É muito difícil fazer a revolução, é muito difícil vencer, mas as dificuldades mesmo começam quando se chega ao governo.
Esta é uma frase de um personagem do filme Batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo. Sempre me interessei pelo tema na literatura que descreve as transformações na cabeça das pessoas que alcançam o poder.
O personagem de Pontecorvo referia-se a uma guerra de libertação nacional contra o colonialismo francês, algo muito mais dramático do que a vitória da esquerda brasileira em 2002.
Minha experiência no Brasil, leva-me a ressaltar um ponto decisivo na corrosão dos objetivos estratégicos – quando existem – dos vencedores de uma luta prolongada: o desejo patético de continuar no poder, desde o primeiro dia em que se instalam nele.
A contradição entre o discurso modernizador e as atitudes do governo fica muito mais clara no período eleitoral, embora exista todo o tempo.
Dilma Rousseff convidou o empresário Jorge Gerdau para colaborar na racionalização administrativa do governo.
Gerdau foi decisivo na modernização do governo do estado do Rio de Janeiro. Temos uma dívida de gratidão com ele, que investiu dinheiro do seu próprio bolso no projeto.
O único efeito colateral dessa operação bem sucedida foi o aumento do prestígio do governador Sérgio Cabral. Nada de muito grave que não pudesse ser anulado com uma noitada em Paris, a bajulação do dono da Delta, guardanapos amarrados na cabeça e as mulheres exibindo os sapatos Cristian Labutin como se dançassem um passo de cancan.
Apesar de todo o trabalho de Gerdau, Dilma criou mais ministérios. Oficialmente, temos 39. Com o marqueteiro João Santana funcionando como um ministro especial, podemos chama-los da presidente e seus 40 ministros.
A racionalidade foi para o espaço porque existe apenas o patético desejo de continuar no poder.
Como se não bastasse, Dilma resolveu prolongar a redução do IPI dos carros até o fim do ano. Qualquer pessoa sensata que ande pelas ruas das metrópoles brasileiras sabe que estamos chegando ao limite e que a falta de mobilidade urbana é um grande desafio à produtividade nacional.
Isso para não mencionar os portos como o de Santos, com filas quilométricas de caminhões. Não conseguimos exportar nossa produção com fluidez, a mercadoria adormece no asfalto e não consegue ser liberada pela burocracia quando importada de avião.
É surpreendente como uma esquerda que se inspirou no marxismo, mesmo sem tê-lo lido bem, com raríssimas exceções adote o caminho irracional com tanta naturalidade.
Falando com um americano do setor de petróleo, ele se mostrou perplexo com a decisão da Petrobrás de comprar uma refinaria em Pasadena, nos EUA. O equipamento é superado, custou alguns milhões de dólares a mais do que valia e nos deixou com o mico nas mãos.
Não posso afirmar que esta irracionalidade está ligada às eleições, assim como tentativa de entregar ilhas do patrimônio nacional para o ex-senador Gilberto Miranda.
Mas se alguém ganhou dinheiro com o negócio desastroso, os dólares têm toda a possibilidade de aparecer na campanhas.
Muitos gostam de enriquecer, comprar imóveis em Miami, alugar aviões etc. Mas o dinheiro da campanha é sempre sagrado: the show must go on.
Isso num contexto geral mais obscuro em que eleitoralmente é possível saber quem ajuda ao governo, mas, pelo fechamento do BNDES, é impossível saber a quem o governo ajuda.
O trânsito para a total irracionalidade é mais nítido na esquerda venezuelana, que usa o mesmo marqueteiro do PT.
Num dos anúncios criados por Santana, Chavez aparece no céu, encontrando-se com Che Guevara, Simon Bolivar.
Nicolas Maduro, o candidato chavista, vai mais longe: afirma que o comandante Chavez reaparece em forma de passarinho quando se reza por ele.
Breve teremos passarinhos trinando nos campos verdes, a encarnação de Chavez protegendo nosso sono, aconselhando-nos nos dilemas cotidianos e, é claro, batendo pesado na oposição.
Como foi possível sair da leitura de Marx para um realismo fantástico de segunda categoria?
