma comunidade planetária, é natural que a camada mais conservadora reaja e reacenda o nacionalismo como ideologia. Um nacionalismo que acredita que cada nação é um cosmo que pode viver, produzir e consumir como se fosse um universo particular, isolado. Os verdes no mundo apareceram com um ideário planetário. O que não quer dizer que isso ofenda ou que fragilize ideias patrióticas ou valores nacionais. E por aí que a sociedade deve avançar.
— Quais as perspectivas pra esse novo ciclo? Na Câmara o desafio é estabelecer uma frente de oposição, já que a maré é contrária e a oposição sai esfacelada da última eleição. Como engatilhar isso?
— Há dois cenários projetados pela política. Um deles pressupõe que este governo legítimo, eleito, deve cair rapidamente, seja por suas próprias intervenções drásticas e atrasadas, seja por incapacidade de gestão, falta de articulação. Mas nós preferimos trabalhar com uma ideia de frente ampla contra essa ideia de retrocesso. Porque achamos que o processo deva ser discutido com o conjunto da sociedade. Assim no Congresso nós nos posicionamos junto ao PPS, ao PDT, ao PC do B e mais outros partidos de centro. Uma frente ampla, do centro à esquerda. Mas não se trata de uma oposição oportunista, eleitoreira, que parte do pressuposto de que rapidamente nós vamos nos beneficiar eleitoralmente. E pra isso temos que buscar consensos com segmentos menos sectarizados. É preciso mudar o jogo. Porque é espantoso passarmos vinte e quatro anos com a socialdemocracia no poder e não conseguir romper com as estruturas oligárquicas no país. Esse é um país com vários andares e desníveis profundos.
— Essa frente atuaria com uma agenda mínima comum ou ela será definida pontualmente a partir de matérias em votação no Congresso?
— Devemos estabelecer pontos de entendimento sobre os temas mais relevantes. No momento estamos debruçados sobre a reforma da previdência. Nós achamos que deve haver uma reforma. Mas não queremos entrar numa roubada, que traga mais sacrifícios para as classes menos favorecidas. Não cabe a priori ser contra ou favor da reforma simplesmente por ser matéria de interesse do governo ou não. Não é a nossa posição. Temos partir daí uma diferenciação na ação das bancadas. O jogo no congresso ficou assim: os francamente a favor do governo, os francamente contra e um eixo que está tentando agregar valor às questões mais sensíveis e que toquem o Brasil pra frente.
— Há pouco tempo você escreveu que a socialdemocracia não conseguiu superar o abismo social crônico no país. A partir daí com o atual cenário político qual é o caminho a seguir?
— Em 24 anos de socialdemocracia andamos para lugar nenhum. Um primeiro grupo estabeleceu uma meta de 20 anos no poder. Foi substituído por outro, do mesmo campo político, que definiu para si outros 20 anos no comando do país. E nenhum deles conseguiu alterar a realidade brasileira ou dar impulso a um projeto que correspondesse às expectativas da sociedade. E deu no que deu: vivemos agora um momento político de dimensões catastróficas, estapafúrdias. Agora, ou estabelecemos uma frente com um compromisso de mudar estruturalmente a nossa organização social e política ou vamos assistir a uma interminável sucessão do poder pelo poder. É assim que as democracias fracassam: quando essa tese se impõe no horizonte político.
A questão central é uma só: é insustentável manter esse presidencialismo de coalizão que só tem nos levado ao atraso. O próprio nome denota algo nefasto. Sua ação é predatória se pensarmos em termos de construção de uma real democracia. Nós sugerimos uma guinada parlamentarista como base para um debate. Talvez a gente seja o único partido que tem no seu horizonte programático o parlamentarismo. E nós queremos por isso em discussão o mais rapidamente possível.
— Você acha que a tese avança com um Congresso com esse perfil?
— Não acho que se possa gerar um projeto político subordinado a uma legislatura, ou particularmente a essa legislatura. Devemos fazer uma frente ampla com compromissos de médio e longo prazo. As mudanças estruturais no Brasil não serão uma coisa muito fácil, isso é claro. A democracia está nas mãos de pessoas extremamente autoritárias. É um país de mandões, regido sob a égide de uma política personalista. O cara muda de partido, mas continua sendo o Chico das Couves e isso é uma marca política maior do que a do partido. É uma clara distorção. Acho que a gente tem que se preparar para uma intervenção, para uma longa caminhada, mas definida a partir de pontos marcadamente transformadores. E uma das pedras do jogo é o fim desse sistema político. Esse regime tem que acabar. Reclama-se ‘ah… mas o voto em lista [em um regime parlamentarista] fortalece muito as direções partidárias’. Mas eu digo que é o ovo ou a galinha. Ou você tem voto em lista [as cadeiras em disputa são distribuídas entre os partidos de maneira proporcional à quantidade de votos obtida pelas listas de candidatos apresentadas previamente] e tem partido ou você mantem o que aí está e não tem partido nenhum. Quebrou. Partido político no Brasil derreteu. E isso é consequência dessa organização política.