Em documentos enviados à Justiça, siglas dizem que darão preferência a atuais deputados
A análise da documentação entregue pelos partidos ao TSE como requisito para receber o fundo eleitoral revela o poder dos caciques na distribuição dessa verba pública. Isso chega a incluir situações em que homens serão responsáveis por escolher as mulheres beneficiadas.
O fundo, de R$ 1,7 bilhão, foi criado para financiar candidaturas depois que as doações de empresas foram proibidas.
A três semanas do início da campanha, só 12 dos 35 partidos enviaram ao tribunal os critérios que adotarão para distribuir os recursos entre seus candidatos.
Até esta segunda (23), o tribunal recebeu a documentação de PSDB, DEM, PSB, PSD, PP, PR, PRB, PSOL, PPS, PMN, PRTB e Patriota. Seis deles, contudo, poderão ter de sanar problemas, como assinaturas sem firma reconhecida e dados incompletos.
Os documentos mostram que as siglas optaram por investir em políticos com mandato e rechaçaram dividir igualmente os recursos entre seus candidatos.
Como a lei que criou o “fundão”, aprovada no Congresso em 2017, não estipula como deve ser a divisão interna, o TSE não pode interferir. Não há sequer como exigir que as direções sigam os critérios criados por elas mesmas, porque a legislação não prevê sanções.
A única exigência objetiva é que cada partido destine, no mínimo, 30% para candidaturas de mulheres.
Na resolução entregue ao TSE, o PP estipulou que os homens indicarão as candidatas mulheres que desejam beneficiar. A direção nacional do PP definiu que, para atingir os 30% exigidos, os homens abrirão mão de uma parte que seria deles.
Assim, um homem vai indicar a mulher que quer que receba a parte subtraída da dele.
Dois especialistas ouvidos pela Folha sob condição de anonimato disseram que esse critério, que subordina a mulher ao homem, subverte o objetivo da regra, que era fomentar a participação feminina na política.
O tesoureiro do PP, deputado Ricardo Barros (PR), afirmou que a opção do partido, na verdade, privilegia as mulheres. Segundo ele, uma candidata a deputada, por exemplo, receberá sua parte do fundo, como qualquer outro postulante à Câmara, e mais o que os candidatos homens lhe repassarem.
A sigla decidiu que vai dar R$ 2 milhões para os deputados federais, de qualquer gênero, que forem tentar a reeleição. O PP é um dos 12 partidos que já remeteram ao TSE seus critérios de distribuição interna do “fundão”. A campanha começa em 16 de agosto.
O PP também resolveu premiar os que, no mandato vigente, votaram seguindo a orientação da bancada.
O deputado que tiver votado contra o projeto que instituiu o “fundão” perde 50% dos R$ 2 milhões. Já o que tiver sido contra o impeachment de Dilma Rousseff perde 15%.
Se um deputado do PP não quiser tentar a reeleição, pode transferir os R$ 2 milhões a que teria direito ao nome que indicar —o que perpetua sua influência na disputa.
O PSB escreveu que “a distribuição de recursos será feita pela direção nacional, levando em consideração a prioridade de reeleição dos atuais mandatários”.
Nenhuma sigla estabeleceu divisão igual entre seus postulantes, assunto que chegou a ser debatido no Congresso quando o “fundão” foi criado, mas não passou.
O PSD, por exemplo, criou apenas tetos de financiamento —R$ 1,4 milhão para senador e R$ 1,05 milhão para deputado federal. “A distribuição será feita conforme a estratégia partidária local, considerada a viabilidade e o potencial eleitoral”, definiu.
O PSOL fez uma lista de “reeleição e puxadores de votos” que terão seu quinhão: Marcelo Freixo (RJ), Jean Willys (RJ) e Luiza Erundina (SP) vão receber R$ 299,8 mil cada.
“Defendo que haja critérios como: quem está exercendo mandato recebe um pouco a mais. Mas tem que chegar a todo mundo”, diz o advogado Arthur Rollo, especialista em direito eleitoral. “Quem não se conformar com esses critérios pode impugnar na Justiça Eleitoral”, afirma.
As eleições deste ano terão um volume de recursos públicos jamais visto. Só do “fundão” será R$ 1,7 bilhão, mais o que os partidos tiverem guardado do fundo partidário, distribuído ao longo do ano.
Em 2014, o financiamento público foi de R$ 192 milhões do fundo partidário. O valor subiu dez vezes, mas a equipe que vai fiscalizar esses recursos no TSE continua a mesma, com 11 servidores.
Fonte: Folha de São Paulo