Como foi possível do caldo das teses de Marx sobre Feuerbach, mostrando a origem social do misticismo, ou do tempero da Origem da Família, da Propriedade e do Estado, a crença de que exista um canto no céu onde se encontram os ícones da esquerda latino-americana e que eles viram passarinho para nos indicar o caminho da libertação?
Mesmo sem parecer muito inteligente, não creio que Nicolás Maduro leve a sério essas histórias da transfiguração de Chavez.
No caso de Lula, posso falar com mais propriedade. Ao nomear Dilma a mãe do PAC houve uma nítida inflexão em suas idéias sobre o mundo.
Lembro-me que, em 2002, na Caravana da Cidadania, ao visitarmos São Borja, onde Getúlio Vargas está enterrado, Lula hesitou em levar flores ao seu túmulo. “Não seria fortalecer um populismo desmobilizante?” perguntou.
Certamente Lula não acredita que a sociedade democrática seja uma réplica da família, na qual os governantes fazem o papel dos pais e os eleitores de filhos obedientes.
A verdade é que a esquerda no poder deixou para trás muitas convicções. Oscila entre o paternalismo e o misticismo religioso. Suas fontes não são apenas as religiões de origem cristã.
Inconscientemente, já pratica o vodu, sobretudo o ouanga, uma simpatia para envenenar simbolicamente os adversários, através de seus sacerdotes eletrônicos.
Não percebem que o destino final de seu sonho de poder é a criação de uma nação de zumbis, manipulando gadgets, povoando supermercados, mentalmente mortos por falta de oxigênio no cérebro.
Ao invés de avançar através da prática e autocritica , de aprender com os próprios erros e contribuir com o alargamento do horizonte intelectual, a esquerda em alguns países latino-americanos optou pelo atraso e superstição simplesmente porque tem pavor de perder o governo, como se não houvesse vida fora dele.
Assim, uma jovem rebelde dos anos 60 se transformou na Mãe Dilma apoiada pelo Pai Lula e seu quadragésimo ministro produz filmes sobre a esquerda no céu para os herdeiros de um passarinho chamado Chavez.
Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo.
Esta é uma frase de um personagem do filme Batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo. Sempre me interessei pelo tema na literatura que descreve as transformações na cabeça das pessoas que alcançam o poder.
O personagem de Pontecorvo referia-se a uma guerra de libertação nacional contra o colonialismo francês, algo muito mais dramático do que a vitória da esquerda brasileira em 2002.
Minha experiência no Brasil, leva-me a ressaltar um ponto decisivo na corrosão dos objetivos estratégicos – quando existem – dos vencedores de uma luta prolongada: o desejo patético de continuar no poder, desde o primeiro dia em que se instalam nele.
A contradição entre o discurso modernizador e as atitudes do governo fica muito mais clara no período eleitoral, embora exista todo o tempo.
Dilma Rousseff convidou o empresário Jorge Gerdau para colaborar na racionalização administrativa do governo.
Gerdau foi decisivo na modernização do governo do estado do Rio de Janeiro. Temos uma dívida de gratidão com ele, que investiu dinheiro do seu próprio bolso no projeto.
O único efeito colateral dessa operação bem sucedida foi o aumento do prestígio do governador Sérgio Cabral. Nada de muito grave que não pudesse ser anulado com uma noitada em Paris, a bajulação do dono da Delta, guardanapos amarrados na cabeça e as mulheres exibindo os sapatos Cristian Labutin como se dançassem um passo de cancan.
Apesar de todo o trabalho de Gerdau, Dilma criou mais ministérios. Oficialmente, temos 39. Com o marqueteiro João Santana funcionando como um ministro especial, podemos chama-los da presidente e seus 40 ministros.
A racionalidade foi para o espaço porque existe apenas o patético desejo de continuar no poder.
Como se não bastasse, Dilma resolveu prolongar a redução do IPI dos carros até o fim do ano. Qualquer pessoa sensata que ande pelas ruas das metrópoles brasileiras sabe que estamos chegando ao limite e que a falta de mobilidade urbana é um grande desafio à produtividade nacional.
