O plenário do Parlamento Federal alemão aprovou nesta sexta-feira a legalização do casamento entre homossexuais. O projeto foi impulsionado pelos sociais-democrata (SPD) – rompendo o acordo de coalizão com os conservadores da chanceler Angela Merkel –, numa inédita aliança com os Verdes, a Esquerda e o bloco democrata-cristão. A iniciativa, a três meses das eleições gerais, recebeu o aval de 393 deputados. A chanceler (primeira-ministra) Merkel, o líder da bancada democrata-cristã, Wolfgan Kauder, e outros 224 parlamentares conservadores votaram contra o projeto, que concede aos casais do mesmo sexo direitos iguais aos casais heterossexuais, incluindo o direito de adotar filhos. Espera-se que a lei entre em vigor ainda neste ano, fazendo da Alemanha o 24º país do mundo a legalizar o casamento igualitário – que já é uma realidade em nações como o Brasil e os Estados Unidos. Na Europa ainda há vários Estados onde essa opção continua inacessível, como Áustria, Itália e Grécia e algumas nações do Leste Europeu.
O debate sobre o casamento gay ganhou força na Alemanha depois de uma mudança na postura de Merkel sobre o assunto, e tendo o cenário pré-eleitoral como pano de fundo. Durante um evento organizado pela revista feminina Brigitte, nesta segunda-feira, a chanceler causou surpresa ao se distanciar do “não” taxativo do seu bloco partidário CDU/CSU ao casamento gay, uma posição ao qual os eleitores já haviam se acostumado. Em vez disso, ela se declarou aberta a um “voto de consciência” dos deputados. Desde 2001, a Alemanha já permitia uniões civis de pessoas do mesmo sexo, mas sem plena igualdade jurídica e direitos, como a adoção.
No domingo, em seu Congresso extraordinário, o SPD havia qualificado a legalização do matrimônio igualitário como uma condição imprescindível para reeditar sua aliança com os democratas-cristãos de Merkel depois das eleições legislativas de setembro. Além disso, os Verdes e o partido A Esquerda perseguiam há anos a aprovação de um projeto de matrimônio igualitário – algo a que o bloco CDU/CSU sempre se resistiu, e que o SPD tinha deixado de lado para não provocar uma crise no Governo de coalizão. Na terça-feira, o líder do SPD e candidato a chanceler Martin Schulz pediu a palavra a Merkel e solicitou que o casamento igualitário fosse votado imediatamente. Três dias depois, acabou sendo legalizado.
“Para mim, o matrimônio é, segundo nossa Constituição, uma união entre um homem e uma mulher, por isso votei contra o projeto de lei”, afirmou Merkel – que também ocupa uma vaga parlamentar – à imprensa depois da votação. De fato, é assim que consta na Carta Magna alemã, e isso pode servir de justificativa a parte da bancada conservadora para entrar com recurso no Tribunal Constitucional. Entretanto, a chanceler comentou que havia mudado de opinião sobre a adoção por casais do mesmo sexo, à qual antes se opunha, em nome do “bem-estar” dos menores. “Espero que a votação de hoje não só promova o respeito a opiniões diversas como também traga uma maior coesão social e paz”, acrescentou.
As entidades de direitos civis comemoraram a decisão da Alemanha de aprovar o casamento homossexual, ainda que tardiamente – até a católica Irlanda já deu esse passo, há dois anos. Dezenas de pessoas saíram às ruas em Berlim para celebrar o dia histórico. Com bandeiras do arco-íris – ou guarda-chuvas com essas cores, por causa do mau tempo –, um bom número delas se concentrou diante da sede de Governo. Conny e Ramona, que vivem juntas há um ano e meio, também participaram da festa. “Estamos felizes por podermos nos casar, e tudo isto é possível graças ao trabalho que os Verdes fizeram”, comemorava Conny, de 33 anos, especialista em finanças numa empresa de segurança, coberta com a bandeira multicolorida do movimento LGTB+. “Angela Merkel é uma pessoa muito inteligente, e ainda não entendo por que se opõe ao casamento igualitário. Mas é em parte graças a ela que o Bundestag [Câmara de Deputados] o aprovou. Este é um grande dia para a comunidade gay da Alemanha”, disse, feliz por poder finalmente se casar com a companheira Ramona, de 28 anos, uma assistente social que será mãe dentro de cinco meses.
“Após anos de espera e esperanças, as famílias arco-íris na Alemanha receberão agora o mesmo reconhecimento perante a lei. Este é um marco histórico que inspirará ainda mais mudanças para as pessoas LGTB+”, declarou Evelyne Paradis, diretora executiva do ILGA, que agrupa entidades do mundo inteiro. “Isto foi o resultado de anos de persistência, e agora é o momento da Alemanha. O matrimônio igualitário não é o destino final. As pessoas LGBT e suas famílias precisam se sentir seguras e apoiadas em todas as facetas de suas vidas, dentro dos cartórios de registro civil, mas também fora”, acrescentou.
Em pleno 2017, as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo ainda são ilegais em pelo menos 72 países – na maioria deles, a restrição vale apenas para homens, mas em 45 abrange também as lésbicas. Além disso, em 12 dessas nações (ou em partes de seu território) as práticas homossexuais podem ser castigadas com a pena de morte, segundo um relatório da Associação ILGA publicado na segunda-feira. Quatro países – Arábia Saudita, Irã, Iêmen e Sudão –, parte da Somália e 12 Estados da Nigéria preveem a pena capital para essas relações. Agentes não estatais (principalmente o Estado Islâmico) aplicam-na também no Iraque e na Síria. Finalmente, Qatar, Mauritânia, Paquistão e Emirados Árabes Unidos mantêm a possibilidade de aplicá-la, embora não haja indícios de execuções nos últimos anos por causa de relações consensuais em ambiente privado.