Jacinda Ardern é a mais jovem chefe de governo do país em mais de um século. Sua resposta ao massacre de Christchurch, desafiando o lobby das armas e o racismo velado da população, chamou a atenção o mundo.
Cerca de um ano e meio após assumir como premiê, Jacinda Ardern, de 39 anos, agora desafia o lobby das armas. Ela promete que “todas as armas semiautomáticas do estilo militar” serão proibidas na Nova Zelândia – um paraíso turístico e nação agrícola, com uma reputação de ser verde, descontraída e pacífica.
Ardern, conhecendo tanto a orgulhosa tradição multiétnica da Nova Zelândia quanto seu racismo velado e seu passado conturbado, entrou na política com apenas 17 anos e nunca se esquivou de debates difíceis. Em campanhas passadas, ela defendeu, por exemplo, estreitar a gritante discrepância entre ricos e pobres das últimas décadas.
“Seja o que for que você pense sobre o que ela diz, há uma certa honestidade de pensamento por trás”, disse seu vice-premiê e ministro do Exterior, o veterano populista Winston Peters, do partido Nova Zelândia em Primeiro Lugar, no início do ano passado. “Ela é genuína: ela não tem ares e graças”, disse Peters, admitindo que isso era algo “único”, considerando suas próprias décadas de retórica lisérgica no Parlamento em Wellington.
Ao abrir uma triste sessão do Parlamento na última terça-feira (19/03), Ardern começou com uma mensagem de paz muçulmana em memória das 50 pessoas assassinadas em duas mesquitas em Christchurch, uma cidade que ainda está se reconstruindo após o terremoto de 2011.
Ardern elogiou os sobreviventes que haviam lutado contra o atirador, posteriormente preso pela polícia, e jurou nunca falar em público o nome do criminoso, para negar-lhe a notoriedade que ele anseia.
Vestindo um lenço preto na cabeça na segunda-feira, Ardern já havia visitado a Federação de Associações Islâmicas na Nova Zelândia, de Wellington, que compreende oito comunidades muçulmanas, incluindo Auckland, onde ela tem seu eleitorado.
“Eu visitei Christchurch, e meu principal objetivo lá era transmitir, em nome da Nova Zelândia, a mensagem de pesar e de solidariedade aos seus irmãos e irmãs”, disse ela.
No domingo após o massacre, ela havia informado a nação, detalhando os preparativos para funerais e segurança, enquanto prometia a provisão extra de terapeutas de saúde mental. Isso reflete uma promessa eleitoral dela e de sua legenda, o Partido Trabalhista, nas eleições de 2017 para consertar o que chamou de “enorme lacuna” nos serviços de saúde mental do país, investindo milhões em “trabalhadores da linha de frente” em vez de perpetuar uma “ambulância no fundo do penhasco”.
No Fórum Econômico Mundial de Davos, em janeiro, Ardern se sentou ao lado do príncipe William, do Reino Unido, e disse ao mundo que a Nova Zelândia, valorizada pela natureza e luz que cativam fotógrafos, convive com suicídios, muitos deles entre jovens.
“Um dos fatos tristes na Nova Zelândia é que todo mundo conhece alguém que tirou a própria vida. Somos um país pequeno, com menos de cinco milhões de pessoas, mas no ano passado mais de 600 cometeram suicídio”, disse Ardern ao público de Davos. “Eu perdi amigos e não teria que procurar muito em meu gabinete para encontrar outros também.”
Ardern cresceu em Waikato, em dois vilarejos agrícolas e florestais no centro vulcânico da Ilha Norte, não muito longe do cenário de Hobbiton, dos filmes O Senhor dos Anéis e O Hobbit. O pai dela era um policial, sua mãe era merendeira escolar.
Ardern estudou comunicações políticas na Universidade de Waikato, em Hamilton, o centro rural da região. Ela estagiou primeiro com Helen Clark, ex-premiê trabalhista, que se tornou chefe do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas e, depois, no Ministério do Interior britânico, na época do primeiro-ministro Tony Blair. Ela entrou no Parlamento da Nova Zelândia em 2008.
