Paulo de Araújo/MMA
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Sistema: água própria para consumo
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Presidente da Associação Internacional de Dessalinização destaca iniciativa do MMA que produz água de qualidade no semiárido brasileiro.
ELMANO AUGUSTO
“O Programa Água Doce é um exemplo para o mundo”, vai logo dizendo Emílio Gabbrielle. “É um caso de sucesso que merece ser conhecido por todos, que precisa ser divulgado para todo o planeta”, prossegue ele, as palavras fluindo, velozes, num misto de italianês e portunhol.
De passagem por Brasília, o presidente da Associação Internacional de Dessalinização (IDA, na sigla em inglês), italiano de nascimento e brasileiro de coração, não escondeu o entusiasmo ao falar sobre o programa do Ministério do Meio Ambiente (MMA) que produz, de forma permanente, água de qualidade para milhares de famílias do semiárido brasileiro por meio da dessalinização de águas subterrâneas, salobras ou salinas, extraídas de poços profundos.
Entre uma reunião e outra com gestores da Secretaria de Recursos Hídricos e Qualidade Ambiental do MMA, para discutir a organização do VII Encontro Nacional de Formação do Programa Água Doce (PAD), que ocorrerá na próxima semana, entre os dias 5 e 7 de dezembro, em João Pessoa, na Paraíba, ele fez uma avaliação do sistema brasileiro em comparação com programas similares do resto do mundo.
“É uma ideia simples e eficiente que mostra a criatividade do povo brasileiro. Visitei 20 países nos últimos dois anos, como presidente da IDA, e não vi nada parecido em nenhum lugar do mundo”, diz ele sobre o programa.
A Associação Internacional de Dessanilização reúne as 50 nações mais criticamente ameaçadas pela escassez de recursos hídricos no planeta, entre elas, os países do Oriente Médio, como Israel, Arábia Saudita e Irã, onde a disputa pela água é estratégica e pode ser motivo de guerra. No seu mais recente congresso mundial, realizado em meados de outubro, em São Paulo, a IDA premiou o Programa Água Doce pelo seu caráter socioambiental e inovador.
REVOLUÇÃO
Para Gabbrielle, o programa brasileiro é revolucionário em todos os sentidos. De um lado, muda a realidade de comunidades do semiárido que antes dependiam de caminhões-pipas para sobreviver e cuja água nem sempre era de boa qualidade. Por outro, inova na técnica da dessalinização.
“Fazer a dessalinização da água salobra é um processo muito mais complicado do que a da água do mar, e aqui no Brasil isso está sendo feito de fontes subterrâneas e profundas, de forma muito competente. A água produzida pelo programa brasileiro é de ótima qualidade, como já foi comprovado cientificamente. Essa técnica das membranas (filtros de alta potência) é fantástica, elimina todas as impurezas”, garante o presidente da IDA.
O sistema consiste de poço tubular, bomba, reservatório de água bruta, chafarizes, dessalinizador, reservatório de água doce, reservatório de concentrado salino (efluente do sistema de dessalinização) e tanques de contenção do concentrado para evaporação.
Do poço profundo, a água é bombeada até o reservatório de água bruta, passa pelo dessalinizador, que usa a tecnologia da osmose inversa (remoção do sal pelas membranas), e sai purinha para o reservatório de água doce. Daí é distribuída por chafarizes para consumo humano.
Além do processo de dessalinização, Gabrielle vê outro aspecto inovador no PAD – o sistema de produção integrado que criou uma alternativa para aproveitamento do concentrado salino (a água que sobra da dessalinização). “Essa solução encontrada para se aproveitar os rejeitos é que dá mais originalidade ainda ao programa brasileiro”.
Pelo sistema, o concentrado vai para tanques de contenção e é usado na produção de peixes e na irrigação de plantas forrageiras que contribuem para a alimentação do rebanho de caprinos e ovinos durante a estação seca, seguindo um destino ambientalmente adequado.
COMUNIDADE
Mas Gabbrielle abre o sorriso mesmo quando fala sobre a participação da comunidade, que ele considera o “pulo do gato” do Programa Água Doce. “Aqui o povo é quem cuida da operação, se envolve diretamente. Isso é o grande diferencial em relação a outros países”, ressalta ele.
Na verdade, dos seis componentes do programa – gestão, sistema de dessalinização, sustentabilidade ambiental, produção integrada, formação de recursos humanos e mobilização social -, este último é uma das principais preocupações dos gestores.
Eles fazem questão de incentivar a participação das comunidades nas várias etapas de implantação do programa, desde a definição dos acordos de gestão compartilhada, quando cada parte – União, estados, municípios e sociedade civil – assume as suas responsabilidades até a operação dos sistemas de dessalinização e de produção.
“Isso é maravilhoso porque o processo torna-se autogestionário e flui com mais eficiência. As decisões passam a espelhar de forma mais precisa os reais interesses de cada comunidade. Ao operar o sistema, a comunidade assume o controle direto da distribuição da água”, afirma o presidente da IDA.
De dois anos para cá, algumas comunidades beneficiadas pelo programa passaram a utilizar energia solar para mover os dessalinizadores. Ao reduzir gastos com energia elétrica, o sistema ganhou em sustentabilidade. O fato deixa Gabrielle ainda mais empolgado com o futuro do programa.
“O uso de energias renováveis coloca o Água Doce em um novo patamar, o que terá repercussão geral com a consequente ampliação das ações”, vislumbra o italiano, sintonizado com a avaliação da Secretaria de Recursos Hídricos do MMA que projeta, para 2019, o atendimento de meio milhão de pessoas pelo programa.
DIMENSÃO
O Programa Água Doce abrange os nove estados do Nordeste – Alagoas, Bahia, Sergipe, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão – e Minas Gerais. Atende aproximadamente 200 mil pessoas por meio de uma rede formada por cerca de 200 instituições. Os municípios são escolhidos por critérios técnicos e sociais, como Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), mortalidade infantil e escassez de água.
Ao todo, 3.145 comunidades dos 298 municípios do semiárido que mais sofrem com o acesso à água já passaram pelo diagnóstico dos técnicos. Da meta de 1.200 sistemas de dessalinização, 742 estão contratados, 508 concluídos e 48 em fase de implantação em 170 municípios.
Lançado pelo MMA em 2003, com apoio de instituições como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e o Serviço Geológico do Brasil (CPRM), o programa conta com a participação dos estados e municípios e das comunidades beneficiárias.
Em cada estado há um núcleo estadual e uma coordenação estadual, criados por decreto e formados por técnicos qualificados. Nas comunidades, o sistema de dessalinização é gerenciado por grupo gestor local, estabelecido nos acordos em que a comunidade tem participação decisiva.
A implementação do programa é dividida em três etapas – avaliação das comunidades (diagnóstico), implantação dos sistemas de dessalinização e, por fim, operação, manutenção e monitoramento. O acordo de gestão só é assinado pelas partes após a instalação e entrada em funcionamento do sistema de dessalinização.
Os acordos ajudam a evitar ou sanar conflitos e permitem que a própria comunidade tome as decisões relacionadas à gestão do sistema de dessalinização, o que assegura o bom funcionamento do programa e a qualidade da água que será distribuída à população.
Além de estar conectado com os princípios da Política Nacional de Recursos Hídricos, o Programa Água Doce reforça a Política Nacional de Mudanças Climáticas, ao contribuir para a diminuição da vulnerabilidade de acesso a água no semiárido brasileiro.
Serviço:
Saiba mais sobre o Programa Água Doce
Fonte: MMA