A equipe de reportagem da Fundação Verde Herbert Daniel entrevistou Vera Motta, advogada responsável pela secretaria de Assuntos Jurídicos do Partido Verde e estudiosa do meio ambiente e seus direitos. Vera, além de ser uma das fundadoras do Partido é uma das mais atuantes militantes do PV.
A pauta diz respeito a iminente extinção dos orangotangos por conta de ações humanas, mas também trata de uma decisão vitoriosa para o direito dos animais. Em suas declarações, Vera cita a importância que a sociedade tem no papel de colaborador para que a natureza permaneça em equilíbrio.
FVHD: Diante dessa decisão histórica para os direitos animais e referente aos seus estudos sobre a natureza (meio ambiente) como sujeito de direito em todas as relações contratuais humanas, quão significante é essa decisão judicial?
Vera Motta: Desde 1989 acompanho a questão como uma bandeira existencial. Não posso adentrar na questão da “orangotando” fêmea, “Sandra”, sem tecer algumas considerações. O orangotango – cujo nome vem de duas palavras da língua malaia que, juntas, significam “pessoa da floresta”, é um gênero de exclusivamente duas espécies asiáticas de Grandes primatas.
Oportuno citar Michel Serres que, ao tratar do Contrato Natural, faz alusão ao direito de propriedade e a similitude com o parasitismo, que a tudo agarra sem nada oferecer em troca, condenando o hospedeiro – a natureza – ao desaparecimento. Nesse contexto insere-se a necessidade de uma reformulação no Contrato Social, aliando a ele o Contrato Natural, ensejando um Pacto em prol de um novo modelo de convivência, através do qual o meio ambiente passe de ‘objeto’ a ‘sujeito’ de direitos.
Há necessidade premente de uma legislação que fortaleça o papel do Poder Público e da sociedade, guardiões da defesa e preservação do meio ambiente. Impõe-se uma reforma constitucional que assegure a efetividade da norma, para que não seja meramente programática.
O artigo 225 da Constituição, “caput”, estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.
Temos, portanto, a consagração desse direito constitucional. Temos direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Entretanto, a efetividade desse direito depende dos seus próprios detentores, a coletividade. Não há como separar o ser humano e a natureza, ambos estão coligados em uma relação de simbiose, fazendo uma nova referência a Michel Serres. O homem tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, mas o meio ambiente apresentar-se-á ecologicamente equilibrado a partir do momento que o próprio homem o mantenha dessa forma. Inviável que se usufrua e se beneficie desse direito, esvaziando o seu próprio conteúdo. Termo recorrente aplicável à espécie, nesse ínterim, é a sustentabilidade.
A abrangência de meio ambiente, ou natureza, é de grande quilate. Toda a vida no planeta, animais e plantas, biomas, ecossistemas, compõe este “sujeito” de direitos. Muitos estudiosos fizeram a indagação da “voz” que trataria da questão. Somente surdos não ouvem: o desparecimento das espécies, o desmatamento, a interferências geográficas (desvios de córregos e rios, ocupação de áreas de mananciais, emanação de gases poluentes) geram a nossa própria extinção. O aquecimento global tão evidente, as superondas (tsunamis), a falta de chuva em alguns lugares e alagamentos e enchentes em outros, o desequilíbrio hoje vivido pela humanidade, tem como única alternativa o chamamento para a mudança de modelo. Ou respeitamos ou morreremos todos os “humanos”.
Assim, destacar e preservar a liberdade e vida dos animais todos, dondo incluo “Sandra”, é também parte do modelo do Contrato Natural. A voz da orangotango já esta propalada, através do reconhecimento de que não é um objeto e sim um ser vivo que tem função de equilíbrio, é nela que devemos espelhar nossa própria sobrevivência.
FVHD: Você acredita que o Brasil será atingido por essa nova visão sobre a natureza e seus animais?
Vera Motta: Tenho feito trabalho anônimo nas universidades e observo que o povo brasileiro tem essa visão. Aliás, meus avós foram ambientalistas, só não sabiam que tinham essa titularidade. Temos um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) pronto e enviado para análise dos nossos parlamentares, anterior à mudança constitucional no Equador e Argentina. A diferença brutal é o Brasil operando esse novo “pacto – sócio ambiental”.
FVHD: Você acredita que essa decisão abre o caminho tão sonhado, não só para os grandes primatas, mas também para todos os animais aprisionados injusta e arbitrariamente nos zoológicos, circos, centros de pesquisa, parques aquáticos e outros centros de exploração animal?
Vera Motta: Muitas das espécies foram extintas pelas mãos dos homens. Muito embora existam também fatores que nos ultrapassam, como as grandes mudanças planetárias nas eras glaciais, estudos de astronomia mostram, também, que o aquecimento global é fruto de conjuntura cósmica dos planetas que são atraídos pelas estrelas, no caso da Terra pelo sol. Claro que naquilo que nos concerne e pertine, temos que fazer o nosso melhor para não interferir no curso natural da vida. “Panis et circenses” não são necessários hoje, com o sacrifício de animais. Parte das distrações e diversões disponibilizadas em outras formas, tecnológicas inclusive, cuidam dessas necessidades e a nossa vocação é de volta às hortas e jardins nas metrópoles e megalópolis!
Fonte : Fundação Verde