Quando olho para processos políticos/eleitorais tenho sempre em mente a questão democrática como um valor essencial. O grau de aceitação das liberdades democráticas básicas e a aceitação como natural a alternância de poder. Hoje governo, amanhã oposição e não achar isto nenhum fim do mundo! Em seguida olho os resultados do ponto de vista da sustentabilidade. A economia ¨reina¨ sozinha ou a orientação é o equilíbrio dos três ¨reinos¨ econômico/social/ambiental?
A ditadura materialista da economia é o caminho pavimentado para o desastre social e ambiental, um programa, um crescimento em direção ao inferno na terra. No caso específico dos processos políticos/eleitorais na Europa, este pequeno continente tão influente para o bem e para o mal na história da humanidade, a preocupação é a preservação e progresso da Comunidade Européia de nações. Para eles europeus e para todos nós, dos outros continentes. As posições pró Europa e anti Europa são para mim de significado muito decisivo para o século XXI.
Coloco isto de forma transparente para que você possa avaliar e relativizar meus comentários sobre a eleição grega de 25/01/2015. A política de austeridade na Europa virou o bicho papão atacado sem tréguas seja pela extrema direita,como pela extrema esquerda. É o mote também para todo tipo de resistência nacionalista saudosista de ingleses, franceses, espanhóis, italianos, etc. Ora, eu me pergunto se pode haver neste período que vivemos, no caso específico da Europa, uma orientação totalmente diferente desta?
A Europa nos últimos quatro séculos viveu acima de suas posses. Isto mesmo. As custas da América, da Ásia, da África e da Oceania. Foi a locomotiva da revolução industrial, do capitalismo, do socialismo e construiu nos seus estados nacionais, núcleos de impérios coloniais, os chamados estados de bem estar social, atingindo uma qualidade de vida sem paralelo na história da humanidade. Isto começou a ruir. Veio a descolonização e, sobretudo veio a nova e moderna onda de globalização.
Lenta, mas inexoravelmente os recursos econômico e sociais vão se distribuindo mais equitativamente pelos 5 continentes. Até a desigualdade ainda absurda e inaceitável também está se distribuindo pelos 5 continentes na riqueza e na pobreza. A Europa tem que se adaptar a esta nova realidade e ajudar o resto do mundo a diminuir a desigualdade e evoluir para uma vida sustentável, simples, digna, equilibrada.
Como já dizia Gandhi dividindo melhor todos viverão melhor. Isto é bom. Além disto, a crise climática e a finitude dos recursos naturais exige também uma vida mais simples e equilibrada. Falo simples e equilibrada e não de pobreza ou privação ou de desigualdade abjeta.Precisamos de inteligência, pesquisa, investimentos para a evolução ambiental da agricultura, pesca, indústria, mineração, etc. E mudanças no padrão de consumo. Assim uma política de austeridade moderada, não dogmática e extremista é algo lógico para a Europa numa perspectiva mundial.
O problema é que tudo demais é veneno! É o que parece que está ocorrendo por lá . O próprio Banco Central Europeu andou acordando para esta realidade e anunciou agora no início do ano um programa de 1 trilhão de euros para nos próximos anos, num ritmo de 60 bilhões de euros por mês, para comprar dívidas nacionais e assim injetar euros nas economias dos países da comunidade para estimulá-las, evitar a deflação e baixar o desemprego. No caso da Grécia em particular a dose de virtude transformada em veneno foi muito longe e está asfixiando o país.
É claro, não vamos nos esquecer, que os últimos governos eleitos livremente pelos gregos eles próprios foram particularmente infelizes e incompetentes. De forma que não era possível continuar descendo ladeira abaixo como estavam. Isto explica a ascensão meteórica e a vitória no dia 25/01/2015 do grupo político Syriza que contesta fortemente a inércia dos partidos tradicionais de esquerda e direita diante da forma como a política de austeridade européia era conduzida no país.
Na verdade a Grécia já aderiu em 2001 a comunidade européia com grandes dificuldades sociais e econômicas e apesar das ajudas recebidas nunca se firmou de fato. Mesmo assim é bom lembrar que seu PIB per capita com toda crise é mais do que o dobro do nosso. Mais do que dez vezes o PIB per capita de muitos países pobres pelo mundo afora! A vitória do Syriza é uma tentativa de reação de uma parcela da sociedade grega. Falo de parcela porque ele foi votado por pouco mais de 1/3 dos votantes. Embora seja verdade que outros críticos da política européia como a extrema direita Aurora Dourada teve mais 6%, a direita nacionalista Gregos Independentes mais 4% e os Comunistas mais 4%. Ou seja, somando tudo isto dá mais de 50% com certa folga.
Observação curiosa é que o Syriza cresceu às custas dos outros partidos de esquerda e centro esquerda europeístas. A extrema direita e os conservadores mantiveram integralmente seu eleitorado.A meu ver a Comunidade Européia e o novo governo devem dialogar para socorrer de imediato a Grécia no que o Syriza chama de crise humanitária (pobreza, fome, saúde, moradia, etc). E chegar a um novo equilíbrio mais realista da dívida grega que permita alguma retomada da atividade econômica.
Suponho que isto tem alguma chance de acontecer…Preocupa-me se o Syriza que está tendo sua vitória plenamente reconhecida e respeitada terá maturidade democrática para enfrentar uma conjuntura tão difícil sem cair em tentações de surtos leninistas que algumas de suas origens devem manter adormecidas. A união inicial com os Gregos Independentes, um partido de direita nacionalista e antieuropeu foi um mau sinal.
A retórica antialemã também é um sinal perigoso de demagogia nacionalista e antieuropéia. A Alemanha tem jogado um papel decisivo na construção da Europa unida, pacífica, voltada para a sustentabilidade e combate ao aquecimento global. E fez isto partindo do zero destruída pela guerra que ela mesmo provocou. Com muito trabalho reconstruiu o país e depois na década de noventa também recuperou a sua parte oriental entregue devastada após a derrocada da ditadura comunista. Enfim ela é hoje a principal âncora da Comunidade Européia. E a Comunidade Européia é hoje um espaço precioso de cultura de paz depois
de ter sido por anos a fio da história recente uma usina de cultura da guerra e violência e sempre arrastando o resto do mundo nas suas aventuras bélicas.Preservar, democratizar, torná-la mais justa , mais sustentável é a tarefa dos europeus de todos os seus países. Resistir as tensões centrífugas, desagregadoras, nacionalistas, xenófobas de grupos de direita e de esquerda é importante para o continente e para os demais continentes. É a Comunidade Européia que pode dar o exemplo mais concreto de que devemos perseguir uma federação democrática de nações a partir da atual estrutura da ONU e impedir a perigosa polarização em torno de superpotências recicladas com Estados Unidos e China.Enfim é importante que Grécia e Comunidade cheguem a um entendimento. E que o exemplo de uma Grécia dissidente não estimule forças desagregadoras muito mais poderosas na França, Inglaterra, Espanha, etc.
A posição da Federação dos Partidos Verdes europeus é fortemente pró Europa. É fortemente por mais Europa e não menos Europa. Uma Europa mais equilibrada, mais solidária, mais igualitária, mais sustentável, mais democrática, na vanguarda da economia verde. Mais Europa e menos saudosismos e preconceitos nacionalistas e xenófobos. Os verdes são também por uma Europa ativa em todo o cenário mundial na defesa destas orientações.
A presença do Partido Verde grego na coligação e governo Syriza deve ajudar, no limite das suas forças, para que a Europa e a Grécia superem suas dificuldades e continuem envolvidas no seu belo projeto federativo.
Fonte : Eduardo Jorge