Pela enésima vez, o Supremo Tribunal Federal foi chamado a suprir um direito que o Congresso Nacional se absteve de prover. Ao considerar inconstitucional a censura a biografias não autorizadas, os ministros do STF deram uma nova lição aos congressistas. Ensinaram que não se deve brigar com o óbvio. Vale a pena ouvir um trecho do voto da relatora do processo, a ministra Carmén Lúcia:
— Vida é experiência de riscos. Riscos há sempre, em tudo e para tudo. Mas a vida pede de cada um de nós coragem perante os riscos e solução para o que vier a se concretizar. O direito dita formas de se fazer com que sejam reparados os abusos. A saber, por indenização a ser fixada segundo o que se tenha demonstrado como dano. O mais é censura. E censura é forma de cala-boca. Pior: cala a Constituição, amordaça a liberdade, para se viver o faz de conta de se deixar de ver o que ocorreu. […] Cala boca já morreu. É a Constituição do Brasil que garante.”
O Congresso discute há pelo menos nove anos a inadequação dos artigos do Código Civil brasileiro que condicionam a publicação de biografias à autorização prévia dos biografados ou de seus herdeiros. Sob a omissão dos congressistas, proliferaram os casos de censura disfarçada de direito à privacidade.
No caso mais noticiado, o cantor Roberto Carlos obteve na Justiça a proibição de obra sobre sua vida. Familiares do jogador Garrincha e do poeta Vinicius de Moraes também se converteram em estorvo antibiográfico. Até um filme de Glauber Rocha em homenagem a Di Cavalcanti foi barrado pela família do pintor.
Foi contra esse pano de fundo que o Congresso esbarrou no óbvio, tropeçou no óbvio e passou adiante, sem se dar conta de que o óbvio é o óbvio. Foi preciso que o STF proclamasse: “Ali está o óbvio. Ele se chama censura. É inconstitucional.”
Fonte : Blog do Josias de Sousa