Com todo o respeito pelas pessoas que ficaram atônitas com a prisão de Sérgio Cabral, para muitos de nós, ela já estava demorando.
Os indícios de que Cabral enriquecia e os habitantes do estado ficavam mais pobres não datam de hoje, quando se tornaram escandalosamente visíveis. As imagens que se repetem hoje, dos homens usando guardanapos na cabeça após jantares luxuosos, ou das mulheres ostentando os sapatos Christian Louboutin, foram divulgados há alguns anos. As relações promíscuas com o empresário Fernando Cavendish também ficaram explícitas com um desastre de helicóptero na Bahia.
Nada acontecia com Cabral. Aqui e ali, vazamentos de delações premiadas indicavam seu nome. Mas até algumas semanas atrás ele dizia que tinha tudo para andar nas ruas de cabeça erguida. Desde 2013 as ruas ficaram bastante desconfortáveis para ele. No entanto, nada acontecia na dimensão legal.
Cabral viveu a euforia do petróleo, momentos de riqueza que escorreram pelos dedos mas reforçaram nele sua sensação de importância. Além disso, era o amigo de Lula, o homem que ordenava as obras federais. Talvez haja um traço de arrogância juvenil em sua personalidade. O fato é que as circunstâncias o transformaram num homem autoconfiante que tinha como objetivo viver a vida dos muito ricos. Onde comem? Com que helicópteros se deslocam? Que joias cobrem o corpo de suas mulheres? A queda de Sérgio Cabral é apenas mais um dado do fim de uma época, marcada pela crise do petróleo, pela descoberta da corrupção sistêmica e pela quebradeira do Rio.
Com todo o respeito pelos atônitos, pelos distraídos, há muitos anos Cabral já deveria ter sido desmascarado. Quando ele declarou, em 2010, que sua casa em Mangaratiba valia só R$ 200 mil, e contestei no TRE, perdi a causa e quase fui processado.
A Justiça do Rio sempre foi muito gentil com ele. Todo o establishment, aliás. O estado nadava em dinheiro, o PMDB parecia o horizonte possível de nossa felicidade.
Cabral aconteceu por acaso ou sua efêmera glória foi intencional? Perguntas que valeram para 1.500, podem ter alguma utilidade aqui e agora.
Artigo publicado no Globo em 18/11/2016