Proposta de texto-base para o acordo do clima de Paris desagrada a nações ricas e pobres e acende luz amarela a 40 dias da COP21, com apenas 1.800 minutos de prazo para chegar a rascunho final
Acabou o amor. A última semana de negociações diplomáticas antes da conferência do clima de Paris começou nesta segunda-feira em Bonn, Alemanha, sob clima de confronto.
Ninguém ficou satisfeito com a proposta de texto informal apresentada no começo do mês pelos co-presidentes do ADP, o grupo que tenta construir o novo tratado do clima, e há temores de retrocesso – o texto pode voltar a crescer perigosamente, o que, no limite, comprometeria a viabilidade de um acordo em Paris.
A confiança depositada até aqui pelos delegados dos países-membros da Convenção do Clima da ONU nos autores do texto, o argelino Ahmed Djoghlaf e o americano Dan Reifsnyder, parece ter sido abalada pelo documento proposto por eles como base para o acordo de Paris. O texto foi reduzido de 85 para 20 páginas,cumprindo a promessa feita pelos co-presidentes de ser “conciso”. Mas nessa dieta ele acabou perdendo diversos elementos considerados importantes, especialmente pelos países em desenvolvimento.
Os africanos disseram que fariam objeções ao texto e que somente quando a África pudesse reinserir suas visões no documento as negociações poderiam começar. O G77, grupo que reúne nações em desenvolvimento (inclusive o Brasil), rejeitou a proposta, segundo um jornal indiano. E nos corredores retornou a acusação, já levantada por alguns países em desenvolvimento na última rodada de negociações, em setembro, de que o documento é uma encomenda do governo dos Estados Unidos – uma vez que Dan Reifsnyder é americano.
“O texto é claramente é desequilibrado em desfavor do G77”, disse ao OC um delegado de um país em desenvolvimento que preferiu não se identificar. Um delegado da Índia foi mais explícito do que isso na plenária de abertura: “O texto parece reescrever, reinterpretar e substituir a Convenção.”
Para as nações em desenvolvimento, os principais nós são o desequilíbrio apontado por elas entre mitigação, adaptação e meios de implementação – ou seja, há menos sobre adaptação e financiamento do que desejam os pobres e emergentes. “O trecho de financiamento está muito fraco, com linguagem exortatória que não é típica de um acordo com força de lei”, afirmou o negociador.
Outro problema fundamental para o G77, é a falta, no texto, de uma menção mais firme à diferenciação entre nações ricas e pobres. O esqueleto de acordo traz a diferenciação muito diluída, o que o G77 enxerga como um viés dos países desenvolvidos, que buscam borrar a diferenciação para se eximir de responsabilidades históricas em mitigação e financiamento aos países pobres.
“Podemos ver e sentir um bocado de nervosismo”, disse a jornalistas a porta-voz da União Europeia Sarah Blau, de Luxemburgo. Segundo ela, nem mesmo a UE, pelo lado dos países ricos, ficou satisfeita com o esqueleto de acordo. “O texto é conciso e bastante legível, mas estamos decepcionados com sua falta de clareza”, afirmou.
Entre os pontos que a UE considera relevantes e que ficaram de fora do “non-paper” dos co-presidentes está a forma de tornar “operacional” uma visão de longo prazo para o novo acordo – qual será a meta para 2050 e como isso estará expresso? O texto-base não diz. Também ficaram de fora o detalhamento do processo de revisão periódica das metas, as regras para dar transparência ao cumprimento do acordo e qualquer menção às emissões de transporte marítimo e aviação internacionais. Estas são significativas e trazem um problemão para a Convenção do Clima, já que não podem ser alocadas a nenhum país específico.
As ONGs também reclamaram do rascunho. Segundo Jens Clausen, do Greenpeace, a proposta sobre ciclos de revisão não tem a clareza necessária. O “non-paper” fala de reuniões a partir de 2023 ou 2024 para tomar pé das metas de redução de emissões de todos os países. Ou seja, faz-se uma conversa para saber se as metas são suficientes para evitar mudanças climáticas perigosas e depois se pensa em ajuste. “Não é disso que precisamos”, afirmou Clausen. Segundo ele, o que é realmente necessário é que se proponha claramente ciclos de cinco anos para ajustar a ambição – que já se sabe ser insuficiente com as propostas na mesa hoje para evitar um aquecimento global de mais de 2oC.
“Os co-presidentes botaram o texto numa dieta radical, mas ele passou a não ser reconhecível por alguns países”, declarou Liz Gallagher, analista de políticas de clima do E3G, em Londres.
Segundo ela, todos sabiam que haveria ruídos na negociação até Paris. O que os negociadores precisam fazer agora, disse Gallagher, são “intervenções cirúrgicas” na proposta, reinserindo elementos importantes para os grupos de países que não se sentiram contemplados, mas com cuidado para “não abrir as comportas”, nas palavras da britânica. Por “abrir as comportas” entenda-se devolver o texto ao tamanho de dezenas de páginas, o que tornaria inviável negociá-lo nos 1.800 minutos que restam para produzir um acordo que possa ser finalizado e assinado em 11 de dezembro em Paris.
“Sempre há o risco de inflar o texto, mas, se você pensar nas coisas que têm acontecido nos últimos três meses e no tanto que os EUA e a China têm apostado neste processo, ninguém é maluco de querer jogar isso fora”, afirmou Gallagher. “As pessoas querem um acordo em Paris.”
Mesmo com as críticas, tanto os europeus quanto a rede de ONGs Climate Action Network apontaram que houve avanços na construção de um acordo. Um dos maiores é o fato de que 150 países já apresentaram seus planos climáticos, as INDCs, que hoje cobrem 90% das emissões do mundo. Na segunda fase do Protocolo de Kyoto, o acordo climático que vale apenas para os países ricos e que foi prorrogado até 2020, apenas 10% das emissões mundiais estão cobertas por metas.
Nesta segunda-feira, os delegados se dividiram em grupos menores para começar a tratar dos pontos de atrito, na esperança de que a real negociação do texto possa começar na terça. Os países foram convidados pela manhã a fazer inserções no texto. No final, avaliariam se o resultado será “trabalhável”.
Fonte : observatório do clima