Se confirmadas as pesquisas de boca de urna, pela primeira vez desde a Segunda Guerra mundial, a Alemanha terá representantes de um partido nacionalista de direita com uma plataforma anti-imigração em seu Parlamento, o Bundestag.
Nas eleições gerais deste domingo, o Alternativa para a Alemanha (AfD na sigla em alemão) está se estabelecendo como a terceira maior força do poder Legislativo alemão, superando as expectativas e obtendo 13% dos votos, o que lhe conferiria 94 cadeiras – de um total de 630 -, de acordo com cálculos da emissora Deutsche Welle.
A sigla foi a que mais cresceu entre a votação deste ano e de 2013, destacou o historiador britânico Niall Ferguson, professor das universidades de Harvard e Stanford, nos Estados Unidos. O AfD conquistou 8,3 pontos percentuais a mais – há quatro anos, teve 4,7% dos votos.
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Enquanto o partido conservador de Merkel, o União da Democracia Cristã, e seu partido-irmão na região da Baviera, o União Social-Cristã, encolheram quase na mesma proporção, com 8,6 pontos percentuais a menos, passando de 41,5% dos votos em 2013 para o atuais 32,9%.
Isso os manteve na liderança e como a maior força política do país, mas é seu pior desempenho em quase 70 anos. A própria Merkel reconheceu a performance ruim ao dizer que esperava por um “resultado melhor”.
Com 20% dos votos, o Partido Social Democrata (SPD, na sigla em alemão) manteve-se na segunda posição, mas também com um desempenho pior do que em 2013, quando recebeu 25,7% dos votos. Atual parceiro de coalizão de Merkel, o partido disse que agora atuará na oposição.
“Depois de todo mundo falar que seria uma eleição alemã chata. Isso não é chato. Grandes perdas para Merkel, grandes ganhos para o AfD”, disse Ferguson.
Jenny Hill, correspondente da BBC em Berlim, diz que o resultado é um desastre para Merkel e que ela está sendo punida pelo público alemão. “Ela sabia que era a que tinha mais chances de ganhar as eleições, mas não é a vitória que ela esperava”, diz Hill.
“Essa é a pior eleição para os conservadores sob sua liderança. Talvez um veredito sobre sua decisão de abrir as portas da Alemanha para milhões de refugiados.
Protestos
O AfD foi fundado em 2013 como um partido contra os planos da União Europeia para resgatar a Grécia e outros países do sul do continente para salvar o euro e passou se manifestar contra a entrada de imigrantes e à disseminação do islamismo no país.
A chamada crise de refugiados de 2015 e 2016 fez com que ganhasse força nas pesquisas de intenção de voto. Em uma eleição regional no ano passado, o AfD chegou a ser o segundo mais votado, empurrando o partido da chanceler Angela Merkel para o terceiro lugar.
Agora, o partido terá assentos no Parlamento pela primeira vez, o que gerou fortes reações. Do lado de fora de sua sede em Berlim, manifestantes protestaram com cartazes em que se lia: “Refugiados são bem-vindos”. Também houve um ato em Frankfurt.
“O Bundestag tem que fazer políticas em prol dos interesses do povo alemão. Além disso, se Merkel quiser seguir defendendo a legalidade de suas decisões em 2015, ela deve então participart de um inquérito parlamentar sobre isso”, disse Jörg Meuthen, um porta-voz do AfD após o resultados das pesquisas serem anunciados.
“Não aceitamos racismo e xenofobia. Na verdade, esses sentimentos não existem em nosso partido.” Mas em seguida ele afirmou: “Em algumas cidades do interior da Alemanha, são só os alemães que eu vejo nas ruas.”
Beatrix van Storch, uma das líderes do partido, disse à BBC que o resultado mudará o sistema político da Alemanha, dando “uma voz” às pessoas que ela disse não ver representadas no Parlamento. “Vamos dar início a debates sobre imigração, sobre o Islã, sobre uma união cada vez mais próxima.”
Campanha contra imigração
A política francesa de extrema-direta Marine Le Pen, da Frente Nacional, tuitou para parabenizar o AfD por feito feito “histórico”. “É um novo símbolo do renascimento dos povos europeus”, disse Le Pen, que ficou em segundo lugar nas últimas eleições presidenciais da França com um discurso semelhante ao do AfD.
O partido alemão conseguiu entrar no Parlamento alemão ao capitalizar uma reação nacionalista à abertura do país a quase 900 mil imigrantes e refugiados em 2015. É particularmente forte em partes da antiga Alemanha Oriental comunista – ainda que as maiores concentrações de imigrantes não estejam nessas áreas.
