Moradores de Altamira, indígenas e pescadores denunciam impactos. Hidrelétrica construída no rio Xingu iniciou operações em abril deste ano.
Comunidades que vivem na região sudoeste do Pará denunciam os impactos sofridos por indígenas, pescadores e moradores de cidades como Altamira, com a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. O empreendimento foi erguido no meio do rio Xingu, uma área onde, tradicionalmente, para obter a geração de energia é necessário usar óleo diesel, combustível com alto poder poluidor.
Dez por cento da água do mundo corre nos rios brasileiros. E portanto, temos muito potencial hidrelétrico a desenvolver. Não somos um país rico pra descartar uma fonte de energia como essa , explica o professor da Unicamp Secundino Soares Filho.
Porém, esse trecho da Amazônica revela-se bastante sensível do ponto de vista ambiental e social, já que índios e pescadores dependem do rio para garantir a sua sobrevivência.
Desde 2008, 2009, quando o Governo se propõe a instalar essa hidrelétrica, o alerta foi de que a região era uma região de precária presença do Estado, de carência mesmo , esclarece Thaís Santi, procuradora da República.
Diante da pouca presença do poder público da área, os impactos seriam inevitáveis, por isso, quem construísse a usina deveria trazer também várias melhorias, como o saneamento básico, além de se preocupar com a natureza e com o aumento da população, devido ao número de trabalhadores que seriam atraídos para o local.
As obras na hidrelétrica começaram em 2011 e custaram R$ 31 bilhões.
Viveu-se aqui momentos de glória. Comércio em alta, todo mundo trabalhando, todo mundo ganhando dinheiro , conta Milton Elias Fisher, presidente da Associação Comercial de Altamira.
Em abril deste ano, o empreendimento começou a funcionar com 5% da capacidade. Mas a Norte Energia, empresa responsável pela usina, e a Prefeitura de Altamira, cidade mais próxima da barragem, não chegam a um consenso. Por isso, muitos programas que deveriam melhorar a vida de quem teve a rotina alterada por Belo Monte anda não foram concluídos. Escolas e hospitais, por exemplo, são novos, entretanto, não recebem ninguém.
O que existe é uma priorização na execução do cronograma da obra. E esse mesmo esforço não é investido no atendimento das condicionantes que precisariam preparar a região pra receber uma obra desse porte , justifica Carolina Reis, advogada do Instituto Socioambiental.
Danos ao meio ambiente
A região próxima à barragem da usina de Belo Monte, conhecida como Volta Grande do Xingu, com sua área de cerca de 100 quilômetros, é uma das que mais preocupam ambientalistas, ribeirinhos, índios. Eles afirmam que as alterações no curso do rio já começaram a provocar danos ambientais e sociais.
Conforme vai aumentando a profundidade, o oxigênio vai diminuindo , afirma Cristiane Costa Carneiro, bióloga da Universidade Federal do Pará, que analisa a água do local.
Antes, a gente pescava para se alimentar e para vender. Hoje, só para se alimentar, e é difícil ainda , lamenta o índio juruna Jair Pereira.
Para compensar os danos sociais provocados pela hidrelétrica, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) exigiu, em 2011, que a Norte Energia implantasse integralmente equipamentos de saúde e educação.
Uma das obrigações da empresa responsável por Belo Monte foi a reforma e ampliação do Hospital Geral de Altamira, para reforçar o atendimento no município com a chegada de mais de 30 mil trabalhadores da usina. Mas a unidade só ficou pronta em 2015 e até o momento o hospital ainda não foi inaugurado.
Como vamos transferir doentes pra um lugar que está incompleto? Com enfermarias incompletas, salas incompletas? Reclama Domingos Juvenil, prefeito de Altamira.
Reforçamos toda a capacidade hospitalar da região. O que falta fazer é a transferência de equipamentos para lá. Isso nós vamos fazer. Quem deve operar aquilo é quem recebeu, é a Prefeitura. Nós não temos, como empreendedor, nenhuma obrigação nem responsabilidade de administrar a coisa pública , justifica Duílio Diniz de Figueiredo, presidente da Norte Energia.
No caso do hospital geral, o Ministério Público Federal (MPF) exige que a Prefeitura e a empresa coloquem a unidade pra funcionar imediatamente.
Vidas remanejadas
Para a construção do lago de Belo Monte, 500 quilômetros quadrados foram inundados: uma área do tamanho de Curitiba. Com a inundação, cerca de 10 mil famílias tiveram que deixar para sempre suas casas.
A técnica de enfermagem Vanderli Oliveira conta que sentiu os efeitos da mudança. Segundo ela, o bairro onde vivia começou a inundar quando o lago da usina começou a encher. A Norte Energia demoliu a casa de três dormitórios onde ela morou a vida toda e pagou R$ 102 mil de indenização. Mas a técnica diz que o dinheiro não dá para comprar uma casa perto da escola dos filhos e que irá morar de aluguel.
Arrasada. Desestruturada. É como eu me sinto , desabafa.
Já o destino de mais de 4 mil famílias foi outro: 5 conjuntos habitacionais construídos pela empresa responsável por Belo Monte. Apesar de novas, muitas casas já têm problemas. Em uma delas é possível observar várias partes da parede com massa corrida, cobrindo as várias rachaduras. A Norte Energia se comprometeu a arrumar o problema e diz que vai consertar as rachaduras.
Rastro de destruição
A margem do rio, quando fica inundada, é chamada pelos índios e ribeirinhos de igapó. Essa área costuma ter muitos peixes que se alimentam dos frutos que caem das árvores e ficam sobre o espelho dágua. Mas, segundo os jurunas, desde a construção da barragem, esta região não fica mais inundada.
Agora que a água do Xingu foi desviada, os peixes não têm mais a cheia suficiente para se alimentar denuncia o cacique Giliard Juruna.
Segundo o ibama, 16 toneladas de peixes morreram naquele trecho do Xingu, entre novembro de 2015 e fevereiro de 2016.
Você teve água do reservatório, que é uma água de qualidade muito ruim por causa da decomposição da matéria orgânica. Você tende a ter diminuição muito grande do nível do oxigênio dissolvido , esclarece Flávio Tadeu de Lima, pesquisador da Unicamp, que estabelece uma ligação entre a morte de peixes e a construção da usina.
Por causa da mortandade de peixes, o Ibama multou a Norte Energia em R$ 35 milhões.
Colocamos aeradores, que são equipamentos que você aumenta o nível do oxigênio , rebate o presidente da Norte Energia.
Além disso, a operação Lava Jato investiga se, na construção de Belo Monte, houve pagamento de propina para políticos. O valor do desvio chegaria a R$ 150 milhões. Os suspeitos negam.
Hoje, a usina gera energia para atender a 800 mil habitantes por dia. Quando estiver funcionando plenamente, o que está previsto pra 2019, Belo Monte vai poder abastecer as casas de 60 milhões de pessoas, diariamente.
É um projeto que, de fato, tem impactos ambientais importantes, mas que esses impactos ambientais, em função de toda mobilização social que houve em torno dele, acabou levando a que esses impactos fossem o mais possível compensados ou bastante reduzidos. Além disso, Belo Monte tá gerando energia, uma energia que hoje o país precisa muito , afirma a presidente do Ibama.
O crescimento nosso tem sido de uns 3 por cento, 4 por cento, o que dá mais ou menos uma Belo Monte por ano de aumento de consumo , alerta Secundino Soares Filho, professor da Unicamp.
Gostaria que a sociedade brasileira verificasse qual foi o empreendimento que investiu 4,6 bilhões de reais em melhorias da sociedade. Esse legado para o povo brasileiro, que é a usina , justifica Duílio de Figueiredo.
E eu me sinto muito prejudicado e para nós é uma tristeza isso , lamenta o pescador Raimundo dos Santos Martins.
Foi prometido um lugar bonito, uma cidade boa para se viver. Essa cidade, por enquanto, não chegou , comenta Milton Elias Fisher, presidente da Associação Comercial de Altamira.
Fonte: G1