Por: Fabiano Carnevale – Secretário de Relações Internacionais do Partido Verde, Presidente Municipal do PV-Rio.
Em artigo para a Agência Envolverde/Carta Capital, a respeitada historiadora Samyra Crespo, especialista em ecologia e política, nos pergunta “Onde está o Partido Verde do Brasil?”. Esse meu artigo não é uma resposta e sim um chamado ao debate. Samyra Crespo é uma das maiores autoridades nos estudos socioambientais do país e seu artigo é um ponto de (re)/(in)flexão do movimento de ecologia política brasileiro.
Mas para iniciar o debate, é preciso estabelecer uma trajetória histórica que ela ignorou. A linha histórica do Partido Verde no Brasil traçada por ela é extremamente falha. Ela diz que “depois de anos à frente da direção nacional do Partido Sirkis cedeu à liderança a José Sarney Filho, que é sabido e ressabido foi ministro do Meio Ambiente duas vezes, graças ao prestígio do velho Sarney e ao clã político que domina o Maranhão.“
Não houve na história do PV esse processo fantasioso de transição entre a direção de Alfredo Sirkis e uma possível “entrega” do poder à José Sarney Filho. Perdemos uns 10 anos nesse meio do caminho e nunca houve essa ascensão de poder do “Zequinha”, que nunca foi presidente do PV. Portanto, nunca houve essa “cessão de poder” entre Sirkis e Zequinha.
Em 1999, num processo eleitoral democrático e transparente, uma votação entre José Luiz Penna (SP) e Rogério Portanova (SC) deu a vitória apertada ao projeto político paulista. Não cabe aqui comentar os pormenores desse projeto vitorioso mas sim ressaltar o caráter democrático do processo. Nova eleição ocorreu em 2001. Mais uma vez, Penna venceu da mesma forma apertada a eleição interna contra a candidatura de Juca Ferreira (BA). Eu estive nas duas chapas derrotadas.
José Sarney Filho entrou no PV em 2005, já como deputado federal. Ou seja, 7 anos depois daquela primeira eleição presidencial interna. A narrativa da autora se desconstrói pela história.
Avançado esse tema, partimos para outro ponto que foi ignorado pelo artigo de Samyra Crespo: as armadilhas do sistema eleitoral brasileiro. Um sistema que privilegia nomes em detrimento dos programas partidários. O que provoca tensões irreconciliáveis entre bancada parlamentar e direção partidária. Tensão essa que é clássica dos partidos verdes em todo o mundo mas que são exacerbadas pelo sistema eleitoral brasileiro?—?e que, a bem da verdade, ainda não resolvemos da forma que deveríamos. Embora tenhamos que reconhecer que o mandato de Fernando Gabeira entre 1995 e 2011 foi a principal trincheira (na maior parte, solitária) das lutas ecológicas e dos direitos humanos no país. Como assessor parlamentar dele (de 1998 a 2011), fui testemunha de lutas como a proibição do amianto, a regulamentação do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), da luta antimanicomial e da rotulação dos transgênicos, entre outras.
Ao focarmos na pergunta inicial do artigo da Samyra, precisamos refletir que disputar uma eleição com um programa político-partidário (como na Alemanha e na França) é muito mais saudável do que participar de um processo eleitoral no qual os nomes valem mais que uma plataforma. E então estamos de acordo que foi aí que o PV brasileiro perdeu boa parte de sua identidade política. Num sistema eleitoral que privilegia pessoas em detrimento de um programa, é difícil construir uma unidade político-partidária. A pergunta “Onde está o Partido Verde no Brasil” deve sempre ser “Onde estão os partidos políticos num sistema eleitoral personalista”.
E eis que Samyra nos dá alguma resposta ao afirmar que “no Rio onde conheço um pouco a história dos militantes vi muitas brigas intestinas [sic] e muita gente se bandeando para outros partidos. Caso do André Corrêa, Maurício Lobo (ambos foram secretários de meio ambiente a despeito do PV a que pertenciam).”André Corrêa mudou diversas vezes de partido e está preso. Maurício Lobo preteriu o PV pela aliança com o então PFL. São exemplos que nada agregam ao debate necessário que precisamos construir. São espumas ao vento.
No somatório dessas espumas jogadas ao vento, a autora afirma que “a última tentativa de tornar o PV uma expressão política nacional foi na campanha da Marina contra a Dilma para a presidência.“ Desconhece os processos internos do “grupo da Marina”, que tentou submeter a Executiva Nacional à um jogo de cartas marcadas. Em 2011, como Secretário Nacional de Comunicação, disse à Folha de S. Paulo que deveríamos “construir as pontes entre os milhões de votos de Marina” à “rica história do PV no Brasil”. Fui derrotado e o que é bem pior, ignorado. Muito mais pelos “marinistas” do que pelos históricos do Partido Verde. Esse é outro falseamento da nossa história. Um conto de fadas que não resiste a realidade do nosso apoio à Marina (já na Rede) em 2018 (que eu apoiei enfaticamente, como dirigente e como candidato a uma vaga na Câmara dos Deputados).
Não quero aqui criar uma narrativa de que somos um partido político coerente e bem acabado. Longe disso. Considero que o artigo de Samyra Crespo ajuda a nos situar no debate político atual. E observo alguns pontos de encontro entre meus últimos artigos e o dela. Quando ela diz que “a doutrina da transversalidade da agenda ambiental e o pragmatismo político, impediram todos estes anos que o PV tivesse uma identidade clara e atraente” ou quando pergunta de “por que mais de 20 anos [já são mais de 30] após sua fundação?—?por uma turma promissora que se tornou política profissional?—?o partido permanece nanico e nunca apresentou condições de ser mais do que é?“, eu percebo um diálogo necessário com os meus questionamentos e reposicionamentos a respeito do slogan clássico do ecologismo (“nem à direita nem à esquerda, à frente).
Mas quando ela pergunta “por que hoje não é uma força unificadora dos ambientalistas, quando a área vem sendo duramente atacada pelos atuais governantes?”, eu penso num chamado para que ela e todas as forças ambientalistas se unam às nossas reflexões. As críticas?—?que devem ser muito bem recebidas?—?nunca terão a força de um esforço coletivo de repensar e recolocar o debate ecologista no centro da agenda pública brasileira. Politicamente, esse seria um grande desafio e uma bela oportunidade.
E então nos vemos diante da pergunta/reflexão final dela: “(…) o que vão fazer os verdes?—?lideranças e militância?—?diante deste momento tão crucial?”
Mais que uma analista político sou observador-participante da história dessas últimas décadas de ecologismo no Brasil (mais da metade da minha vida). Somos um partido cheio de contradições, erros e desalinhos. E são nessas contradições que construímos cotidianamente o ecologismo como uma ideologia. Porque ainda somos o Partido Verde de Herbert Daniel e Chico Mendes. De Alfredo Sirkis e Fernando Gabeira. Estamos mais vivos do que nunca, Samyra. Seu artigo-provocação é prova disso. E ele é muito bem-vindo.
Fonte: Medium