O Brasil é conhecido por formular boas leis que não “pegam”. Uma delas é o Código Florestal de 1965, considerado pelos especialistas como “adequado” às necessidades do país, embora tenha sido descumprido em muitos aspectos, principalmente na questão do desmatamento. Agora, o Congresso Nacional prepara-se para inverter a lógica e piorar a lei, com um novo Código que, na opinião dos advogados e defensores do meio ambiente, é claramente um retrocesso em relação à lei em vigor.
A proposta está transformando o Código Florestal em um código agrícola, ataca André Lima, advogado ligado ao Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Antes, a lei protegia as áreas florestais. Com as alterações promovidas, passará a “legalizar” desmatamentos irregulares, sem a perspectiva de recuperaras as áreas devastadas.
Retrocesso, aliás, é a palavra mais ouvida entre os advogados e estudiosos do tema. O aspecto mais criticado é a anistia a quem promoveu desmatamento irregular de 1998 até 2008 – data da lei de crimes ambientais. A palavra anistia não aparece no texto, o que serve de argumento para quem nega que ela vá ocorrer. Na prática, é o que o projeto propõe ao considerar consolidadas como áreas agrícolas os desmatamentos irregulares e omitir a necessidade de recuperação ou compensação delas, aspecto previsto no Código em vigor.
Depois de aprovado pela Câmara dos Deputados, o projeto de lei recebeu modificações introduzidas pelo senador Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC), relator da matérias nas comissões de Agricultura, Constituição e Justiça do Senado. “O relator fez algumas modificações positivas, porém acessórias”, comenta o advogado Raul Telles do Vale, do Instituto Socioambiental (ISA). “O mais danoso é a ideia, impregnada no texto, de que todo desmatamento feito até 2008, ilegal ou legal, mas sobretudo ilegal, será perdoado, ou seja, não será recuperado.” Mais do que isso, como está a lei não prevê o que vai ocorrer com os novos desmatamentos e nem sanções para quem já desmatou e não recuperou, adverte Lima.
A anistia aos desmatadores pode ser um problema sério, mas não é o único a preocupar, segundo Telles do Vale. “Existem outros dispositivos que aumentam o desmatamento, geralmente em áreas protegidas”. Na regra atual, existe a possibilidade de desmatar em beira de rio em casos especiais. São exceções, previstas em situações de utilidade pública, mas é preciso provar a necessidade de a obra ser feita ali. “Agora, não está claro quem vai autorizar, não é preciso comprovar a necessidade de desmatar a área nem se exige compensação.”
A redação foi baseada numa resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Na conversão do texto, palavras foram substituídas e omitidas, alterando o espírito da resolução. Um exemplo: o Código atual prevê replantio de espécies nativas produtoras de semente para recuperar a vegetação das margens de rio. Eliminada a palavra nativa, o novo texto permite o plantio de qualquer espécie produtora de sementes, como soja. “Em uma análise simplificada, o texto geral é bom e o das disposições transitórias é muito ruim, precisaria de uma série de adequações”, comenta Gustavo Trindade, sócio do escritório Trindade Lavrati Direito Ambiental.
Mesmo os avanços são vistos com ressalva. “O relatório de Luis Henrique permite usar áreas de preservação permanente para atividades de utilidade pública, e lista algumas atividades de interesse social”. O novo texto se esquece de considerar essas intervenções em áreas de preservação como exceções, o que abre a possibilidade de novos desmatamentos. Trindade ainda pede que a lei contenha dispositivos para a recuperação florestal urbana, tema praticamente ignorado no novo texto.
As esperanças de o texto ser “consertado” recaem sobre a Comissão de Meio Ambiente do Senado, última etapa antes da votação no plenário. A relatoria do texto coube a Jorge Vianna (PT-AC), tarefa para qual o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) promete colaborar. Ambos se comprometeram a retirar do projeto “os dispositivos que favorecem apenas os grandes produtores rurais”. Caso o texto seja aprovado com os aspectos considerados negativos pelos ambientalistas, só restará o veto presidencial para impedir a piora do Código. A presidente Dilma Rousseff se comprometeu, por escrito, durante a campanha eleitoral, a não aceitar anistia nem aumento do desmatamento.
“Acreditamos que vamos conseguir, na Comissão de Meio Ambiente, colocar o projeto no caminho da razoabilidade”, diz Silva Telles. Para ele, o Código não precisa ser inflexível. “Não tem necessariamente de recuperar 100% do que foi desmatado. Pode haver exceções. Mas são necessárias propostas razoáveis para resolver boa parte dos problemas.” Para o advogado do ISA, se os senadores não conseguirem isso, “a presidente será constrangida a vetar o projeto”. E, no caso de veto, provavelmente precisará ser integral porque os parciais podem deixar o Código omisso em relação a vários pontos cobertos pela lei atual. (E.B.)
Fonte : Valor Econômico