Enquanto não estão definidas as chapas estaduais, o pré-candidato do PV à Presidência da República, Eduardo Jorge, roda o País conversando com os diretórios regionais. Mas só de quinta a domingo, já que nos outros dias ele cumpre expediente como médico sanitarista em São Paulo. No debate, entram as diretrizes da legenda, que este ano representam um resgate a bandeiras do PV, como descriminalizam das drogas, casamento gay e aborto. Para ele, não foi possível expor essas ideias devido ao perfil de Marina Silva. “Apesar dela ter se filiado no PV, nunca entrou de verdade no partido. Era uma coligação e tínhamos que respeitar ideias que eram essenciais para ela, como o conservadorismo religioso intenso e até fundamentalista”, disse.
O PV-DF está dividido entre lançar candidato próprio e apoiar a reeleição. Como será o debate?
Essa divisão acontece em todos os estados. Por ser um partido democrático, alguém acha A, outro acha B, tem gente que acha C e até alguns que acham Z. Mas isso é normal em um partido democrático. A estratégia nacional do PV é participar sempre do primeiro turno. O PV não pode deixar de estar no primeiro turno sendo um partido novo, de vanguarda, com ideias tão marcadas, o campeão da sustentabilidade. Seria frustrante para mim não oferecer um candidato no primeiro turno. É preciso tentar chegar ao segundo turno e, se não chegar, influenciar no segundo turno, escolhendo um dos candidato. Em segundo lugar, também queremos reforçar a política de eleger deputados federais e estaduais de qualidade, comprometidos com a causa verde no Brasil inteiro. Em terceiro lugar, já que é um partido de ideias, é preciso falar suas ideias. Nós não somos um partido de máquina sindical, empresarial, nem máquinas parasitárias do Estado público, como são as três grandes candidaturas.
No Distrito Federal, isso será possível?
A nossa direção, os filiados e militantes do PV em Brasília vão tomar a decisão que eu espero que seja mais de acordo com essa orientação, mas são eles que fazer essa escolha. Não sou nem o diretório nacional.
O PV apoiou o governo, que teve problemas de popularidade e avaliação. Isso pode influenciar na escolha entre apoiar ou não a reeleição?
Quem sabe a história do socialismo no mundo sabe que a social democracia, o socialismo marxista ou quase marxista do PT e o socialismo meio indefinido do PSB são da mesma família. E os partidos de origens capitalistas e liberais, assim como os socialistas, no seu passado, não respeitaram os limites da natureza. Então o PV veio para criticar tanto o capitalismo quanto o socialismo, que não tiveram esse respeito nas suas políticas. Então, se partidos de ambos os lados abrem espaço para que nós possamos implementar nossas políticas, o PV pode dialogar com os dois. O que nós precisamos avaliar é se essas políticas foram acolhidas por esse governo. Podem até dizer “ah, mas esse governo não está muito popular”. Por algum motivo, não está. Se está ou não, o povo vai julgá-lo nas urnas. A minha pergunta mais importante é se o PV foi ouvido em relação às políticas sustentáveis que levou para o governo. Foi respeitado? Pode ajudar Brasília com políticas concretas no meio ambiente? Essa é a questão que o diretório regional precisa se concentrar, se valeu a pena ou não participar do governo Agnelo.
Em 2010, a candidata à presidência do PV foi Marina Silva, que levantava bandeiras com algumas diferenças em relação ao partido. A sua candidatura representa um resgate à ideologia do PV?
As candidaturas em regimes democráticos muitas vezes são feitas em coligação. Quando você faz uma coligação com partidos A, B e C, o programa daquela coligação é uma composição de programas. Não é uma um plano só de um deles que os outros partidos aderem. Em 2010, o que aconteceu foi uma coligação entre o PV e a Marina. Apesar dela ter se filiado no PV, ela nunca entrou de verdade no PV. Era uma coligação entre o PV e a Marina. E foi uma coisa muito boa, que deu muitos resultados. Pela primeira vez, a questão da sustentabilidade foi discutida com amplitude no Brasil. Mas era uma coligação em que nós tínhamos que respeitar algumas ideias que eram essenciais para a Marina. Uma delas é o conservadorismo religioso muito intenso e até fundamentalista da Marina. O PV, para respeitar essa forma de ser, de pensar, não pôde dar destaque a temas que sempre fazem parte do seu programa e que são importantes, porque eram uma coligação. Com essa candidatura sem essas amarras com a Marina, o PV pode expor seu programa por completo. Nada do que estamos divulgando como nosso programa se distancia da tradição e das bandeiras originais do PV. É claro que há uma aproximação de alguns temas novos, como as reformas tributária e da previdência. São coisas novas, mas os temas tradicionais, de direitos humanos, respeito aos direitos das mulheres e das minorias, de desenvolvimento sustentável são as teses realmente tradicionais e que nasceram com o PV. Agora elas podem se expressar totalmente.
Quem ganhou mais com a eleição de 2010, Marina Silva ou PV?
Quem ganhou mais foi a discussão da sustentabilidade no Brasil. E isso é mérito tanto da candidata quanto do PV. Os 20 milhões de votos são méritos compartilhados. O PV foi o partido que trouxe a ideia da sustentabilidade no Brasil há 30 anos e está até hoje com essa bandeira, como o campeão da sustentabilidade e há os méritos da própria vida e do compromisso da Marina, que tem uma história muito bonita. Mas tem uma coisa que nós erramos grosseiramente em 2010. E eu espero e se depender de mim não acontecerá de novo.
Marina foi a candidata com mais votos no Distrito Federal em 2010. O PV pode tirar vantagem disso nessa eleição?
Cada eleição tem uma história muito própria. É muita pretensão dizer o que vai acontecer. Ninguém esperava que a gente tivesse uma votação espetacular como essa em Brasília e em outras capitais. Então, quem pode prever de novo em uma circunstância tão diferente como essa em 2014? Existe uma diferença em relação ao humor da opinião pública, irritabilidade, desmoralização dos partidos políticos mais tradicionais. Qualquer previsão sobre o que vai acontecer nas eleições é prematura.
As manifestações vão influenciar no resultado?
Sim, claro. Manifestação política de reivindicação, de greve, na democracia é a coisa mais normal do mundo. Nós do PV, que somos um partido democrático, nos sentimos muito bem que haja manifestação na rua. A preocupação do PV é com o nível de irritação e às vezes até de violência em algumas das manifestações. Por que isso está acontecendo? Por que se está em um ambiente de irritação, de descrédito grande em relação aos partidos? A gente acha que existe esse descrédito das lideranças políticas tradicionais que se reflete nessa irritação. Falta credibilidade para um diálogo na democracia entre os grupos que estão reivindicando e as pessoas eleitas. Essa é a preocupação do PV e por isso que uma das nossas principais diretrizes é uma reforma política radical, de mais democracia. É justamente para atender esse anseio por mais democracia que o povo fala na rua. A nossa proposta é voltar a discussão do parlamentarismo, voto distrital misto e voto facultativo, esse é o tripé de uma reforma política profunda para resgatar o prestígio da democracia representativa no povo.
Como será a postura do PV em relação a temas polêmicos, como casamento gay, descriminalização de drogas e aborto?
Eu chamo de políticas públicas órfãs, porque os políticos, por uma questão de orientação dos marqueteiros, evitam tomar uma posição mais humana e mais correta em relação a esses temas. É a posição tradicional do PV aqui no Brasil e em outros países. É questão de saber explicar e vencer alguns preconceitos e estereótipos que às vezes pregam no PV e não são verdadeiros. A questão das drogas, por exemplo, dizem que o PV estimula o uso de drogas. Não! O PV não estimula uso de nenhuma delas, nem lícita nem ilícita. O que o PV não concorda é com a política que há 50 anos prometeu erradicar a plantação, o tráfico e o consumo de drogas psicoativas ilícitas e fracassou em todas as escalas. Essa política da militarização, da repressão pura e da promessa de que vai proibir de uma vez por todas o uso de drogas ilícitas fracassou. É por isso que em outros países já se começou a buscar opções para essa. O Brasil não pode ser uma exceção, não pode ficar atrelado a uma política de 50 anos de fracasso.
O que o PV defende em relação ao casamento gay?
O casamento gay é algo que a sociedade não tem nada que se meter na vida particular de duas moças e dois rapazes que querem se casar. É um casamento civil. É uma coisa totalmente irracional querer impedir que um casal de rapazes ou de moças vá ao cartório e case. É uma invasão na liberdade deles. “Ah, mas o casamento é um sacramento”, como dizem alguns fundamentalistas religiosos. Se for assim, por lógica, esses fundamentalistas deveriam ser contra o casamento civil, inclusive de homens e mulheres heterossexuais, que estão se casando no cartório e não dão a menor bola para o sacramento dele. Então, nessa bandeira o PV está tranquilíssimo.
E em relação a outros temas que não foram centrais em outras campanhas do PV, como política tributária?
A gente quer também enfrentar estereótipos de dizer que o PV é o campeão da defesa da Amazônia, do Pantanal, dos rios, dos mangues, dos mares e é verdade. Sempre somos e sempre seremos. Fomos o primeiro partido que levantou essa bandeira 40 anos atrás, que havia limites na natureza e que a economia, a justiça social e o limite da natureza teria que ser equacionado. Mas o PV não é a favor de uma ditadura verde sobre todos os outros temas.
A ideia do desenvolvimento sustentável é equilíbrio entre ambiental, social e econômico. Só pode haver equilíbrio ambiental se houver equilíbrio social e econômico. É totalmente insustentável a grande riqueza e a grande pobreza. Então o PV vai falar de todas as políticas, inclusive na área de economia. No caso dela, por que a reforma tributária é importante? Porque o sistema tributário brasileiro é totalmente irracional. Ele quer, imitando outros país, montar um pretensamente mais justo sistema tributário, mas é de uma complexidade tão grande que acaba ficando com cerca de 35% de toda a economia brasileira totalmente fora, na marginalidade, na economia informal.
Os grandes empresários contratam grandes escritórios para ver como é que pagam menos imposto e, de preferência, não pagam nada. E ficam, no final das contas, aos trabalhadores do mercado formal, a classe média e aos pequenos e médios empresários que não têm condição de pagar grandes advogados para pagar pouco ou nada, a responsabilidade de sustentar todo o orçamento da União, dos estados e dos municípios.
A carga tributária também seria dividida por todo o Brasil. Isso não quer dizer que você não terá impostos regulatórios, na área de exportação, importação, outro imposto para os combustíveis, para arrecadar recursos para apoio da energia limpa. Mas o grosso da arrecadação seria esse, simples e automático.
Aliás, eu observei os outros candidatos grandes. A Dilma fica em dificuldade, porque já está no poder há 12 anos e não fizeram nada. Então é difícil acreditar que vão prometer alguma coisa agora em relação à reforma tributária. O Áecio falou que vai fazer uma comissão. Aqui no Brasil a gente está acostumado a ver o sujeito fazer isso quando não quer falar o que vai fazer. E o Eduardo Campos prometeu uma reforma tributária em oito anos.
Fonte: Da redação do Jornal de Brasília