Cidade do Pará sofreu com 20 crimes ambientais graves nos últimos 15 anos; documentário conta histórias de moradores
O documentário Tinha Gosto de Perfume: Barcarena e os Crimes Ambientais Impunes, produzido pelo Brasil de Fato, retrata a realidade cotidiana dos cerca de 99 mil moradores da cidade de Barcarena, no Pará, que enfrenta gravíssima crise humanitária por conta de recorrentes acidentes causados pela indústria da mineração de bauxita para produzir alumínio.
Entre 2003 e 2018, foram 20 acidentes que resultaram em contaminação significativa da terra, do ar ou das águas de Barcarena, segundo um estudo da Comissão de Direitos Humanos da Alepa (Assembleia Legislativa do Pará). Isso significa uma contaminação grave a cada nove meses.
Um dos mais graves e recentes foi o transbordamento, em fevereiro de 2018, de material tóxico da bacia de rejeitos da Hydro Alunorte, multinacional norueguesa que explora jazidas no município, durante o período de chuvas. À época, houve contaminação de rios, igarapés, poços e nascentes na região.
A cidade de Barcarena tem aproximadamente, 31 mil crianças e adolescentes com idades entre 0 e 14 anos, o que representa 26,3% da população. O contato com a poluição e a contaminação constante causa doenças de pele, alergias e problemas respiratórios, entre outros tipos de doenças.
Danos ambientais
Outro impacto significativo ocorre sobre biodiversidade de rios e igarapés. A pesca, importante atividade de subsistência e geração de renda na região, foi interrompida por causa do sumiço dos peixes na bacia do rio Mucurupi, que tem 7 km de extensão e 20 afluentes.
Resíduos de contaminação de diversos acidentes ambientais e metais pesados estão depositados no fundo do leito do rio. Os pescadores relatam que os poucos peixes encontrados tinham “gosto de perfume” –citação que inspirou o título do documentário do Brasil de Fato.
O impacto na vida dos moradores também é econômico. Quase metade da população vive com uma renda inferior a 50% do salário mínimo. E apenas 20,8% dos moradores de Barcarena têm emprego com remuneração fixa.
Uma degradante fonte de renda que restou para centenas de moradores da cidade é a coleta de material reciclável, disputando espaço com urubus no lixão que fica próximo à Hydro Alunorte.
Para o documentário, foram feitas mais de 20 entrevistas, pesquisas e análises de dados. Ao todo, foram 25 horas de gravações e cinco dias convivendo com os moradores de Barcarena e ambientalisltas.
Lucro
A Hydro Alunorte ganhou do Estado do Pará uma isenção fiscal por 15 anos, que representa algo em torno de R$ 8 bilhões em impostos que não serão recolhidos. A multinacional, que tem negócios em outros 40 países ao redor do mundo, teve um lucro bruto de 11,2 bilhões de coroas norueguesas (R$ 4,5 bi).
Após o último acidente, a Hydro Alunorte forneceu água potável e disponibilizou atendimento médico, embora o número de exames realizados corresponda a apenas 2% da população.
Por outro lado, a multinacional norueguesa comunicou que, para apoiar a transformação social em Barcarena, pretende investir cerca de R$ 100 milhões (250 milhões de coroas norueguesas) em ações sociais nas comunidades por meio da Iniciativa Barcarena Sustentável –uma entidade legal financiada pela empresa, mas com gestão e estrutura independentes.
O gesto, porém, corresponde a 0,8% do lucro bruto global da empresa em um único ano.
Impunidade
Segundo a Hydro Alunorte, “nenhum transbordo foi evidenciado proveniente dos depósitos de resíduos sólidos em virtude das fortes chuvas de fevereiro. Entretanto, foram identificadas algumas situações relativas ao descarte de águas pluviais, que foram comunicadas pela Alunorte publicamente e confirmadas pelos estudos realizados pela força-tarefa interna e pela consultoria SGW, anunciados em 9 de abril”.
A empresa também informou que é responsável pela geração de cerca de 8.500 empregos diretos e indiretos em suas operações em Barcarena. Diz ainda que “estudos [da SGW consultoria, contratada por ela] apontam que não há evidências de que os descartes realizados tenham causado impacto ambiental significativo ou duradouro nos rios”.
A Alunorte também contesta o resultado e a precisão de dois estudos de impacto ambiental feitos pelo Instituto Evandro Chagas, que atestaram a contaminação dos rios, em fevereiro de 2018, logo após o vazamento.
A exibição do documentário Tinha Gosto de Perfume: Barcarena e os Crimes Ambientais Impunes, do grupo Brasil de Fato, será na terça-feira (5), na Casa do Baixo Augusta (rua Rego Freitas, 533, República –São Paulo/SP), a partir das 19h. O filme foi dirigido por Marcelo Cruz e Juca Guimarães.
Logo após a exibição, haverá uma mesa de debate sobre Meio Ambiente com Karina Martins, coordenadora do MAM (Movimento pela Soberania Popular na Mineração), e Gilberto Cervinski, dirigente nacional do MAB (Movimentos dos Atingidos por Barragens).
Veja o vídeo acessando ao link da matéria: Brasil de Fato
Edição: Diego Sartorato
Fonte: Brasil de Fato