Centenas de milhares de hectares são desmatados para a construção de usinas na Amazônia. Entenda como a geração de “energia limpa” destrói a maior floresta do mundo
Altamira, no Pará, e Porto Velho, em Rondônia, têm muito em comum. Com territórios imensos, as duas cidades receberam as maiores hidrelétricas construídas na última década no país. Enquanto isso, elas também se revezavam como as cidades que mais desmatavam no Brasil. Longe ser uma coincidência, isso escancara a relação direta entre erguer hidrelétricas e destruir a natureza.
As duas cidades estão no topo do ranking do desmatamento desde 2011. Elas mantiveram o ritmo de destruição enquanto o Brasil diminuía o desflorestamento em 20% nos últimos quatro anos, segundo dados do Prodes (Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal).
Nesse período, Altamira sediou as obras da usina de Belo Monte, prevista para começar a operar em 2016. Já Porto Velho abriga as usinas de Jirau e Santo Antônio, que começaram a funcionar em 2012 e 2014, respectivamente. São municípios com territórios imensos, onde já havia desmatamento antes, mas que nunca tinham liderado a lista antes da construção das usinas.
Não são apenas elas. Outras cidades que receberam grandes hidrelétricas estão na chamada “lista negra” do Ministério do Meio Ambiente. Paranaíta, no Mato Grosso, era a 93 ª cidade que mais desmatava em 2010. Com as obras da usina de Teles Pires, em 2011, disparou para o 26ª lugar do ranking em 2014.
Nesses municípios, as usinas destruíram a floresta de duas maneiras. A primeira delas é o chamado “desmatamento direto”, quando a floresta é colocada abaixo para a construção da barragem, seus alojamentos e seu lago. A outra é o “desmatamento indireto”, causado pela chegada de infraestrutura e o aumento de população na região.
Derrubar para alagar – Uma área de floresta equivalente a mais de três municípios de São Paulo será destruída para a construção de vinte usinas hidrelétricas na Amazônia. Serão 562 mil hectares para a criação dos lagos que irão abastecer essas usinas planejadas ou em construção. Essa área terá que ser desmatada para evitar que a vegetação apodreça embaixo d’água. Um exemplo dessa destruição é a vila de Jaci Paraná, em Porto Velho.
As construtoras das hidrelétricas argumentam que o impacto desses lagos é pequeno, já que elas funcionam no regime “fio d’água”. Como este modelo usa a força do fluxo rio, a hidrelétrica retém menos água do rio e cria um lago menor do que antigas usinas como Itaipu ou Balbina. Mesmo assim, o tamanho dos novos reservatórios não é desprezível.
Veja abaixo a área alagada pelas grandes usinas em projeto, construção, ou recentemente construídas na Amazônia. O levantamento leva em consideração as usinas previstas no Plano Nacional de Expansão de Energia, que é o planejamento do governo para os próximos dez anos, e também as outras usinas previstas para a bacia do Tapajós e Jamanxim.
(Fonte: Estudos de Impacto Ambiental, sites das hidrelétricas e International Rivers)
As usinas também inundarão lugares onde não há árvores, como cidades e pastos. Mas a maioria desses lagos vai ocupar a terra onde estava a floresta. Em Belo Monte, por exemplo, 35 mil hectares terão que ser desmatados para a criação do lago – ou seja, setenta por cento da área inundada era parte da Amazônia.
Além dos reservatórios, tudo que é construído em torno das hidrelétricas também deixa buracos na floresta. Clareiras são abertas para a construção de dormitórios, estradas, linhas de transmissão e até gramados para festas. Só Belo Monte destruirá 148 hectares para alojamentos, 177 para acampamentos de funcionários, e 1.808 para outras estruturas, como a própria barragem e instalações elétricas.
As consequências desse desmatamento vão além dos hectares de onde a vegetação é retirada. Com a criação dos lagos, a mata ciliar é destruída e não se recompõe, o que prejudica árvores e animais que não conseguirão mais sobreviver e dependem daquela área. “Não interessa só quanto ela gera de desmatamento da floresta densa, o importante é que a usina está suprimindo algo importante para todo o bioma.”, diz Danicley Aguiar, coordenador do Greenpeace na Amazônia. “Quando você mexe um pouco no rio, está mexendo numa chave para a vida da floresta toda.”
Tartarugas de água-doce do rio Xingu, por exemplo, devem sumir da região de Belo Monte. Para se reproduzir, elas usam praias das margens do rio que será represado pela usina. Com o novo regime da água e a nova vegetação que irá surgir no local, isso não será mais possível.
Madeira desperdiçada – A porção da Amazônia que abrigará a usina poderia ser um oásis para a indústria madeireira legalizada: dezenas de milhares de árvores nativas de alto valor com autorização para a derrubada. A madeira extraída dessas áreas, segundo as normas do Ibama, deveria ser doada ou comercializada por serrarias certificadas para uso dentro da obra ou em infraestruturas públicas. Dessa forma, ajudariam a abastecer o mercado da região, poupando árvores de florestas preservadas. Somente em Belo Monte, segundo projeção do Plano Básico Ambiental da obra, devem ser retirados 3,9 milhões de metros cúbicos de vegetação.
Mas a riqueza da floresta tem sido desperdiçada. Depois de removida, é comum que as toras fiquem abandonadas em depósitos até estragar. Em Belo Monte, troncos foram incinerados. Em Teles Pires e no Rio Madeira, mognos e castanheiras não foram removidos e apodreceram no meio do lago.
Fonte : Repórter Brasil