Trabalhando na defesa de crianças, mulheres, juventude e herança cultural, Ardern subiu nas fileiras do Partido Trabalhista antes de se candidatar diretamente e ganhar uma eleição em Mount Albert, em Auckland. Essa vitória, em março de 2017, colocou-a mais no centro das atenções.
Sete semanas antes das eleições gerais da Nova Zelândia em setembro de 2017, o líder trabalhista Andrew Little – ex-sindicalista e agora ministro da Justiça – se aproximou de Ardern para oferecer a ela a liderança do partido, reconhecendo seu talento e o fracasso de sua equipe em superar o governista Partido Nacional nas pesquisas.
Ela aceitou, o que levou a mídia internacional a chamar atenção para o “efeito Jacinda”. Ela logo deu ares à ideia arriscada de um imposto sobre ganhos de capital sobre os ricos, uma política que ela ainda não conseguiu implementar. Em outubro de 2017, ela surgiu como a mais jovem primeira-ministra da Nova Zelândia em mais de um século.
Em setembro passado, Ardern e seu parceiro, Clarke Gayford, apresentador de programas de televisão, apareceram na Assembleia Geral da ONU com sua filhinha Neve Te Aroha, cujo nome mistura herança irlandesa e maori.
A primeira-ministra reivindicou na ONU mais multiculturalismo e esforços para combater as mudanças climáticas – um tópico importante para os verdes, que apoiam seu governo.
Após o massacre em Christchurch, ela reiterou o quanto valoriza a diversidade em um telefonema ao presidente dos EUA, Donald Trump, dizendo que simpatia e amor aos muçulmanos seriam bem-vindos.
Na quinta-feira, Ardern participou da Polyfest, em Auckland – uma celebração das “diversas” culturas do Pacífico e da Ásia em uma nação majoritariamente “europeia”, onde 42% das crianças se identificam com duas, três ou mais origens através de seus pais e avós.
No ano passado, na Polyfest, depois de visitar seus pais em Niue, ela disse aos participantes do evento: “Viemos e fizemos uma parada aqui para conversar sobre todo o incrível trabalho que está sendo feito em coisas como energia renovável e proteção da vida marinha”.
As palavras dela foram lembradas nos protestos de adolescentes e crianças ambientalistas realizados nas sextas-feiras, as Fridays for Future, em diversas cidades.
Apenas algumas horas depois, um homem identificado como um supremacista branco australiano de 28 anos atacou Christchurch durante as orações da sexta-feira islâmica.
Correndo de volta a Wellington, Ardern primeiro informou a nação sobre os detalhes iniciais do massacre, com voz trêmula. Em seguida, em seu papel paralelo de ministra da Segurança Nacional e da Inteligência, ela convocou o Odesk, o comitê secreto de coordenação de crises da Nova Zelândia.
Enquanto surgiam perguntas sobre se o atirador agia como um “lobo solitário” ou se tinha apoio de grupos de extrema direita, a antropóloga e autora Anne Salmond escreveu que “baixo-ventre racista” furtivo deve ser substituído “por maneiras diferentes e melhores de ser neo-zelandês”.
“Depois dos maori, o povo indígena deste país, esse senso de superioridade branca transborda sobre ‘outros’ grupos, como polinésios, asiáticos e agora muçulmanos em Christchurch”, escreveu Salmond em um artigo publicado em vários jornais importantes da Nova Zelândia.
Para provar sua mente aberta, os moradores realizaram vigílias no domingo, incluindo 12 mil na Wellington’s Basin Reserve, estádio famoso por abrigar jogos internacionais de críquete. A solidariedade foi elogiada por muitos.
“Eu sou um orgulhoso neo-zelandês muçulmano que não poderia ser mais abençoado por estar rodeado de almas tão belas e solidárias, obrigado Aotearoa”, escreveu um jovem artista gráfico de Wellington no Twitter, referindo-se à Nova Zelândia em maori, outra língua oficial do país.
O líder do oposicionista Partido Nacional, Simon Bridges, e a ex-ministra da Polícia Judith Collins, que em 2017 se opuseram a mudar as leis de armas de fogo, disseram que agora apoiariam a proibição planejada de Ardern de armas semiautomáticas de estilo militar. “Tudo mudou na sexta-feira”, disse Bridges a jornalistas no Parlamento.
Fonte: DW