Não sei se pela distância, vejo cada vez mais a esfera da política como um obstáculo à recuperação econômica sustentável. Temer ainda luta pela estabilidade. Prometeu não ser candidato em 2018. Ainda assim, a lógica política vai empurrando suas decisões para o sentido oposto de uma contenção de gastos necessária para superar a crise.
O socorro ao Rio e ajustes com os Estados já estavam inscritos como grandes problemas pós-impeachment. E ainda inseguro no cargo, Temer não tem condições de vetar o aumento para o funcionalismo.
O governo é frágil também porque a cúpula do PMDB está implicada na Lava Jato. Aliás, se estivesse só implicada, o problema seria menor. Mas ela mostrou ter como sonho de consumo esvaziar a Lava Jato, até pela via do jogo parlamentar.
A eleição na Câmara dos Deputados apresentou muitos nomes, nenhum com condições de conter o apetite dos grupos fisiológicos. A negociação com o Congresso tende a ser mais cara ainda em ano eleitoral.
Todos esses fatores reunidos me levam a esperar, na melhor das hipóteses, um ajuste fiscal meia-bomba, que nos conduza a 2018 sem que os problemas essenciais tenham sido atacados. A tendência é pensar: em 2018, aí, sim, as coisas podem melhorar. Um presidente eleito tem legitimidade para conduzir um processo de mudanças mais ásperas e profundas.
A grande incógnita, de novo, é o Congresso. Surgirá um tipo de governo de coalizão que escape do fracasso dos outros que o antecederam? Ulysses Guimarães quando se criticava o nível da Câmara, respondia: “Esperem a próxima, será pior ainda”.
Mas Ulysses dizia isso com base na experiência de outra fase da democracia. Ou pelo menos não ousou concluir que, de pior a pior, o Congresso acabaria numa crise profunda e o próprio sistema político se desprenderia da realidade do País.
Para realizar as esperanças de sucesso de um presidente legítimo as eleições teriam a enorme tarefa de renovar o Congresso.
A liderança de Eduardo Cunha lançou a Câmara no seu último estágio: a de um balcão de negócios. Ele produzia e distribuía recursos a seu grupo fisiológico nos períodos eleitorais. Era o maior criador de jabutis da história, com emendas inseridas nas medidas provisórias.
Hoje, o agora ex-presidente da Câmara e o presidente do Senado são os alvos principais da Lava Jato no Congresso. Cunha tem conta na Suíça, faz viagens milionárias, incríveis manobras para não ser julgado. E aparece sempre dizendo que é inocente.
De nada adiantavam as evidências, apenas a sua narrativa. Outro dia, lendo um ensaio de Bruno Latour sobre a democracia, ele tomava como ponto de partida aquela ida do Colin Powell à ONU às vésperas da invasão do Iraque. Todo um espetáculo narrativo para demonstrar as armas de destruição em massa, com imagens, mapas. As armas não existiam.
O cinismo não é um traço só da política brasileira. Os franceses cunharam uma expressão para suas expressões vazias: langue de bois.
Mas o que aconteceu no Brasil nos últimos anos pode abalar a profecia de Ulysses. O choque entre as narrativas e as evidências se dá num momento em que o Brasil tem um fluxo mais abundante e rápido das informações. E são evidências inescapáveis, gravações, cheques, delações premiadas. Está tudo aí, disponível a um toque no smartphone.
Outro momento ainda não avaliado: o impacto da transmissão ao vivo do impeachment de Dilma Rousseff. Muitos observadores – estrangeiros inclusos – previram que aquele espetáculo, no mínimo, levaria a sociedade a refletir sobre seus representantes.
Jogar as esperanças para 2018 não significa uma fuga do áspero cotidiano da transição. A Lava Jato tem um adversário mais sutil que o PT pela frente. E alguns movimentos da Justiça são ambíguos.
A história da prisão de Carlinhos Cachoeira e Cavendish foi uma dança em torno das tornozeleiras eletrônicas. Foram presos, estavam à espera de uma tornozeleira eletrônica, artigo raro num Rio falido.
Finalmente libertados sem tornozeleiras, a desembargadora quer uma escolta da Polícia Federal para vigiá-los em suas prisões domiciliares. O resultado é que se a proposta for aceita teremos pelo menos quatro policiais presos, no lugar de dois bandidos no xadrez. Ou com tornozeleiras.
Mesmo nas esferas mais altas os sinais são ambíguos. O ministro Celso de Mello negou a prisão de condenados após julgamento em segunda instância. Negou em nome de um principio, o de que ninguém deve ser considerado culpado antes de a sentença transitar em julgado.
O problema é ver como esse princípio abstrato se aplica no Brasil de hoje. O Supremo Tribunal está congestionado. Muitas pessoas, com base nesse dado, empurram seus processos, na esperança da prescrição, da impunidade.
A Lava Jato avança num terreno instável, com as surpresas e os vaivéns na Justiça, com a retirada da urgência nos processos de corrupção. A retirada partiu do governo Temer. É a tática mais suave, melíflua, da cúpula do PMDB.
Exceto Cunha, ela jamais vai bater de frente. Jamais um dos seus ideólogos, se é que os tem, vai dizer que o juiz Sergio Moro foi treinado pelo FBI para entregar o pré-sal às “Seis Irmãs”, empresas de petróleo norte-americanas. Mesmo com um pouco mais de sutileza, o PMDB não se aguenta: seus principais líderes não escaparão da Lava Jato, embora os ritmos e meandros do foro privilegiado possam dar-lhes uma sobrevida.
Se as eleições de 2018 não se fizerem já com uma reforma política, certamente seu resultado servirá para impulsioná-la. Acabou uma fase da democracia no País. Com seus líderes e partidos, na maioria esmagadora, rejeitados pela sociedade, as eleições de 2018 abrem o caminho da renovação ou da aventura.
Tudo vai depender uma sociedade que cada vez sabe mais sobre o universo político. Sabe o bastante para desprezá-lo de vez. Ou tentar algo novo.
Artigo publicado no Estadão em 15/07/2016