ADRIÁN ALBALA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Apesar da vitória folgada, o novo presidente do Chile, Sebastián Piñera, deverá contar com um cenário delicado durante todo o seu mandato.
A sua coligação não conseguiu obter maioria em nenhuma das duas Casas legislativas, o que forçará o novo governo a barganhar cada projeto com parlamentares de partidos de outros blocos. Nada garante que isso será fácil.
Desde o retorno à democracia, em 1990, depois de 17 anos de uma ditadura comandada pelo general Augusto Pinochet (1915-2006), o Chile tem desenvolvido uma cultura de acordos entre coalizões marcada pelo consenso, de modo a garantir a governabilidade.
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O efeito disso foi trazer para o centro do espectro político a formulação dos projetos de leis e, consequentemente, a competição eleitoral.
Por um lado, isso contribuiu para uma grande estabilidade dos sucessivos governos. Por outro, desaguou numa crescente convergência das posturas e ideologias políticas e na dificuldade de distinção clara entre os blocos.
Em razão dessa homogeneização das plataformas, os cidadãos foram pouco a pouco se afastando dos partidos tradicionais, se desinteressando da política. Os baixíssimos níveis de participação nas últimas três eleições ilustram esse fenômeno.
A eleição encerrada neste domingo (17) foi marcada por uma polarização das posições; o desempenho da esquerdista neófita Frente Ampla, fundada apenas em janeiro deste ano, é sintomático disso.
Também no Congresso, os parlamentares parecem muito menos dispostos a repetir a cultura dos acordos. Por isso, achar maioria será muito mais difícil para o novo presidente.
O alvo principal encontra-se nos 14 deputados e 6 senadores da Democracia Cristã (DC). Apesar de ter formado por 30 anos uma coalizão (a Concertação, que agora se chama Nova Maioria) com partidos progressistas (PS, PPD e PR), a DC vem mantendo relações caóticas com o grupo.
Todo o mandato de Michelle Bachelet foi cadenciado por tensões internas provocadas essencialmente pela Democracia Cristã. A eleição de Piñera se deve, essencialmente, ao fato de ter conseguido convencer o eleitorado da DC.
Ao sair com uma candidata própria, Carolina Goic, a DC conseguiu um “feito” duplo: alcançar o pior resultado da sua história e acabar com a coalizão que tinha contribuído para criar em 1988.
Agora, se vê diante da tentação de entrar formalmente no novo governo Piñera —tal qual um PMDB à chilena— ou permanecer neutra.
Com a DC sem posição clara, a emergência da Frente Ampla, e a provável reorganização da Nova Maioria, o cenário político chileno está mais incerto do que nunca.
ADRIÁN ALBALA é professor visitante na Universidade Federal do ABC
Fonte: Folha de São Paulo