Brasília, 15 de dezembro de 2003
Amigos e amigas que acompanharam meus 20 anos como parlamentar por São Paulo,
Em setembro de 2003, dei entrada em um pedido de desfiliação do Diretório Municipal do PT, em São Paulo/SP, e outro pedido de filiação no Diretório Municipal do PV, em São Paulo/SP.
Não foi uma decisão improvisada, irrefletida. Claro que isto tem, pra mim, um preço afetivo muito grande, mas era necessário. Se você não acredita que pode contribuir para o bem comum com todas as suas forças em um certo partido político, deve procurar fazê-lo de outra forma. Isto vale para aqueles que julgam ser um dever do cidadão livre ter uma participação política.
Era e é o meu caso. Militante socialista desde os 18 anos no distante e tão perto 1968, participante de primeira hora em 1979 da criação do PT, dediquei meus melhores momentos neste últimos 20 anos a construir propostas socialistas para o Brasil, dentro do partido. Filiar, construir núcleos, diretórios, jornais, ver crescer vocações para servir o povo, atuar nos movimentos sociais, no parlamento, na Direção Nacional anos a fio. Sempre com espírito de valorizar a luta e a disciplina do coletivo, mas nunca perdendo a independência e dignidade. Sem esta combinação não se cria, não se inventa, não se quebra cadeias. No máximo se obedece à opinião dominante no momento.
Fui até o fim um petista à moda antiga. Sem submeter-me às novas imposições que estamos vendo agora: poder econômico, corporativismo, ditadura da publicidade e da política do espetáculo, submissão ao executivo de plantão. Eleito com ajuda da legenda, mas também pelas ideias defendidas, pelos projetos criados, pela história de luta social, pude preservar minha liberdade para ser coerente com o passado e ter ar para voar em territórios novos, com problemas novos, exigindo soluções novas.
Atribuo em parte a isto a minha felicidade em aprovar leis de impacto nacional, apesar de viver meus vinte anos de parlamentar na oposição. Com a minha saída de Brasília, outros projetos ficaram pelo caminho confiados aos que chegaram ao Congresso em 2003.
Experiências políticas/pessoais no parlamento, na relação do PT com os outros partidos, na convivência com os líderes nacionais do PT com seus malabarismos ideológicos e mais recentemente em São Paulo com a compra sistemática e programada dos militantes por meio de cargos no executivo e assessoria do legislativo me levaram a desejar outra filiação política.
Não falarei destas decepções aqui. O espaço é curto e um tempo para envelhecer os julgamentos é bom para evitar exageros e ressentimentos. Lembro apenas a apatia e o conformismo com que foram recebidos na direção e na base do PT as chocantes afirmações recentes de Lula dizendo que parte de nossas ações na oposição eram bravatas e as do Presidente da Câmara dos Deputados dizendo que, na verdade, não éramos contra certas políticas públicas do governo PSDB/PFL, a resistência devia-se ao fato de querermos o poder.
Meu problema era sempre este, pensar no País antes do Partido. Se eu fosse governo seria contra ou a favor de determinada proposta? Por que não dar prioridade ao diálogo entre partidos mais próximos ideologicamente e preferir misteriosamente alianças esdrúxulas esquerda/direita?
Mas insisto, voltaremos ao assunto em outra ocasião.
Duas perguntas antes de despedir-me.
1 Por que não articulei com você uma luta interna dentro do PT como fizemos anos seguidos nas várias tendências internas em que militamos?
Acho que o PT foi, é e será nos próximos anos, um importante partido político para o bem e para o mal do Brasil. Porém, ao contrário de tempos anteriores, quando era permeável a luta de ideias, hoje é controlado pelo poder econômico, de origem capitalista, sindical ou de máquinas administrativas. O holerite está destruindo a utopia, está derrotando a esperança. Ficam cada vez mais fortes os interesses mais ou menos legítimos. Partido só utopia é religião, partido só interesse é negócio.
Esta é uma convicção minha que vivi um período longo de dedicação inteira ao partido, que a maioria de vocês não puderam viver por estar na base com outras responsabilidades de trabalho e familiares ou por serem, por opção, simpatizantes e eleitores.
Não quero que ninguém me siga sem ter a certeza que eu tenho, não quero fazer proselitismo para arrastar outras pessoas comigo. Quero continuar sendo seu amigo e continuar dialogando com você no futuro. Há, ainda, no PT, muita gente em quem acredito e com os quais quero manter minhas relações políticas.
Saio sem escândalo. Saio sem querer guardar mágoas, ao contrário, agradeço muito do que sou e do que aprendi à convivência no PT.
2 Por que fui para o PV?
Penso que o PV será um partido necessário no século XXI. Lá, um socialista como eu, espera poder defender uma combinação aberta de cinco ideias: democracia, justiça social, ecologia, pacifismo e internacionalismo. Orientados os cinco pelo programa revolucionário mais revolucionário: a simplicidade voluntária.
Encontrei isso no PV, eu que perdi as esperanças de encontra-las no PT? Não sei dizer hoje. Vamos ver. De toda forma é bom sentir renovação nas forças para lutar no que se acredita. Recomeçar o que não tem fim ou começo. Pisar na terra sem ser proibido de sonhar, é uma forma de viver livre e feliz.
Obrigado pela luta conjunta, pelo apoio, pela crítica, pelo voto, pela amizade. Não digo adeus porque estou no mesmo lugar caso queira encontrar-me. Aproveito para desejar bom natal e bom 2004 e anexar duas cartas que escrevi no final de 2002 e no começo de 2003 e que não tive na ocasião recursos para encaminhar (despedida do Congresso e despedida da Secretaria de Saúde de São Paulo).
“Onde o espírito vive sem medo e a fronte se mantém erguida;
Onde o saber é livre;
Onde o mundo não foi dividido em pedaços por estreitas paredes domésticas;
Onde as palavras brotam do fundo da verdade;
Onde o esforço incansável estende os braços para a perfeição;
Onde a fonte clara da razão não perdeu o veio no triste deserto de areia do hábito rotineiro;
Onde o espírito é levado a tua presença em pensamento e ação sempre crescentes;
Dentro desse céu de liberdade, ó meu Pai, deixa que se erga a minha pátria.”
Rabindranath Tagore (1861-1941) Índia
Atenciosamente,
Eduardo Jorge.