Em pesquisa que confrontou dados oficiais com percepção de entrevistados em temas como criminalidade e saúde, brasileiros só ficaram à frente dos sul-africanos. Suecos são os com maior noção da realidade.
Os brasileiros têm a tendência de perceber um quadro pior do que a realidade ou têm pouca familiaridade com características do seu próprio país. Segundo uma pesquisa realizada em 38 países, os brasileiros só ficam à frente dos sul-africanos em um ranking que mede a percepção equivocada que as pessoas têm da realidade à sua volta.
Elaborado pelo instituto britânico Ipsos Mori, o levantamento confrontou dados oficiais com a percepção que as pessoas têm deles. As perguntas dos entrevistadores incluem temas como taxa de homicídios, criminalidade de estrangeiros, consequências de ataques terroristas, saúde, religião, consumo de álcool, entre outros.
O ranking da pesquisa, chamado Índice de Percepção Equivocada, é liderado por África do Sul, Brasil, Filipinas, Peru e Índia. Já o outro extremo da lista, que mostra os países onde a população mostrou estar atenta à sua realidade é encabeçado por Suécia, Noruega, Dinamarca, Espanha e Montenegro.
A visão brasileira
Quantas garotas de 15 a 19 anos engravidam no Brasil? Os brasileiros acreditam que 48% dão à luz, mas os dados oficiais mostram que são apenas 6,7%. Quando questionados sobre quantos estrangeiros compõem a população carcerária do país, os brasileiros em média disseram acreditar que a taxa chega a 18%, mas o número oficial é 0,4%.
O mesmo se repete com os homicídios. Quando questionados se acreditam que a taxa de homicídios é mais alta no país hoje do que em 2000, 76% afirmaram que sim. Mas, segundo o instituto, a taxa, apesar de alta, é a mesma – cerca de 27 homicídios por cada 100 mil habitantes.
A cada cem mortes de mulheres de 15 a 24 anos, quantas foram causadas por suicídio? Os brasileiros afirmaram que são, em média, 29, mas o número real é 4,3.
Em temas que envolvem economia e status social, os brasileiros também cometeram erros. Segundo a pesquisa, os entrevistados apontaram que 85% das pessoas no país possuem um smartphone, mas a taxa real é 38%. Os brasileiros também superestimam a quantidade de carros registrados por habitante. Segundo os entrevistados, são 68 para cada cem pessoas, mas o dado correto é 40.
Em temas como religião, os entrevistados mostraram subestimar dados. Quando questionados qual é a taxa de pessoas que acreditam em Deus no país, os brasileiros responderam em média 80%, mas pesquisas oficiais mostram que a taxa é 98%.
Mas os brasileiros se saíram bem em relação a países como os Estados Unidos, Suécia, Noruega e Alemanha quando confrontados com a pergunta “algumas vacinas causam autismo?”. Apenas 10% dos brasileiros disseram acreditar nessa correlação equivocada, 35% não souberam respondem e 54% apontaram que tal informação é falsa.
Entre os norte-americanos, por exemplo, 19% disseram acreditar em uma relação entre vacinas e autismo. Entre os suecos, 25% apontaram uma relação de causa e efeito. Os cidadãos de Montenegro e da Índia apareceram como os mais ignorantes: 44% dos entrevistados de cada país afirmaram acreditar na falsa relação.
Influência de informações negativas
Segundo o diretor de pesquisas da Ipsos Mori, Bobby Duffy, existem vários motivos para as pessoas terem uma falsa noção, mas o principal vilão é a tendência de focar demasiadamente em aspectos negativos.
“Nós superestimamos aquilo com que nos preocupamos: quanto mais assistimos a uma cobertura sobre um assunto, mais prevalente acreditamos que ele seja, ainda mais se a abordagem for assustadora e ameaçadora. Nossos cérebros processam informações negativas de um jeito diferente – elas ficam grudadas na gente e passam a afetar como enxergamos a realidade”, disse.
Segundo Duffy, essas percepções equivocadas são preocupantes por causa das suas consequências. No caso da ideia falsa sobre uma relação entre vacinas e autismo, isso pode afetar a saúde das crianças. Mas a pesquisa também mostrou que a população de vários países enxerga incorretamente temas como terrorismo e até mesmo consumo de álcool.
Poucos entrevistados souberam responder corretamente à pergunta “no período de 2002 a 2016, o número de mortes em seu país causadas pelo terrorismo foi mais alto do que aquele de 1985 a 2000?”. Para a maioria dos entrevistados, o número de vítimas em atentados em seus países apenas cresceu. Mas os dados mostram que em muitas dessas nações essa ideia é falsa.
Entre os alemães, por exemplo, 44% acreditam que o número é mais alto, mas os últimos 15 anos registraram menos vítimas alemãs do que o período que incluía parte da década de 1980 e os anos 1990. Em apenas oito dos 38 países – entre eles França e Bélgica – tal percepção do crescimento é validada por dados.
A falta de noção também se repete na forma como as pessoas enxergam outras nações. A Rússia foi apontada pela maioria dos entrevistados dos 38 países como aquele com a população mais beberrona. Só que o país na verdade é o sétimo no ranking de maior consumo per capita de álcool. A lista é liderada pela Bélgica, mas nem mesmo os belgas parecem saber disso – apenas 5% deles indicaram o seu próprio país como o mais beberrão.
Assim como os brasileiros, entrevistados de outros países mostraram tendência a exagerar a taxa de estrangeiros em suas populações carcerárias. Na Holanda, os entrevistados disseram em média que 51% dos presos são estrangeiros, mas a taxa real, é 19,1%. Na Noruega, a taxa real de estrangeiros presos é alta – 33,8% –, mas os noruegueses em média acreditam erroneamente que ela é ainda mais elevada e alcança 50%. Nos EUA, a média entre os consultados pela pesquisa foi 32%, mas o número verdadeiro é bem mais baixo: 5,2%.
Confiança e percepção distorcida
A pesquisa também demonstrou que em geral, os entrevistados mais sem noção da realidade são aqueles com maior confiança. A Índia aparece como o quinto país mais equivocado, mas 38% dos seus entrevistados afirmaram terem confiança de que suas respostas estavam corretas. Números similares foram observados entre os filipinos e peruanos, que também estão no topo daqueles com a percepção mais incorreta.
Curiosamente, alguns dos países que lideram a outra ponta do ranking – a de percepção mais próxima da realidade –, têm os cidadãos menos confiantes de terem respondido corretamente.
Apenas 5% dos alemães afirmaram que tinha confiança em suas respostas, apesar de o país ocupar a 25ª posição entre os 38 países em termos de ignorância. Entre os suecos, 7% apontaram confiança em suas respostas, mesmo que estas tenham colocado o país na melhor posição entre aqueles com maior percepção da realidade. A pesquisa ouviu 29 mil pessoas entre setembro e outubro deste ano.
Fonte: DW