Combate ao lixo no mar tem apenas R$ 950 mil; para saneamento e poluição do ar, ministério diz que estratégia “será definida” e que financiamento externo “tem sido buscado”
DO OC – Cantada em prosa e verso pelo ministro Ricardo Salles (Novo-SP) como prioridade máxima do Ministério do Meio Ambiente, a chamada agenda ambiental urbana padece de falta de orçamento e de objetivos claros. Alguns de seus programas não têm dinheiro; outros ainda não têm metas; em outros não se sabe nem mesmo quais serão as atribuições do ministério, já que há outras instâncias de governo diretamente responsáveis por eles.
O quadro foi traçado pelo próprio Ministério do Meio Ambiente, num questionamento do OC feito via Lei de Acesso à Informação no último dia 29. O documento revela um problema antigo do ministério e um novo da administração Bolsonaro: respectivamente, a carência crônica de verba e o improviso administrativo.
Um exemplo de ambos é a primeira fase a ser lançada de um total de seis que compõem a agenda: o PCLNM (Programa de Combate ao Lixo no Mar). Listado entre as ações prioritárias dos cem primeiros dias do governo Bolsonaro, o programa foi inaugurado pelo ministro no dia 22 de março, em Santos (SP), diante de uma escultura taxonomicamente dúbia do artista goiano Siron Franco.
O programa tem 30 ações divididas em seis eixos para dar conta de combater o lixo marinho em 274 municípios e 8.500 quilômetros de costa. No dia do lançamento, Salles declarou que não faltam recursos, mas sim bons projetos.
“Nós temos recursos, na ordem de R$ 40 milhões, já disponibilizados para os programas de monitoramento da qualidade para o rastreamento do lixo que está no mar e em medidas de combate, conscientização e até de monitoramento do ponto de vista municipal. É na cidade que estão os problemas. Os municípios precisam ter políticas para conter esse lixo”, afirmou o ministro, segundo o site G1.
A cifra informada pelo ministério para o PCLNM, porém, é mais modesta: R$ 950 mil para 2019, o que daria cerca de R$ 118 por quilômetro de praia. Esse recurso corresponde à dotação orçamentária para políticas para a gestão territorial e ambiental da zona costeira – e nem tudo vai para o programa de Salles. “A Secretaria de Qualidade Ambiental está buscando captar outros recursos com instituições governamentais, objetivando implementar o plano ao longo dos outros exercícios orçamentário-financeiros do governo federal”, afirmou o MMA na resposta ao OC. Das 30 ações do plano de ação do programa, somente três estão orçadas.
“O plano é um pot-pourri de ações desagregadas que, por imediatismo, atropelou um plano estratégico de uma comissão que vinha trabalhando nisso desde o ano passado”, critica o oceanógrafo Alexander Turra, do IO (Instituto Oceanográfico) da USP. “Ele não tem o caráter sistêmico que permitiria a otimização de recursos de forma a gerar maior benefício”, prossegue.
Segundo Turra, o orçamento existente não dá conta nem dessas ações: um projeto do IO de monitoramento de lixo em 12 praias custava R$ 1.000 por dia por praia “no menor custo”.
“O orçamento apresentando no Plano de Combate ao Lixo no Mar parece bastante otimista, considerando a quantidade de resíduos gerados no Brasil (cerca de 37 milhões de toneladas por ano) que é disposta de forma ambientalmente inadequada”, diz Íris Coluna, assessora técnica de projetos do ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade.
A segunda fase da agenda foi o programa Lixão Zero, lançado pelo ministro em uma cerimônia discreta em Curitiba, depois que protestos fizeram o MMA cancelar o evento público de lançamento. O plano de ação proposto tem 12 ações, nenhuma delas orçada – sete seriam “sem custo para o MMA”. O orçamento do ministério para a agenda de implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos em 2019 é menos pífio do que o da gestão costeira: R$ 7,7 milhões. No entanto 83% desse total foi cortado (contingenciado) no ajuste fiscal, o que deixa a ação com R$ 1,3 milhão mais R$ 450 mil que não sofreram corte.
Mais nebulosa é a situação das fases 4 e 5 da agenda urbana, os programas de qualidade do ar e de saneamento básico. O MMA afirma que “as metas, prazos e indicadores estão em desenvolvimento e serão divulgados quando do lançamento de cada uma das fases, em junho e julho, respectivamente”. Mas admite que, no caso do saneamento, a competência para tratar do assunto não é exatamente dele: “Com relação às ações de saneamento, no âmbito do governo federal as atribuições neste tema são compartilhadas com a ANA [Agência Nacional de Águas] e com o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), cabendo ao MMA o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental das águas”.
O primeiro ato de Ricardo Salles no ministério foi se desfazer da ANA. A agência foi entregue ao MDR como parte da reforma administrativa promovida no primeiro dia do governo Bolsonaro. Com isso, o MMA perdeu o principal instrumento de governança de uma agenda que seu ministro viria a declarar prioritária. “A estratégia de atuação será definida de forma a não haver sobreposição de atividades entre a ANA, o MDR e o MMA”, afirma o ministério.
O controle de poluição do ar segue mais ou menos a mesma lógica: os planos de controle de poluição veicular (PCPVs) são atribuições dos Estados, não do Ministério do Meio Ambiente. Apenas dez dos 27 Estados, segundo o MMA, possuem planos atualizados. “As ações para implementação da inspeção veicular no país serão primordialmente voltadas ao apoio aos estados no desenvolvimento de seus Planos de Controle de Poluição Veicular e de seus Programas de Inspeção e Manutenção de Veículos”, afirma o ministério.
“Precisamos de mais tempo para avaliar com mais profundidade os programas divulgados, mas em uma análise preliminar, as variáveis de como fazer e custos estimados não são exatamente claras”, afirma Coluna. “Principalmente no que se refere ao Programa Lixão Zero, fala-se genericamente que muitas das as ações serão implementadas por meio de editais públicos para projetos municipais e com custos a serem definidos em função do escopo”, prossegue.
Não há recurso especificado para essas agendas: no orçamento do MMA existe uma rubrica que contempla, segundo a pasta, “algumas ações” delas – R$ 1,016 milhão, mais ou menos o preço de um apartamento em Brasília.
O MMA admite que, como seu orçamento é limitado, está buscando “fontes alternativas”, como parcerias público-privadas, agências de fomento e linhas de crédito em bancos. No entanto, diz, “no momento não há previsão de financiamento por fontes externas” para os programas de lixo no mar, saneamento e controle de poluição do ar.
Procurado para comentários, o MMA não respondeu até o fechamento desta edição. (CLAUDIO ANGELO)
COMO USAR A LEI DE ACESSO
Qualquer cidadão pode solicitar qualquer dado público ao governo pela Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011). Basta para isso se cadastrar no e-SIC, sistema da Controladoria-Geral da União que permite fazer solicitações eletronicamente aos vários órgãos da administração federal.
Fonte: Observatório do Clima