De origem indígena, Kaká Werá é filiado ao Partido Verde há sete anos, secretário de políticas indígenas no partido, Kaká leciona desde 1998 na Universidade da Paz (UNIPAZ), instituição de ensino superior que tem sede em Brasília e possui núcleos em diversos estados do Brasil. O índio paulistano também é o fundador do Instituto Arapoty, voltado à difusão dos saberes indígenas por meio da educação e de saberes sociais, e faz parte da rede Ashoka de Empreendedores Sociais. Neste Dia do Índio Kaká concedeu a entrevista para o site do PV e falou sobre o atual momento pelo qual passam as etnias indígenas, o papel do Estado neste contexto e a importância de políticas e atitudes verdes na educação de novos saberes.
Como você avalia, no recorte de direitos humanos, a situação de indígenas, na atualidade, sob a pressão de grandes obras de infraestrutura, como hidrelétricas, e Projetos de Lei e ações governamentais de diminuição de terras indígenas?
Kaká Werá: A pressão de grandes obras de infraestrutura em locais que por direito é destinado à povos indígenas ou à preservação ambiental é uma ação permanente e desestruturante social e ecologicamente não somente para as comunidades locais, mas para todos nós. Quando eu digo “nós” eu quero dizer todos os brasileiros em particular e todos os seres humanos em geral. Parece exagero, mas atualmente temos a própria ciência para demonstrar o estrago global quando um pedaço de ecossistema é destruído. Não sou contra obras de infraestrutura, mas atualmente temos tecnologia e inteligência para realizar obras de mínimo impacto e ecologicamente viáveis. De modo que essa questão ultrapassa a linha dos direitos humanos. Essa questão é de uma ordem bem maior, envolve um paradigma civilizatório. Que é, de um lado o desenvolvimento impulsionado pela cobiça e ganância, e do outro lado um desenvolvimento baseado no cuidado ambiental e no respeito à pluralidade de culturas tradicionais.
Com relação aos Projetos de Lei de diminuição de terras indígenas, eles estão baseados em uma patologia que domina parte dos congressistas: ignorância vestida de corrupção e ganância. Observe que todos os que defendem a diminuição de terras são os mesmos que amealharam milhões de empreiteiras e que estão na temida lista da Lava Jato. São indivíduos decadentes moral e eticamente, mas que se arvoram e se fortalecem de conluios no poder legislativo. Nesse sentido, temos que fazer um esforço muito grande, enquanto sociedade civil, para tirá-los de lá pelo voto consciente.
O que difere os períodos anteriores passando pelo descobrimento, colonização e governos no tocante ao contexto indígena do Estado Democrático de hoje e seus direitos conquistados? – Há armadilhas nesse no suposto Estado de Direito, em sua avaliação?
Kaká Werá : Da época da colonização para cá houve até certa evolução no relacionamento com os povos indígenas. No início, foram escravizados, depois com a substituição pela escravização africana foram perseguidos para serem mortos e desde esse momento foram considerados “estorvo” para o progresso. Somente depois da metade do século XX é que começou a haver um interesse mais humanista pela diversidade étnica brasileira. Com o advento da democracia também vem o movimento de cidadania indígena. O nosso desafio hoje é sair da armadilha assistencialista que o Estado promove e ganhar autonomia social. Não dá para a sociedade continuar ignorando o índio cidadão: que estuda, se forma e que adquire novos conhecimentos antes privilégios somente de uma falsa sociedade “branca” e que mantêm os valores fixos nas suas raízes ancestrais e sagradas.
Durante a semana haverá diversas manifestações pelo País tendo seu ápice nesta quarta-feira (19), Dia do Índio, para alertar a sociedade dos retrocessos e ameaças aos direitos indígenas. Como será a atuação da Secretaria de Políticas Indígenas do Partido Verde?
Kaká Werá : Durante a semana dedicada ao “índio” diversas organizações das mais variadas matizes ideológicos estão preparando atos públicos. O que todas têm em comum é alertar para o perigo que estamos passando com a possibilidade de vermos os Projetos de Lei que destroem a natureza e desestabiliza mais ainda as comunidades indígenas se tornando oficiais. Queremos alertar a sociedade brasileira que esses projetos beneficiam somente três tipos de pessoas: os executivos de empreiteiras, e os produtores de veneno para a terra, que chamam de “agrotóxicos” e os interessados em minério do subsolo amazônico. E podem ter certeza que os possíveis lucros monetários advindos disso não serão compartilhados com o cidadão comum e honesto, seja ele de classe baixa, média ou mesmo alta. Quem se beneficia é meia dúzia de pessoas que nem no Brasil vivem.
A Secretaria de Assuntos Indígenas do Partido Verde dialoga com algumas frentes como a Articulação de Povos Indígenas do Brasil (APIB), Ongs como o Instituto Arapoty e Instituto Uka, que reúne pensadores e intelectuais indígenas do País e promove algumas rodas de conversas entre Brasília e São Paulo buscando dialogar estas questões com a sociedade civil. Utilizam para isso, dos espaços culturais e das escolas, com apresentações de cinema e literatura produzida por cidadãos indígenas como estratégia para promover reflexões.
Faça uma reflexão análise sobre a atual situação das etnias indígenas do Brasil e deixe uma mensagem final em referência ao Dia do Índio.
Kaká Werá : O Estado brasileiro viciou durante o período do militarismo no Brasil e até o presente momento o assistencialismo barato que causou uma enorme dependência social de muitos povos indígenas. Hoje, o governo não dá conta nem de suprir essa política assistencialista. Infelizmente, muitas lideranças indígenas exigem o retorno desse tipo de política pública que representa um retrocesso tanto para a própria cultura indígena como para a sociedade brasileira como um todo. A Secretaria de Assuntos Indígenas do Partido Verde defende o desenvolvimento e a valorização da economia criativa através da arte, do artesanato e do conhecimento como uma estratégia para a emancipação de pessoas e comunidades indígenas tanto nas regiões que se limitam entre a floresta e as cidades como nos centros urbanos. Com isso, queremos transmitir a seguinte mensagem: a sociedade que queremos deve ser sustentável: social, ecologica e economicamente.
Fonte: Camila Caetano p.Sec/Comunicação do PV