Quando o presidente do COI, Thomas Bach, disse que a Olimpíada seria realizada “à la Brasil”, deixou uma pergunta no ar. Isso é bom ou ruim? Os próprios jornalistas, quando repetiam a expressão “à la Brasil”, com um sorriso, acrescentavam: no bom sentido. O próprio Thomas Bach declarou que usou o termo pensando na alegria e emoção dos brasileiros. Dizem que os estrangeiros na Cidade Olímpica têm uma expressão mais simples para explicar a sucessão de pequenos problemas: TIB, This is Brazil.
Historicamente, ambiguidade tem um lugar importante na definição de Brasil. No século XVI, Américo Vespúcio classificava o país como um misto de éden e barbárie. Quase todas as tentativas de definir o Brasil esbarram na ambiguidade, mesmo quando são feitas por brasileiros.
A expressão “homem cordial”, de Sérgio Buarque de Holanda, tanto pode ser vista como uma tendência à bondade quanto como uma recusa em aceitar o jogo impessoal do poder compartilhado, uma resistência aos ideais republicanos.
Se as tentativas de definir o Brasil são tão ambíguas, pode ser até que ambiguidade seja um traço insuperável de nossa História. Talvez tenha sido esta a intenção de Tom Jobim quando disse que o Brasil não era para principiantes.
Mesmo aqui dentro, quando nós tentamos encontrar certezas, somos confrontados com contradições insuperáveis. Muitos analistas consideram que os brasileiros têm um traço bovariano, expressão inspirada em Emma Bovary, personagem do escritor Gustave Flaubert. Nesse sentido, eles teriam a tendência a se considerar melhores do que são na realidade, esperando sempre que algo de bom e extraordinário venha resgatá-los. Outros, baseados em Nelson Rodrigues, afirmam que os brasileiros têm um complexo de vira-lata e sentem-se inferiores aos outros povos.
Thomas Bach disse que o momento era especial por causa da crise. Ele mesmo pediu às delegações que compreendessem essa realidade e limitassem seu nível de exigência. O Brasil, disse ele, é um país dividido. Faltou dizer que é dividido também quanto à Olimpíada: a maioria teme que o país perca mais do que ganhe com os Jogos.
Mas a alegria e a emoção estão garantidas. Alegria, emoção e choradeira. Na TV, as reportagens sobre atletas brasileiros sempre têm chororô. Às vezes, do computador, pergunto: já choraram? Dependendo da resposta, vou assistir ao final na tela grande, ver as imagens, conhecer as famílias. São muitas histórias de superação. O “New York Times” destacou um traço talvez singular no Brasil: o destaque às pessoas que superam dificuldades, mesmo que não tenham chance de vitórias. Nos EUA, a chance de vitória talvez seja um critério mais decisivo. Aqui é a superação.
Tenho uma certa dificuldade em dividir não só pessoas como países em espaços racionais e emocionais. Hoje em dia, sabemos que as emoções contêm elementos racionais, e a chamada racionalidade não está despojada de emoções. Quando a Embraer produz um avião, realiza uma tarefa de alta complexidade e é julgada unicamente pela qualidade, segurança e preço de seus produtos. Milhares de outros produtores brasileiros buscam incessantemente a excelência e sabem que apenas ela pode ajudá-los a competir.
Emoção e alegria são qualidades invejáveis. No entanto, em muitas áreas não são decisivas. Mesmo que não tenha intenções, Thomas Bach acabou nos fazendo encontrar de novo com a ambiguidade que nos persegue desde 1500. Reduzam suas exigências, valorizem a emoção e a alegria pois assim se fazem as coisas “à la Brasil”. Soa um pouco paternal, mas essa é a canção que ouvimos muito antes de Bach, o compositor, nascer, em 1650. Pode ser que a alegria seja um fator importante. Não quero complicar, mas a ambiguidade se estende também até ela.
Há quem ache os brasileiros tristes. Em 1928, Paulo Prado publicou um famoso ensaio sobre a tristeza brasileira, afirmando que a sensualidade tropical levou ao esgotamento da energia, uma constante fadiga. Índios que perdiam suas terras, africanos escravizados e portugueses expatriados, todos tinham razão para se entristecer.
São muitas as armadilhas para se compreender de estalo o sentido de “à la Brasil”. É preciso ver os olhos do outro, os lábios do outro, o tom de sua voz. A expressão é uma espécie de certeza individual diante de uma ambiguidade secular. “À la Brasil” pode ser um método de depilação íntima, um atraso no horário de entrega, um choro ao receber a medalha, enfim, uma permanente tentativa de definir o quase indefinível.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 07/08/2016