Proposta envolve o uso da inteligência artificial para identificar a melhor forma de gerar eletricidade. Foco é na qualidade de vida de comunidades carentes.
Um dos prêmios mais cobiçados por jovens cientistas de todo o mundo foi entregue a oito pesquisadores. Entre eles, uma brasileira. Carolina Marcelino é doutora em modelagem matemática, tem 35 anos, e foi contemplada pelo prêmio Marie Curie Fellow, concedido pela União Europeia.
A premiação faz parte do Marie Sk?odowska-Curie Actions (MSCA), um programa promovido pela Comissão Europeia para financiar pesquisadores promissores do mundo inteiro em diversas áreas do conhecimento. Atualmente, ela faz pós-doutorado no Programa de Engenharia de Sistemas e Computação no Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O projeto de Carolina envolve o uso da inteligência artificial para geração de energia elétrica sustentável. A inteligência artificial é importante para o estudo dos padrões climatológicos, o que permite a escolha da melhor estratégia de geração.
Em entrevista ao G1, ela explicou que o projeto foi desenvolvido para gerar energia em micro-redes, podendo ser aplicado em comunidades vulneráveis. Além do impacto social, Carolina busca reduzir as emissões de gases poluentes porque aplica o uso de geração sustentável.
“Quando você entrega energia elétrica para uma comunidade, a qualidade de vida dessas pessoas melhora. Os alimentos passam a ser melhor armazenados, isso previne doenças. Além disso, com os modelos matemáticos e a inteligência artificial é possível escolher qual a melhor forma de gerar esta energia: se é via painéis fotovoltaicos, ou um conjunto de turbinas, ou se são dois sistemas combinados” – Carolina Marcelino
O prêmio de Carolina envolve um contrato de pesquisa por dois anos, no valor de € 4500 mensais (cerca de R$ 20,5 mil), para desenvolver suas propostas na Universidade de Alcalá, na Espanha. Além de Carolina, neste ano os contemplados são seis europeus e um chinês.
Escola pública, bolsas de pesquisa e prêmio Marie Curie
Carolina Marcelino, que ganhou o prêmio Marie Curie Fellow, um dos principais reconhecimentos da ciência a jovens pesquisadores — Foto: Divulgação Coppe/UFRJ
Carolina foi aluna de escola pública, teve bolsas de pesquisa financiadas pelo poder público e faz pós-graduação em uma das universidades mais afetadas pelo contingenciamento de recursos neste ano, a UFRJ, onde algumas pesquisas correram o risco de serem interrompidas.
Ao longo da trajetória de estudante até ser pesquisadora de ponta, o financiamento público e a manutenção das universidade e institutos federais fizeram diferença para que o Brasil se destacasse na área por meio do trabalho dela.
Carolina afirma que o investimento em educação é a longo prazo e traz divisas para o país, com o desenvolvimento de tecnologia, o que também inclui as ciências sociais e humanas.
“A educação, para mim, é uma ferramenta transformadora”, afirma Carolina. “Estudei em escola pública, minha graduação foi no Ifes [Instituto Federal do ES], em computação, fiz mestrado e doutorado no PPGMMC do Cefet -MG. Fui para o Rio com bolsa de pós-doutorado Nota 10 da Faperj”, relembra, citando as instituições públicas por onde passou.
Tudo é difícil nesta trajetória. Não consegui essa distinção agora, isso foi construído ao longo do tempo. [O prêmio] É a prova de que o investimento na formação do pesquisador traz retorno e isto é uma conquista de todos. Muita gente no mundo gostaria de ter este reconhecimento, e participar destes projetos trazem divisas para nós. Quero solidificar ainda mais o conhecimento estando lá e voltar para o Brasil para atuar aqui” – Carolina Marcelino
Em 2019, devido ao corte de custos do governo federal, o Ministério da Educação teve o orçamento limitado. A Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde Carolina faz pós-doutorado, foi uma das mais ameaçadas. Além disso, houve bloqueio e corte em bolsas de estudo e pesquisa da Capes e CNPq.
De acordo com o orientador de Carolina, o professor Carlos Eduardo Pedreira, as pesquisas envolvendo inteligência artificial e medicina estiveram ameaçadas pela falta de recursos para a compra de insumos. Ele conta que um dos orientandos, que estava com a tese avançada no mestrado, chegou a adiantar a defesa para começar o doutorado, e quase foi penalizado. “Ele chegou a perder a bolsa, em um destes contingenciamentos. Foram semanas de terror até que a bolsa fosse reposta”, fala.
“Não existe país realmente independe que não tenha pesquisa. É questão de segurança nacional. A estrutura de uma pesquisa leva décadas para construir, O que temos no país hoje começou a ter investimentos na década de 70 e 80. O que você demora décadas para construir, pode destruir em duas semanas”, afirma Pedreira.
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