Isso para não mencionar os portos como o de Santos, com filas quilométricas de caminhões. Não conseguimos exportar nossa produção com fluidez, a mercadoria adormece no asfalto e não consegue ser liberada pela burocracia quando importada de avião.
É surpreendente como uma esquerda que se inspirou no marxismo, mesmo sem tê-lo lido bem, com raríssimas exceções adote o caminho irracional com tanta naturalidade.
Falando com um americano do setor de petróleo, ele se mostrou perplexo com a decisão da Petrobrás de comprar uma refinaria em Pasadena, nos EUA. O equipamento é superado, custou alguns milhões de dólares a mais do que valia e nos deixou com o mico nas mãos.
Não posso afirmar que esta irracionalidade está ligada às eleições, assim como tentativa de entregar ilhas do patrimônio nacional para o ex-senador Gilberto Miranda.
Mas se alguém ganhou dinheiro com o negócio desastroso, os dólares têm toda a possibilidade de aparecer na campanhas.
Muitos gostam de enriquecer, comprar imóveis em Miami, alugar aviões etc. Mas o dinheiro da campanha é sempre sagrado: the show must go on.
Isso num contexto geral mais obscuro em que eleitoralmente é possível saber quem ajuda ao governo, mas, pelo fechamento do BNDES, é impossível saber a quem o governo ajuda.
O trânsito para a total irracionalidade é mais nítido na esquerda venezuelana, que usa o mesmo marqueteiro do PT.
Num dos anúncios criados por Santana, Chavez aparece no céu, encontrando-se com Che Guevara, Simon Bolivar.
Nicolas Maduro, o candidato chavista, vai mais longe: afirma que o comandante Chavez reaparece em forma de passarinho quando se reza por ele.
Breve teremos passarinhos trinando nos campos verdes, a encarnação de Chavez protegendo nosso sono, aconselhando-nos nos dilemas cotidianos e, é claro, batendo pesado na oposição.
Como foi possível sair da leitura de Marx para um realismo fantástico de segunda categoria?
Como foi possível do caldo das teses de Marx sobre Feuerbach, mostrando a origem social do misticismo, ou do tempero da Origem da Família, da Propriedade e do Estado, a crença de que exista um canto no céu onde se encontram os ícones da esquerda latino-americana e que eles viram passarinho para nos indicar o caminho da libertação?
Mesmo sem parecer muito inteligente, não creio que Nicolás Maduro leve a sério essas histórias da transfiguração de Chavez.
No caso de Lula, posso falar com mais propriedade. Ao nomear Dilma a mãe do PAC houve uma nítida inflexão em suas idéias sobre o mundo.
Lembro-me que, em 2002, na Caravana da Cidadania, ao visitarmos São Borja, onde Getúlio Vargas está enterrado, Lula hesitou em levar flores ao seu túmulo. “Não seria fortalecer um populismo desmobilizante?” perguntou.
Certamente Lula não acredita que a sociedade democrática seja uma réplica da família, na qual os governantes fazem o papel dos pais e os eleitores de filhos obedientes.
A verdade é que a esquerda no poder deixou para trás muitas convicções. Oscila entre o paternalismo e o misticismo religioso. Suas fontes não são apenas as religiões de origem cristã.
Inconscientemente, já pratica o vodu, sobretudo o ouanga, uma simpatia para envenenar simbolicamente os adversários, através de seus sacerdotes eletrônicos.
Não percebem que o destino final de seu sonho de poder é a criação de uma nação de zumbis, manipulando gadgets, povoando supermercados, mentalmente mortos por falta de oxigênio no cérebro.
Ao invés de avançar através da prática e autocritica , de aprender com os próprios erros e contribuir com o alargamento do horizonte intelectual, a esquerda em alguns países latino-americanos optou pelo atraso e superstição simplesmente porque tem pavor de perder o governo, como se não houvesse vida fora dele.
Assim, uma jovem rebelde dos anos 60 se transformou na Mãe Dilma apoiada pelo Pai Lula e seu quadragésimo ministro produz filmes sobre a esquerda no céu para os herdeiros de um passarinho chamado Chavez.
Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo.