FARHAD MANJOO
DO “NEW YORK TIMES”
13/11/2015 02h03
Certa manhã de setembro, visitei o site da HelloMD, uma start-up de (empresa iniciante) medicina que promete conectar pacientes e médicos instantaneamente via internet. Registrei meus detalhes pessoais, expliquei minha doença –sofro de azia frequentemente– e preenchi o número de meu cartão de crédito para cobrir o custo de US$ 50 por consulta.
Em menos de 10 minutos, uma pediatra que trabalha perto de Washington e tem licença para praticar a medicina na Califórnia, o Estado em que vivo, apareceu em minha tela. Ela parecia estar sentada em casa –havia ursinhos de pelúcia e estatuetas de porcelana na estante por trás dela– e estava de camisa vermelha, e não de jaleco.
A doutora perguntou sobre o meu histórico médico, sintomas atuais e familiaridade com certos medicamentos. A entrevista durou cerca de três minutos, e depois disso ela anunciou aquilo que quase todos os visitantes do site HelloMD esperam ouvir: de acordo com seu diagnóstico, minha azia me tornava candidato a uma receita de maconha medicinal, que é legal na Califórnia desde 1996.
O HelloMD está na vanguarda de uma nova tendência no Vale do Silício: as start-ups de tecnologia no segmento da maconha. Com o afrouxamento das leis sobre a droga nos Estados Unidos, empreendedores e investidores estão criando novas empresas para aproveitar o que veem como uma nova oportunidade de lucros.
Como as start-ups de outros setores, essas empresas estão tentando usar a tecnologia para levar velocidade e eficiência a um mercado que há muito tempo opera cara a cara, e à base de papel e caneta. No processo, tentam também alterar as percepções convencionais sobre a indústria da maconha, abandonando a imagem ganja e rastafári a fim de cultivar uma audiência mais ampla.
“O que vemos são mães, pais, profissionais liberais, idosos, todo mundo desejando acesso à cannabis”, disse Mark Hadfield, fundador da HelloMD.
“O tipo antigo de experiência –ir a um dispensário de maconha com instalações precárias, esperar em fila– não seria atraente para o mercado que temos em mente, o dos norte-americanos comuns, mercado, aliás, que é muito maior que o velho mercado dos… não quero chamá-los de ‘chapados’, mas, digamos, jovens de mentalidade recreativa.”
Divulgação
HelloMD, uma start-up que conecta pacientes e médicos pela internet
APOSTA
As pessoas da indústria da maconha recentemente vêm afirmando que a maconha legalizada será a próxima internet, uma oportunidade de mercado irrestrita à espera de grandes marcas, dos Googles e Facebooks da maconha. Mas muitas empresas também estão descobrindo que, em um ambiente de legalidade apenas parcial, nem tudo no negócio da maconha está correndo suavemente.
Os proponentes da legalização antecipam que alguns Estados aprovem iniciativas de legalização do uso recreativo da maconha como parte da eleição de 2016. A maior presa é a Califórnia, onde uma coalizão de proponentes endinheirados, entre os quais Sean Parker, cofundador do Napster e antigo presidente do Facebook, pressiona pela legalização do uso recreativo.
“A Califórnia é o próximo grande dominó”, diz Justin Hartfield, fundador e presidente-executivo do Weedmaps, uma espécie de Yelp (aplicativo de recomendação de lugares) para os dispensários de maconha, e outro dos partidários da iniciativa californiana. “Assim que a Califórnia legalizar o uso da maconha, pouco depois teremos uma maioria de Estados nas quais o uso de maconha por adultos será legal.”
O ArcView Group, companhia que conecta investidores a empresas do ramo da cannabis, estima que o setor de maconha legalizado dos Estados Unidos gerou US$ 2,4 bilhões em vendas em 2014, 74% acima do total de 2013. A legalização conduzirá a crescimento continuado de pelo menos dois dígitos pelo resto da década, de acordo com Troy Dayton, presidente-executivo do ArcView Group.
“Esse já é o setor de crescimento mais rápido nos Estados Unidos, e quando esses novos mercados se ativarem, o impacto será imenso”, disse Dayton.
E quando milhões de novos consumidores afluírem ao mercado da maconha, as companhias de tecnologia formarão fila para lhes oferecer um meio fácil de encontrar sucesso. Elas já simplificaram bastante o processo: depois de conseguir uma receita, não tive de fazer muito mais para obter a droga.
O HelloMD me enviou por e-mail uma carta, uma “recomendação médica”, que é o equivalente de uma receita médica para maconha, afirmando que “este paciente teve diagnosticada uma séria condição médica, e o uso medicinal de maconha é apropriado”. Usando o Weedmaps, encontrei um serviço que fazia entregas domiciliares de maconha. Depois de subir uma versão digitalizada de minha licença de motorista e da carta do HelloMD para o site de um dispensário, fui liberado para fazer meu pedido, de um amplo cardápio on-line.
Escolhi o Shatter Tank, um vaporizador eletrônico de maconha, em formato de caneta, com preço de US$ 100 (mesmo para drogas, fico com a opção mais tecnológica). Cerca de uma hora mais tarde, um jovem com um leve aroma de baseado bateu à minha porta e me entregou o pacote. O processo todo parecia o de pedir uma pizza. Minha azia (que eu realmente tenho) desapareceu –ainda que seja inteiramente possível que muitos dos pacientes da HelloMD estejam distorcendo a situação real quanto às suas enfermidades.
INVESTIMENTO
Em abril, o Founders Fund, grupo de capital para empreendimentos fundado pelo investidor Peter Thiel, fez investimento multimilionário na Privateer Holdings, uma companhia de Seattle que administra diversos negócios no ramo da maconha. Entre as empresas da Privateer está a Leafly, site que oferece notícias e resenhas sobre diversos produtos de maconha, e a Tilray, que pesquisa e cultiva variedades de maconha em modernas instalações no Canadá.
“Depois de observar o setor, percebemos rapidamente que esse produto já não é contracultural, e deixou de sê-lo há anos”, disse Kennedy. Havia oportunidade, ele acrescentou, porque “as marcas que já existiam tendiam a abraçar os clichês do setor”.
O objetivo mais amplo da Privateer é se tornar algo parecido com a Anheuser-Busch InBev –ou talvez até a Coca-Cola– da maconha: a imagem amistosa, facilmente reconhecível, de um passatempo diário.
“Tudo nesse setor é mais difícil. Coisas que seriam corriqueiras para qualquer companhia de tecnologia do Vale do Silício, como abrir uma conta bancária, contratar um especialista em marketing ou encontrar um advogado que a represente, nesse setor se torna um projeto de três ou quatro meses”.
E porque o governo federal considera a maconha ilegal, muitas companhias do setor não têm licença para contabilizar despesas de negócios em suas declarações de impostos. “Todos os outros setores pagam impostos só sobre os lucros”, disse Al Gentile, presidente-executivo da SpeedWeed, uma companhia de entrega de maconha que atende a área de Los Angeles.
A SpeedWeed entrega cerca de 200 pedidos ao dia, e está crescendo, mas Gentile não está certo sobre as perspectivas de seu negócio. “Se você computar todos esses custos adicionais, as margens de lucro se tornam muito pequenas”, disse ele.
Mas a legalização é iminente –e com ela, Gentile e outros empreendedores esperam uma onda de novos clientes e investidores e uma aceitação cultural mais ampla da maconha.
Fonte: Folha de São Paulo