WASHINGTON – Um alto integrante do governo do presidente dos EUA , Donald Trump , reconheceu nesta quinta-feira que houve um “toma lá dá cá” nas relações de seu país com a Ucrânia de forma a beneficiar politicamente seu chefe. Segundo Mick Mulvaney , chefe interino de Gabinete da Casa Branca, a liberação de uma ajuda militar de US$ 391 milhões ao país europeu foi “em parte” condicionada à investigação pelo novo governo ucraniano de uma suposta interferência nas eleições presidenciais de 2016, com suspeitas de beneficiar seus rivais democratas.
Em entrevista coletiva na Casa Branca, ao explicar a decisão de Trump pela retenção da ajuda militar em fins de julho, Mulvaney disse que o presidente americano não gosta de fornecer auxílio externo e achava que a Ucrânia era corrupta, além de estar incomodado com o quão pouco os aliados europeus estavam ajudando os ucranianos a combaterem separatistas apoiados pela Rússia no Leste do país.
— Ele tinha mencionado anteriormente para mim a corrupção relacionada ao servidor do DNC? Claro. Sem dúvida — afirmou Mulvaney, referindo-se ao Diretório Nacional do Partido Democrata, que teria um servidor “secreto” com informações comprometedoras abrigado na Ucrânia na época das eleições presidenciais de 2016 vencidas por Trump, uma suspeita posteriormente descartada como mera teoria conspiratória. — Mas é isso, é por isso que retivemos o dinheiro. Investigar o que aconteceu em 2016 certamente era parte das coisas que ele (Trump) estava preocupado com relação à corrupção naquela nação.
Questionado se tal atitude não constituiria um chamado quid pro quo (expressão latina que significa “uma coisa por outra” e geralmente interpretada como “toma lá, dá cá”), Mulvaney foi taxativo:
— Fazemos isso a toda hora na política externa.
— Deixem-me ser claro, não houve absolutamente nenhum toma lá, dá cá entre a ajuda militar à Ucrânia e qualquer investigação sobre as eleições de 2016.
A decisão de Trump de reter a ajuda militar foi tomada poucos dias antes do polêmico telefonema entre ele e o recém-empossado presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskiy , no qual o americano supostamente teria pressionado o ucraniano a investigar tanto o caso do servidor democrata quanto a atuação no país de Hunter Biden , filho do ex-vice-presidente Joe Biden , um dos principais pré-candidatos democratas às eleições presidenciais do ano que vem, nas quais Trump tentará a reeleição.
A ligação no fim de julho passado, objeto de denúncia anônima de um integrante da comunidade de inteligência americana que veio a público em meados de setembro, está no centro do inquérito da Câmara dos EUA que pode levar à abertura de um processo de impeachment contra Trump. Nela, Zelenskiy concorda em avaliar e levar à frente as demandas do presidente americano, e dias depois a milionária ajuda militar foi liberada.
Enquanto isso, o inquérito de impeachment na Câmara também teve importantes movimentos nesta quinta-feira com depoimento do embaixador dos EUA para a União Europeia, Gordon Sondland , às três comissões responsáveis por sua condução. Em declaração inicial por escrito divulgada pouco antes do depoimento a portas fechadas, Sondland afirmou que Trump delegou a seu advogado pessoal, Rudolph Giuliani, as relações com a Ucrânia, despertando preocupação de que estaria terceirizando a política externa americana em busca de benefícios políticos no âmbito doméstico.
Segundo o embaixador, em reunião em 23 de maio último, três dias depois da posse de Zelenskiy, Trump ordenou que ele e outros diplomatas trabalhassem diretamente com Giuliani nas relações com o país, só percebendo “muito depois” que a agenda política do advogado incluía pressionar a Ucrânia a investigar os Biden.
Na declaração inicial, Sondland também menciona a questão da retenção da ajuda militar como possível fator de pressão de Trump sobre os ucranianos para fazerem o que pedia, o que levou Mulvaney a convocar a entrevista coletiva na qual admitiu que ela de fato foi usada “em parte” para isso.
“Convidar um governo estrangeiro a realizar investigações com o objetivo de influenciar uma vindoura eleição americana seria errado”, escreveu Sondland na declaração inicial do depoimento desta quinta. “Reter ajuda externa para pressionar um governo estrangeiro para que faça isso seria errado. Não participei e nunca participaria de tais empreitadas”, acrescentou.
Sondland é o segundo de um grupo de altos diplomatas americanos cujas mensagens de texto reveladas no início deste mês reforçaram as suspeitas de que Trump pressionou a Ucrânia em busca de benefícios políticos.
O conteúdo das mensagens entre Sondland, Kurt Volker, então enviado especial para a Ucrânia, e William Taylor, embaixador interino em Kiev — e nas quais o assessor de Zelensky, Andrey Yermak, e o próprio Giuliani fazem breves aparições — indica que um importante encontro entre Trump e o presidente da Ucrânia foi condicionado a uma declaração pública de Zelenskiy afirmando que investigaria a empresa de energia ucraniana Burisma, onde trabalhou Hunter Biden, e a suposta interferência da Ucrânia na eleição presidencial americana de 2016.
Fonte: O Globo