Lá se foi o impeachment de Dilma. Em poucos dias a Câmara se livra de Eduardo Cunha. Começou uma nova fase, mesmo para aqueles que não a desejavam. Os defensores do governo caído também mudaram de palavra de ordem. Volta Dilma saiu de cartaz e no lugar entrou o slogan Diretas Já.
Em tese, deveria começar logo o tempo de mudanças que recuperem a economia, a grande prioridade do momento. Mas por mais que deseje a melhora, novos horizontes, retomada das contratações, o governo Temer ainda não inspira a confiança necessária.
Ele nem se preocupou em enterrar a velha fase. Na China, Temer fez comentários sobre os protestos e Meirelles, que é ministro da Fazenda, também tentou analisá-los. São dois trapalhões com estilo diferente. Temer subestimou o movimento. Meirelles superestimou-o, afirmando que era um protesto substancial com 100 mil pessoas. Os comunicadores do governo não ganham o mesmo que João Santana cobrava do PT. Mas precisam ao menos ensinar uma fórmula de o governo tratar manifestações.
Não é complicado. Basta dizer que manifestações pacíficas são legítimas e as violentas, condenáveis. Não precisa analisar, comparar, tornar-se um comentarista de TV.
Já tendem a dizer bobagem no Brasil. Com o fuso horário trocado, entre uma e outra reunião na China, dormindo durante discursos, a tendência a cometer erros é exponencial. Eles estão se achando. Mas se esquecem de que são apenas a parte que ainda escapou da polícia e, pelas circunstâncias legais, tornou-se a detentora do governo.
Nesta semana foi aberta uma nova frente de investigações policiais: os fundos de pensão. Isso bate direto no PT, que dominava esses fundos. Mas não deixará de lado o parceiro PMDB. O ex-ministro Edison Lobão já tem seu nome envolvido. O próprio Henrique Meirelles era um dos diretores do Grupo JBS. Ele diz agora que era apenas consultor do grupo. Mas quando entrou para o grupo os rumores sobre a JBS já eram muito intensos. Já se falou de tudo sobre ela. Era tão próxima do governo que se espalhou o boato de que o Lulinha era um dos seus sócios.
O que há de verdade, comprovável pelos fatos, é que a JBS tomava grandes empréstimos do BNDES e injetava muito dinheiro nas campanhas políticas. Dos R$ 2,5 bilhões que pegou do governo, repassou 18,5% da grana em doações. Mas o grupo tinha uma sede enorme de recursos públicos. Não lhe bastava o financiamento, a juros amigos, do BNDES. Era preciso entrar nos fundos de pensão.
O JBS floresceu no governo do PT e era um de seus principais financiadores. Meirelles era do governo anterior e acabou se integrando nessa máquina de captação de dinheiro público. Para mim, soa como um canastrão em suas entrevistas. O mercado o aprova, Temer o escolheu para a retomada, resta esperar que faça a coisa certa.
Quando a Polícia Federal anunciou o tamanho das dívidas dos fundos de pensão, algo como R$ 54 bilhões, a grande pergunta que ficou no ar: como foi possível um rombo dessa dimensão sem que o País se desse conta? Os boatos sobre aparelhamento datam de 2003. Porém não compartilho a ideia de que a imprensa se tenha omitido e seja a culpada. Os dirigentes dos fundos trabalharam muito para proteger a caixa-preta.
As investigações que resultaram na Operação Greenfield nasceram de reportagens em alguns dos maiores jornais do País. O próprio Ministério Público reconhece que esse foi o ponto de partida. Demorou, reconheço. Congresso, oposição e autoridades, que deveriam controlar o processo, falharam. No momento em que se discute a reforma da Previdência, a esquerda, certamente, vai combater as mudanças, mesmo pressentindo que a estrutura atual é insustentável.
É legítimo e necessário que os interesses dos aposentados sejam defendidos num modelo renovado. Mas a base para essa defesa é enfraquecida não só diante da manipulação dos fundos e do golpe nos empréstimos consignados. Os aposentados, afinal, são “os nossos velhinhos que queremos proteger” ou apenas um pretexto para desviar milhões para os cofres do partido ou mesmo para a fortuna pessoal dos dirigentes?
Com o impeachment realizado, esperava uma ligeira queda na temperatura política. Compreendo que as pessoas queiram discutir ainda se houve golpe ou se foi legal. Mas é necessário também olhar para a frente. A mediocridade do governo é o que temos disponível para realizar a transição até 2018.
Durante algum tempo Temer acenou para algo melhor depois do impeachment. Prometeu que mudaria o Ministério, etc. e tal. Aparentemente, é só conversa. As tarefas de recuperação da economia e da política são bastante claras. Temer está feliz com a Presidência, que não alcançaria em outras circunstâncias.
Será preciso um grande impulso para que o País saia da crise. Se o governo, pelo menos, não atrapalhar, há uma esperança de que se chegue a 2018 com alguns problemas resolvidos. Isso numa visão francamente otimista. A tendência a buscar soluções fáceis para problemas complexos continua sendo, na forma do populismo de direita ou de esquerda, uma grande força eleitoral.
Dentro de dois meses teremos eleições nos EUA. A trajetória de Donald Trump sugere muitas análises. Tanto lá como aqui, ampliou-se a estrada da aventura política. É um novo despertar dos mágicos, dos construtores de muros, à direita, aos multiplicadores dos pães, à esquerda.
Enganado por uma falsa renovação ética, saqueado pela corrupção que arruinou grandes empresas, a tendência do eleitorado brasileiro, imagino, será de sobriedade. O que virá em 2018 dependerá muito do que a sociedade construir agora, nesse período de transição. Tempo também para os que querem dedicar sua vida a melhorar a vida do povo reflitam se querem mudanças sustentáveis ou preferem só acalmar sua consciência.
Artigo publicado no Estadão em 09/09/2016