As mudanças que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, impôs ao processo de autuação de crimes ambientais realizado pelo Ibama viraram alvo de um decreto legislativo na Câmara que visa suspender seus efeitos. Pela nova norma, as infrações terão de passar por autorização de um superior do agente de fiscalização que aplicar a punição, antes de serem confirmadas, passando por fases que, até então, incluíam a tramitação anterior com os próprios fiscais.
A avaliação dos parlamentares, alinhada ao que pensam os próprios servidores do Ibama, é de que as mudanças no processo inviabilizam a emissão de multas contra crimes ambientais e podem paralisar o trabalho que é realizado em campo pelos agentes.
No documento assinado pelos deputados Israel Batista (PV-DF), Célio Studart (PV-CE) e Leandre (PV-PR), o Projeto de Decreto Legislativo tem o propósito de sustar a Instrução Normativa Conjunta 01/2021, publicada no dia 12 de abril. A norma foi assinada por Salles e pelos presidentes do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, e do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), Fernando Lorencini.
“A presente Instrução Normativa Conjunta não defende e nem preserva o meio ambiente, ao contrário, praticamente, extingue qualquer ação neste sentido. O Parlamento brasileiro não pode ser eximir deste enfrentamento, e nem ser conivente com este ato, e deve sustar as normas do Poder Executivo que extrapolem seu poder regulamentar”, afirmam os deputados, ao justificarem o pedido.
A análise dos parlamentares é de que “a nova regra beneficia os infratores, coage os servidores e não irá surtir efeitos relevantes para conter as infrações ambientais, e mais, ainda coloca em risco toda a seriedade, transparência e credibilidade do processo ao se permitir as modalidades de multas abertas e indicadas, cujos valores são definidos, não no ato da fiscalização, mas sim posteriormente, depois de uma avaliação, abrindo margem, a interpretação de que a nova norma transforma, real e infelizmente, o Ibama e o ICMBio, em balcões de negócios”.
Uma nota informativa enviada pelos analistas ambientais do Ibama de Minas Gerais à Diretoria Técnica Ambiental do Ibama, em Brasília, também aponta uma série de fragilidades nas mudanças. No documento, que é assinado por 27 servidores que atuam na linha de frente desses processos, os analistas ambientais alertam que a nova norma “tornou impraticáveis os procedimentos vinculados à fiscalização ambiental, provocando o risco de paralisia imediata das atividades”.
A avaliação técnica dos agentes aponta que as alterações produzem “insegurança jurídica”, além de conter “vício de forma a todos os procedimentos de fiscalização registrados”. Por isso, os agentes ambientais federais pedem à chefia do Ibama, em caráter de urgência, que seja feita a “revogação da referida norma nos moldes estabelecidos”, diante da “incompatibilidade apresentada pelos novos procedimentos para lavratura de auto de infração”.
A publicação das mudanças ocorre no momento em que Salles é acusado pelo chefe da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva, de atuar para favorecer madeireiros ilegais e grileiros de terras.
Questionado sobre o assunto, o ministro negou que as mudanças vão engessar o trabalho dos agentes de fiscalização. “Não é nada disso. Quem faz a confirmação dos atos é o Ditec (diretor técnico ambiental), técnico de carreira do Ibama. Já é assim hoje em dia, porém, sem prazo”, declarou.
Não é o que dizem os agentes que vão a campo e trabalham diretamente nas operações. Segundo os profissionais, há diversas inconsistências na norma que afetam a emissão dos autos de infração, além das etapas a serem seguidas para preenchimento dos formulários utilizados.
Os profissionais mencionam, por exemplo, que a regra impõe a elaboração de um relatório de fiscalização antes do auto de infração. No entanto, o sistema de auto de infração eletrônico do Ibama não possui ferramenta para emissão do relatório antes da lavratura dos documentos. “Torna-se impossível a emissão de relatório de fiscalização de modo preparatório ou concomitante ao auto de infração”, afirmam.
As regras indicam ainda que cada multa deve passar por uma “autoridade hierarquicamente superior” e indica o prazo de cinco dias para análises de infrações administrativas. “É sabido que as atividades fiscalizatórias são de alta complexidade, o que faz com que tais orientações inviabilizem diretamente o trabalho, bem como a atuação do agentes na apuração dos ilícitos”, alertam os servidores. Hoje há cerca de 130 mil processos de infração ambiental no Ibama, os quais somam aproximadamente R$ 30 bilhões em multas aplicadas por fiscais.
Para que o projeto de decreto legislativo avance, precisa passar por comissões, para então ser votado em plenário. Uma vez aprovado, é suspenso o ato do poder Executivo, sem a necessidade de passar pela sanção presidencial.]
Fonte Estadão