Sancionada há quatro anos em meio a críticas, lei de proteção de florestas em áreas privadas mapeou mais de 80% das propriedades
Quatro anos depois de uma votação polêmica marcada por protestos e tensão, o Código Florestal ainda tenta montar o mapa da vegetação nativa que restou nas propriedades privadas do País. Sancionada em 25 de maio de 2012, a lei que reformulou as regras de proteção das florestas em áreas particulares criou uma base de dados ambiental sem precedentes, com informações declaradas por de cerca de 4 milhões de proprietários rurais.
O registro eletrônico, chamado de Cadastro Ambiental Rural (CAR), é obrigatório e ponto de partida para que o Código seja aplicado. Cerca de 82% da área nacional prevista foram declarados dentro do prazo estipulado pela lei, que venceu no último dia 5.
Os que ficaram de fora, segundo o Ministério do Meio Ambiente, seriam produtores familiares que não receberam apoio do Estado para fazer o cadastro, a maior parte do semiárido nordestino. Para esse grupo, o governo decidiu estender o prazo até maio de 2017 sem que eles sofram restrições de crédito agrícola.
Criticado à época por retrocessos, como o possível aumento do desmatamento, o código sancionado então por Dilma Rousseff foi visto com ceticismo por muitas organizações. Tínhamos uma incerteza muito grande se isso iria dar certo, mas o cadastro se tornou uma realidade e está consolidado como política pública , avalia Cristiano Vilardo, da Conservação Internacional e integrante do Observatório do Código Florestal.
Com a inscrição no CAR, o proprietário identifica o imóvel com uma planta e coordenadas geográficas, e informa a localização de áreas protegidas. A partir desse banco de dados, o governo fiscaliza quem está de acordo com a lei. Nos Estados da Amazônia Legal, por exemplo, as propriedades são obrigadas a manter 80% da vegetação nativa.
O desempenho técnico do Ministério do Meio Ambiente para capturar e gerir essas informações e o potencial de uso do cadastro serão reconhecidos internacionalmente e são impressionantes, avalia Anselm Duchrow, diretor de Proteção e Gestão Sustentável das Florestas Tropicais da Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ, na sigla em alemão).
Por outro lado, a qualidade desses dados ainda é questionável. A verificação e correção dos dados [informados pelos proprietários] pode levar anos, aponta Duchrow.
Malha fina
Raimundo Deusdará, diretor do Serviço Florestal Brasileiro, afirma que o serviço de verificação já começou: De fato, é um trabalho complexo , reconhece. Mas temos um sistema robusto, montados pela nossa equipe, que vai verificar os cadastros, um a um.
Automaticamente, no momento do registro, o sistema aponta se há sobreposição de propriedades, ou se ela está dentro de terra indígena, por exemplo. O proprietário é informado na hora quando há conflito de informações. O próximo passo será o de verificar se a propriedade cumpriu suas obrigações, como manda a lei , explica Deusdará.
Analistas do Serviço Florestal e dos Estados vão comparar os dados declarados a imagens de satélites das propriedades adquiridas pelo governo a partir de 2008. Esse é um ano crucial: segundo o Código, quem desmatou além do permitido antes dessa data está perdoado e não será obrigado a repor a vegetação.
Você tinha um código anterior que não era monitorado, não era visto ou cobrado. Hoje toda a propriedade poderá ser monitorada , rebate Deusdará. Segundo o Serviço Florestal, mais de 1 milhão de nascentes foram declaradas por proprietários no CAR. Quem é que tinha essa informação antes? , comemora.
Ainda segundo Deusdará, o Serviço Florestal não sabe prever quanto tempo o trabalho de verificação do cadastro levará. O nosso limite é de pessoal e financeiro. A tecnologia nós já temos.
Para Juliano Assunção, do Climate Policy Initiative, com sede em São Francisco, o respaldo do setor produtivo veio com os anos. O que mais nos surpreendeu foi o aumento da percepção por parte dos produtores agrícolas do potencial do código para o desenvolvimento do País , comenta Assunção, que é professor da PUC do Rio de Janeiro.
Até então, a lei era vista como barreira para expansão do agronegócio, responsável por 23% do Produto Interno Bruto em 2015. Há menos de um mês, o Ministério da Agricultura está sob o comando de Blairo Maggi, que ganhou fama internacional como rei da soja , contemplado em 2005 com o prêmio Motosserra de Ouro , dado pelo Greepeace.
Houve uma modernização no setor, que tem uma visão de longo prazo. Grupos mais profissionais têm uma conexão maior com mercados internacionais , analisa Assunção. O Código pode ser um certificado de que a produção está em conformidade com a proteção ambiental, pode acessar novos mercados e aumentar a competitividade. O setor produtivo percebe isso.
Cristiano Vilardo, da Conservação Internacional, concorda: Apesar de existirem setores que fazem resistência, muitos produtores de soja abraçaram a lei. Querem que a adequação deles seja reconhecida como um diferencial da produção .
O diretor do Serviço Florestal afirma que a comunidade cientifica internacional e entidades financeiras já veem o CAR como uma ferramenta de monitoramento ambiental e agrícola inédita no mundo. Estamos recebendo apoio com doações , diz. O KfW, banco alemão de desenvolvimento, destinou 113 milhões de reais para ações relacionadas à implementação do código.
Os incentivos financeiros são fundamentais para que a lei seja cumprida por completo, opina Vilardo. Uma das partes mais desafiadoras será o reflorestamento das áreas desmatadas nas propriedades privadas além do permitido pelo Código.
Na Conferência do Clima de Paris, o Brasil se comprometeu, entre outras metas, a acabar com o desmatamento ilegal, restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas até 2030. As metas que o Brasil prometeu em Paris dependem de o País conseguir fazer uma restauração florestal nunca antes feita. É bastante desafiador , pontua.
Fonte: Terra
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