O Supremo Tribunal Federal deverá começou a decidir na tarde de quinta-feira (13) se o porte de drogas para consumo pessoal deve continuar sendo um crime no Brasil. A decisão terá “repercussão geral”, ou seja, terá de ser adotada em casos semelhantes nas instâncias inferiores do Judiciário.
O julgamento poderá acabar, por exemplo, com a punição penal para usuários de maconha flagrados com pequena quantidade da droga para uso próprio.
Atualmente, o usuário de drogas não é condenado à prisão – como o traficante – mas pode cumprir penas alternativas, como advertência, prestação de serviços à comunidade ou comparecimento a programa ou curso educativo.
Os 11 ministros da Corte vão se debruçar sobre o caso de um mecânico que assumiu ser dono de três gramas de maconha, encontrados por agentes penitenciários na cadeia em que ele estava preso. O fato ocorreu em julho 2009. Francisco Benedito de Souza, na época casado e com 49 anos, foi condenado à prestação de serviços à comunidade por dois meses.
A sentença foi mantida na segunda instância, e a Defensoria Pública de São Paulo, que assumiu a defesa de Souza, levou o caso ao STF. Na ação, o órgão alega alega que a criminalização do porte da droga para uso pessoal contraria o direito à intimidade e à vida privada do indivíduo, princípio firmado na Constituição.
“À conduta de portar drogas para uso próprio falta a necessária lesividade. Deveras, o comportamento tido pelo legislador ordinário como criminoso retrata apenas o exercício legítimo da autonomia privada, resguardada constitucionalmente pelo direito à vida íntima. O porte de drogas para uso próprio não afronta a chamada ‘saúde pública’ (objeto jurídico do delito de tráfico de drogas), mas apenas, e quando muito, a saúde pessoal do próprio usuário”, argumenta a Defensoria.
Se a decisão for favorável, o STF poderá declarar inconstitucional o artigo 28 da Lei Antidrogas, que define como crime “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal”.
Apesar de se dar sobre um caso individual, a decisão terá “repercussão geral”, isto é, terá de ser aplicada em processos iguais em instâncias inferiores.
O relator do caso, responsável pela análise da ação, é o ministro Gilmar Mendes, mas a decisão final depende do voto da maioria dos 11 integrantes do STF. O julgamento pode ser interrompido, no entanto, por um pedido de vista – quando um ministro precisa de mais tempo para analisar o caso e trazer seu voto em outra sessão.
Além da Defensoria Pública e da Procuradoria Geral da República, estão aptos a se manifestar antes da decisão várias entidades que se apresentaram como “amicus curiae” (amigos da Corte), para opinar sobre o caso embora não sejam parte na ação.
Entre elas, estão a ONG Viva Rio, a Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD), a Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos (Abesup), o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), a Conectas, Instituto Sou da Paz, Instituto Terra, Trabalho e Cidadania e a Pastoral Carcerária.
Uma das possibilidades aventadas por especialistas e outros ministros para a decisão é que o STF defina quais drogas e quais quantidades configuram porte para uso pessoal. O desafio é estabelecer critérios que diferenciem o usuário do traficante.
A Lei Antidrogas diz que para fazer essa distinção, o juiz de primeira instância deve observar também o local e as condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
Questionado sobre o assunto nesta quarta, o ministro Marco Aurélio Mello afirmou que tal definição deve ficar a cargo do juiz de primeira instância ao analisar cada caso individualmente, analisando vários elementos e não só a quantidade.
“Não podemos dizer que quem porta pequena quantidade de drogas é simplesmente usuário. Geralmente, o traficante esconde porção maior de droga e só porta aquela que entregará ao consumidor”, afirmou.
Também membro da Corte, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que o debate no STF vai influenciar na definição da política de drogas no país. A questão, disse, deverá levar em conta “singularidades” do Brasil.
“Os países de primeiro mundo estão preocupados predominantemente com o consumidor. No Brasil, acho que a questão de droga tem que levar em conta em primeiro lugar o poder que o tráfico exerce sobre as comunidades carentes e o mal que isso representa”, afirmou.
“Em segundo lugar, um altíssimo índice de encarceramento de pessoas não perigosas decorrente dessa criminalização. E em terceiro lugar também a questão do usuário. Não é um debate juridicamente fácil nem moralmente barato, mas precisa ser feito”, completou.
Fonte: G1