Sob críticas de juristas e do Ministério Público, será votado nesta terça-feira o relatório do deputado Paulo Teixeira (PT-SP) que revisa a redação da medida provisória que trata dos acordos de leniência. Na avaliação de procuradores e especialistas, o relatório piora o texto da MP 703, de dezembro de 2015, ao excluir a prática de cartel como objeto dos acordos e restringi-la a investigações do Cade, o órgão de defesa da concorrência. Entre as irregularidades cometidas pelas empresas denunciadas pela Lava-Jato está justamente a combinação de preços em licitações públicas, que caracteriza o cartel.
Acordo de leniência é aquele em que uma empresa envolvida em ilegalidade, em troca de redução da pena ou da eliminação das multas, denuncia o esquema ilegal e se compromete a auxiliar um órgão público na investigação. O dispositivo é semelhante às delações premiadas, mas envolve exclusivamente pessoas jurídicas. A construtora Andrade Gutierrez, investigada pela Lava-Jato, acaba de firmar um acordo nesses termos.
O dispositivo está previsto na Lei Anticorrupção, de 2013. Em dezembro do ano passado, a presidente Dilma Rousseff editou a MP 703, alterando alguns itens da lei. A votação desta terça-feira será na Comissão Mista criada para emitir parecer sobre essa MP, que caduca em 29 de maio. O relatório de Teixeira ainda tem que ser aprovado em plenário na Câmara dos Deputados e no Senado para que o texto original da Lei Anticorrupção seja modificado.
COMPARTILHAMENTO DE PROVAS
Além de excluir o cartel da possibilidade de acordo de leniência, o parecer do deputado enfraquece o papel do Ministério Público na investigação e exclui do texto original da lei a confissão de crime como pré-requisito para celebração de acordo.
— A MP 703 é um escândalo legislativo, agravado pelo relatório do deputado Paulo Teixeira. Ela legaliza a corrupção. Esvazia o papel do MP, não exige que as empresas confessem seus crimes e joga a prática de cartel exclusivamente para o Cade — avalia o jurista Modesto Carvalhosa.
A Lei Anticorrupção previa, no seu artigo 16º, que “a autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública” podia celebrar acordo de leniência com as empresas. A MP 703 mudou a redação desse artigo, dando poder à União, aos estados e municípios de firmar acordos de leniência, “por meio de seus órgãos de controle interno, de forma isolada ou em conjunto com o Ministério Público ou com a Advocacia Pública”. O Ministério Público, no entanto, tomaria ciência do processo administrativo, após sua instauração. A proposta de Teixeira manteve a possibilidade de os acordos serem firmados “de forma isolada” e ainda prevê que o MP tome ciência do processo “após conclusão do procedimento administrativo”.
— A MP é um desvio de finalidade da Lei Anticorrupção. Compõe justamente para evitar a ação do Ministério Público. É o velho acordão imaginado pelo ex-ministro Márcio Thomaz Bastos. Esperamos que não seja votada — diz o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos porta-vozes da Lava-Jato.
Na última sexta-feira, o procurador Deltan Dallagnol, um dos líderes da Lava-Jato, fez duras críticas à MP e afirmou que o parecer de Teixeira era “uma aberração”. Os procuradores criticam a previsão do parecer de que, salvo no caso de má-fé ou de descumprimento do acordo de leniência, as informações e documentos fornecidos pelas empresas para obtenção de acordo não poderão ser usados como prova em outros processos .
PRESERVAÇÃO DE EMPREGOS
O deputado Paulo Teixeira rebate as críticas. Diz que excluiu a prática de cartel do escopo da MP para “evitar duplicidade de investigações” e nega que proponha o esvaziamento do Ministério Público:
— Há dois pilares nessa MP: a punição à corrupção e a preservação dos empregos. Ela não interfere na Lava-Jato nem tira o MP do processo. Mas a CGU (Controladoria Geral da União) é o órgão de controle do Executivo que deve ficar a cargo do procedimento.
A preservação de empregos foi o argumento usado pelo governo para editar a MP 703 e é a bandeira levantada por quem defende a medida, como o jurista Yves Gandra Martins, que fez parecer a pedido da Odebrecht, investigada pela Lava-Jato.
— A função social da empresa está acima da intenção dos empresários e deve ser preservada.
Para Heleno Torres, professor de Direito Financeiro da USP e que participou de audiências públicas sobre o parecer de Teixeira, além do ressarcimento integral do dano causado aos cofres públicos, o relatório deveria prever a restrição à participação de licitações públicas como punição. Mas, segundo Teixeira, uma vez feito o acordo de leniência, a empresa poderá ser contratada em obras e serviços públicos.
Fonte : O GLOBO.