Indígenas jovens e idosos são mais vulneráveis; dados inéditos do ministério da Saúde mapearam casos entre 2011 e 2016
Guilherme Mendes – Especial para o Correio
Entre 2011 e 2016, o Brasil registrou 48.204 tentativas de suicídio, pouco mais de uma ocorrência por hora. Os dados foram compilados pela primeira vez no Boletim Epidemiológico de Tentativas e Óbitos por Suicídio no Brasil, do Ministério da Saúde, e apresentados em entrevista coletiva na manhã desta quinta-feira (21/9). O levantamento também mostra outros pontos de atenção: idosos, com mais de 70 anos, e indígenas jovens são os mais vulneráveis às “lesões autoprovocadas voluntariamente”, que em sua maioria (57,6% das tentativas) foram por envenenamento.
Apesar de não serem eventos isolados a alguma região específica do país, a taxa de mortalidade destes dois grupos destoam da média nacional: a taxa de morte entre indígenas (15,2 para cada cem mil pessoas) é três vezes maior que a registrada entre brancos (5,9) e negros (4,7) – mas quase 45% das mortes entre os indígenas ocorre entre jovens de 10 a 19 anos.
Segundo Fernando Albuquerque, da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ligada ao MS, o fenômeno não é exclusivamente brasileiro e pode ter características distintas. “O contato com a sociedade não-indígena, a discriminação racial, dificuldades de inserção social, de acesso à terra, e a transformação nas relações familiares faz com que nesse período ocorra o maior número de suicídios entre os indígenas”, afirmou. Para ele, a tradição cultural – que não prevê a adolescência como uma fase de transição entre a vida infantil e a vida adulta – também contribui para o agravamento da situação.
A pesquisa também apontou outros números alarmantes: entre as 62.804 mortes por suicídio nesse mesmo período registradas pelo Boletim, os homens responderam pela maioria dos casos (79% das mortes, uma taxa de mortalidade quase quatro vezes maior que as mulheres).
A divulgação dos dados, como parte da campanha do Setembro Amarelo (que busca conscientizar a população sobre a prevenção ao suicídio), marcou o anúncio do governo para a implementação do Plano Nacional de Prevenção ao Suicídio, uma série de medidas que pretende diminuir 10% dos casos até 2020.
As ações do ministério envolvem aumento e capacitação da rede de saúde para atender indivíduos que possam demonstrar tendências a tirar a própria vida, além de um sistema mais completo de notificações, que possam facilitar ações mais efetivas – estratégia defendida pela diretora do departamento de vigilância de doenças e agravos do ministério, Maria de Fátima Souza, “a nossa proposta é reforçar as áreas onde temos notado uma maior incidência de suicídios, para que possamos juntar esforços e reduzir estes números”. Segundo o ministério, apenas 66% dos municípios brasileiros conseguem notificar casos de suicídio aos órgãos de saúde.
Prevenção e assistência
O Ministério da Saúde diz estar colhendo dados positivos em relação às ações implementadas de prevenção ao suicídio. De acordo com o órgão, 146 unidades dos chamados Centros de Atenção Psicossocial (Caps), em uma rede que já conta com 2.463 endereços em todo o Brasil. Os Caps são capazes de analisar e atender prontamente casos de indivíduos que demonstrem tendências a autoagressões, além de outros transtornos mentais.
O governo também prepara a capacitação de pelo menos 1500 profissionais especializados no tratamento de crise e urgência em Saúde mental já em 2018, por meio de um curso à distância promovidos em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina.
Para a psicóloga Karen Scavancini, psicóloga e fundadora da Fundação Vita Alere a posição adotada pelo poder público “é uma ótima notícia, visto que o governo começa a se mexer nesse sentido”. A psicóloga, que presta auxílio aos sobreviventes de suicídio, porém, alerta para a falta de quesitos que considera importantes para aperfeiçoar o plano, como aulas de prevenção ao suicídio em faculdades de saúde pública e atendimento aos familiares enlutados – que tem, segundo ela, de 2 a 10 vezes mais chances de também tentar o suicídio. Ainda segundo Karen, “se não houver um empenho muito grande, o número de 10% de suicídios a ser evitados pode ser difícil de alcançar em tão pouco tempo”.
Um dos planos apresentados pelo ministério para ampliar o atendimento é a parceria com o Centro de Valorização da Vida (CVV), entidade que promove apoio emocional e prevenção de suicídios por meio de central telefônica, chat e e-mail. O serviço telefônico começou a ser implementado de maneira gratuita no Rio Grande do Sul em setembro de 2016, pelo número 188 – desde então, o número de atendimentos pelo CVV no estado aumentou treze vezes em um ano, passando de 4.500 para 58.800. A partir do dia 30 deste mês, mais oito estados (MS, SC, PI, RR AC, AP, RJ e RO) também terá ligações gratuitas para o CVV – a previsão é que o país todo seja contemplado até 2020.
O ministério também vai distribuir materiais para informar jornalistas e a população em geral, com foco na identificação dos sinais de alerta e os corretos meios de se comunicar casos do tipo. Segundo os especialistas, é possível detectar comportamentos que possam indicar pensamentos suicidas, e também buscar ajuda a tempo, sem agravar a situação.
Fonte: Correio Braziliense