O crescimento do número de imigrantes na Alemanha entre 2014 e 2015 se tornou o foco do partido. O AfD fortaleceu laços com o movimento anti-imigração Pegida, que organizou marchas semanais contra o que chamou de “islamização do Ocidente”.
O partido também adotou algumas das críticas do Pegida ao establishment, como por exemplo o slogan “Lügenpresse” (“imprensa mentirosa”), que tem ecos da era nazista. Seus membros defendem a reintrodução de controles permanentes das fronteiras do país e o “fechamento completo” das fronteiras externas da União Europeia (UE). Esta posição contradiz o acordo de Schengen – a zona de livre circulação da UE, onde os controles nas fronteiras são geralmente mínimos.
O AfD argumenta que a Alemanha deveria criar uma nova força policial de fronteira. Frauke Petry, que se afastou da liderança da legenda no início deste ano, chegou a dizer que a polícia alemã deveria, “se necessário”, disparar contra imigrantes que tentam entrar ilegalmente no país.
O partido também pede por regras de asilo mais rigorosas, especialmente de pessoas cujos países de origem sejam considerados “inseguros”. O partido argumenta que o sistema de assistência social não pode mais lidar com os requerentes que trazem membros da família para se juntarem a eles na Alemanha.
Diz que um sistema projetado para ajudar refugiados individuais está sendo explorado por migrantes não qualificados, muitos dos quais resistem à integração com os alemães.
Agenda explícita
Desde maio de 2016, o AfD dobrou sua aposta no discurso radical e adotou uma política anti-islâmica explícita. O seu manifesto nestas eleições (em alemão) tem uma seção dedicada a explicar por que acredita que “o Islã não pertence à Alemanha”.
O AfD propõe a proibição do financiamento estrangeiro de mesquitas na Alemanha, a burka (véu que cobre todo o corpo da mulher) e o “azan”, como é conhecido o chamado muçulmano para as orações diárias. Segundo o manifesto, o partido tem como projeto também sujeitar todos os imãs (líderes religiosos muçulmanos) a um procedimento de verificação pelo Estado.
Os muçulmanos “moderados” que aceitam a integração são “membros valorizados da sociedade”, diz o programa. Mas o partido defende que o multiculturalismo não funciona.
Cerca de 3 milhões de pessoas de origem turca vivem na Alemanha, a maioria muçulmana.
O AfD classifica como “degradante” o controverso acordo 2016 da União Europeia com a Turquia, que tinha como objetivo impedir o fluxo de imigrantes através dos Balcãs.
Nacionalismo ressurgente
A apenas alguns dias para as eleições, um dos principais candidatos do AfD, Alexander Gauland, causou controvérsia ao dizer que a principal funcionária do governo para assuntos de integração, Aydan Özoguz, poderia ser “largada na Anatólia (região da Turquia)”. Özoguz é alemã de origem turca.
Gauland também foi criticado por declarar que os alemães deveriam ser “orgulhosos” de seus soldados que lutaram nas duas guerras mundiais. Enquanto a Schutzstaffel (organização militar ligada ao nazismo) ficou conhecida pelas atrocididades cometidas na Segunda Guerra Mundial, as Forças Armadas regulares também cometeram muitos crimes de guerra.
Anteriormente, outro político importante do AfD, Björn Höcke, causou indignação ao condenar o memorial do Holocausto em Berlim. Ele disse que os alemães eram “as únicas pessoas no mundo que plantaram um memorial de vergonha no coração de sua capital”.
O lançamento do AfD no início de 2013 tinha como focos desafiar os planos de recuperação econômica na zona do euro e rejeitar os argumentos da União Europeia (UE) para manter a moeda. O partido ainda promete abandonar o euro e reintroduzir o marco alemão (moeda oficial anterior do país).
O principal líder do partido, Bernd Lucke, comandou um grupo de economistas que se opuseram aos resgates à Grécia e a outros países do Sul da Europa. Eles defenderam que os contribuintes alemães não deveriam ser responsabilizados por dívidas maciças de governos irresponsáveis.
Lucke deixou o AfD em 2015, argumentando que o partido estava se tornando cada vez mais xenófobo. Foi o primeiro de vários conflitos internos do partido.
A sua política antieuro está alinhada a de outros partidos de direita na Europa, especialmente a Frente Nacional (FN), na França, o Partido da Independência do Reino Unido (UKIP); e o Partido da Liberdade da Áustria (FPOe).
O AfD defende que os poderes devem retornar aos Estados-nação, opondo-se a todos os movimentos “centralizadores” na União Europeia e a qualquer coisa que se aproxime do eurofederalismo. Se a UE não for reformada e continuar centralizando o poder, o partido diz que buscará retirar a Alemanha do bloco.
Fonte: BBC