Em Washington, presidente do STF se contrapõe à opinião do colega Gilmar Mendes
Parte da onda de casos de corrupção que sacode o Brasil vem de vazamentos de documentos ou de delações premiadas, especialmente relacionados à Operação Lava Jato. Diante dessa realidade, a presidenta do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, defendeu nesta segunda-feira em Washington o esclarecimento da veracidade e da origem desses vazamentos, mas alertou para o risco de inviabilizá-los como provas judiciais. Sua tese: se os processos judiciais alvo de vazamentos forem anulados, isso “beneficiaria” os possíveis autores de crimes que precisamente estão sendo investigados.
“É importante que se apure para que depois não se diga que foram nos órgãos do Estado, porque às vezes são pessoas de fora”, disse a magistrada em uma conferência no Wilson Center, um think tank em Washington, onde está em visita oficial. “Não se pode tentar, com isso, criar nulidades que vão beneficiar aquele que deu causa à essa situação”, seguiu.
A ministra, que assumiu a presidência do Supremo em setembro e cujo mandato expira em 2018, se referiu ao fato de que os vazamentos podem vir de advogados ou familiares, não apenas de agentes do Estado. Se a Justiça, argumentou, decide rejeitar a informação incluída nessas revelações, pode impedir que seja levada aos tribunais a “causa” do possível crime.
As declarações de Cármen Lúcia acontecem no momento em que aumenta a movimentação de atingidos pela Lava Jato pedem a anulação desses processos alvos de vazamentos. A megaoperação contra a corrupção encurralou a gigante Petrobras e foi fator na crise que levou à destituição de Dilma Rousseff e agora se prepara para aprofundar a investigação da revelação de um extenso esquema de subornos da construtora Odebrecht, que colocou em xeque a classe política latino-americana e brasileira.
O debate atinge em cheio a presidenta do Supremo. No final de janeiro, Cármen Lúcia deu validade jurídica à confissão de 77 executivos da Odebrecht sobre os supostos subornos pagos a políticos. A delação está sob segredo de justiça, mas a imprensa brasileira especula que poderia envolver o presidente Michel Temer, nomes da oposição, e seus dois antecessores, Dilma e Lula. A presidenta do Supremo também confronta, assim, seu colega de corte, Gilmar Mendes, que no mês passado aventou a possibilidade de anular provas vazadas e acusou diretamente a Procuradoria-geral da República de ser responsável pelos vazamentos. “Cheguei a propor no final do ano passado o descarte do material vazado, numa espécie de contaminação de provas colhidas licitamente”, disse Mendes.
Nesta segunda-feira, a Lava Jato foi envolvida em um novo vazamento de repercussão. O site O Antagonista publicou supostos dados do depoimento do magnata Marcelo Odebrecht ao juiz Sérgio Moro, em Curitiba, que ocorria em sigilo. De acordo com a publicação, Odebrecht diz ter feito pagamentos indiretos ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por meio do ex-ministro Antonio Palocci, preso pela operação. A assessoria do petista disse ao jornal O Estado de S. Paulo, que também publicou as informações, que provará na Justiça que “Lula jamais solicitou qualquer recurso indevido para a Odebrecht”.
“Brasil segue seu rumo”
Na conferência em Washington, Cármen Lúcia evitou discutir os meandros judiciais brasileiros, mas lançou algumas reflexões genéricas. “Felizmente o brasileiro está cada vez mais intolerante com qualquer forma de corrupção”, disse. “O cidadão brasileiro não se contenta em ser representado. Os cidadãos decidiram ficar alertas”, disse em outro momento em uma possível alusão aos protestos dos últimos anos contra o aumento dos serviços básicos e contra a corrupção.
A presidenta do STF lembrou que houve dois processos de impeachment de presidentes na história do gigante latino-americano –o último em agosto, contra Dilma Rousseff– e que foram realizados seguindo “estritamente” os canais previstos e que agora reina um clima de maturidade democrática. “As mudanças de Governo aconteceram com a sociedade se manifestando, as instituições funcionando de forma ininterrupta e com os cidadãos trabalhando”, disse. “O Brasil segue seu rumo.”
Fonte : El País